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terça-feira, 16 de agosto de 2011

VICENTE E A TURMA DO VIAGRA


                                                     Vicente Barbeiro

Hoje eu estive pensando como o tempo passa depois que atingimos certa idade. Dizem que quando entramos nos “enta” a vida corre e depois voa e é verdade. Até aos trinta anos, vai de macio. Mas, depois!...
Parece que foi ontem que eu fiz quarenta anos, já estou com sessenta e cinco. Daqui pra frente, só Deus sabe! E é por isso que eu gosto de comentar sobre o passado. Quando se tem mais de cinquenta anos, a gente dá uma olhadinha para trás e vê um tempo, intensamente, vivido. Éramos jovens, cheio de esperanças, saudáveis, trazendo o fogo da paixão e a vitalidade. O jovem vive o presente. O seu passado ainda não existe. E o futuro está distante.


A vida é como uma estrada que começa larga e asfaltada, parecendo nos levar rumo à felicidade. Mas, com o decurso de tempo, torna-se estreita, cheia de precipícios e perigosa.


Os buracos da estrada da vida são os sentidos que vamos perdendo. A visão enfraquece. A audição piora. Já não sentimos tão bem o perfume da natureza. O tato se mistura e o apalpo se realça nas dores. O paladar fica buscando na lembrança o franguinho que a mamãe fazia e que hoje já não tem mais gosto. A vida é, realmente, uma grande estrada na qual cada um caminha um trecho. Uns mais. Outros menos. E quanto mais se caminha, mais difícil vai se tornando a viagem. E com o tempo correndo, formamos o passado o qual vamos reviver enquanto vivemos o presente e pressentimos o futuro. A incógnita sobre o futuro vai sendo conhecida. Essa é uma realidade que não adianta querer fugir dela.


Aqui em Lagoa da Prata, eu sempre visito o meu amigo, Vicente barbeiro, cujo salão fica nas proximidades de onde eu moro, numa meia-água exprimida entre lojas suntuosas, na rua principal da cidade (Benedito Valadares).


Bastante modesto é o salão do Vicente. O fato de estar há cinquenta anos no mesmo ponto, lhe faz ser o detentor do título de barbeiro mais antigo da cidade. E que, ainda, não foi engolido pelo progresso tendo em vista os laços de amizade que o prende com o proprietário do imóvel, seu contemporâneo e amigo, Boquinha.


Vicente é um barbeiro, hoje, de pouca freguesia. Já não tem o tato de outrora para cortar um cabelo e nem fazer uma barba. Suas mãos são trêmulas a sua visão dificulta. Já não ouve bem o que o freguês conta e tem que parar com a tesoura para ouvir. A freguesia não é exigente. Praticamente, é todo mundo do seu tempo. E já há muito não tem um freguês novo. De vez em quando, dá uma barbeirada no rosto de um freguês e fica por isso mesmo. Vicente ainda é do tempo em que ao terminar o serviço perguntava para o freguês: “Você qué arco ou tarco?” Os barbeiros antigos usavam fazer esta pergunta para o freguês ao término da barba, se queria que passasse álcool ou talco no rosto.


O seu salão parece uma confraria de idosos. Eu lá me sinto um jovem, pois quando diante de qualquer assunto, sempre um diz: É, Armando! Mas, você ainda é novo... E eu acabo ornamentando o meu orgulho com a gentileza dessa frase.


Vicente conta oitenta anos. É um velho esperto para a sua idade. Estatura média, meio barrigudo, cabelos lisos e pintados de preto, bem preto. Parece que a tinta que ele usa para pintar os seus cabelos é extraída de carvão do ébano, porque é muito preta. E uma pessoa de oitenta anos com um cabelo preto, daquele jeito, é como se tivesse pintado o cérebro. E diante disso, vem a minha mente: Como é bom a gente fugir um pouco da realidade! Imagino eu que o Vicente não pinta o cabelo daquele jeito apenas para iludir as pessoas. Ele se ilude também. Naturalmente, repudia os cabelos brancos. Cabelo branco, certamente, para ele, é sinal de velhice. Velhice é sinônimo de fim. E fim é aquilo que acabou.


Sempre quando morre um amigo ele reclama: “Perdi mais um freguês!” E, assim, ele vai contabilizando perdas. E para compensar essas perdas, Vicente apela para outras atividades. Vende pinga e aparelhos elétricos usados. Mel de abelha e ovos. Para os produtos que não estão expostos no salão, ele anota a encomenda e o freguês procura depois. Aceita intermediação de quaisquer negócios. De uma agulha a um avião.


Como a sua freguesia é minguada, comumente, passa dia sem cortar nenhum cabelo. Mas, a venda de badulaques não lhe poupa tempo.


Nem todos que vão ao seu salão são seus fregueses. Pessoas que não se adaptam com o seu corte, mas, que têm amizade com ele também frequentam o seu pequeno salão. Parece que, de hora em hora, há uma reciclagem na turma. Claro, todos idosos. Os temas mais comuns discutidos naquela confraria são sempre os mesmos: doença, morte, idade, aposentadoria, viuvez, impotência sexual, problema dos parentes e preço dos remédios.


Hoje, eu estive lá batendo um papo. Naquele momento, a reunião contava com uma turma bem rica de idade. Carlos, Raposão, Neném, Milton, Bastião Goiaba e outros mais. Como o salão é pequeno, o banco de alvenaria existente no recinto não deixava espaço. Existe um banco do lado de fora onde os excedentes se acomodam.
Conversa vai, conversa vem, chega o Tatá que ficou viúvo recente. Tatá, que gosta de contar vantagem, chegou se esnobando para a turma ali presente que teria passado uma noite numa alcova a convite de uma jovem viúva, também recente, e que teria feito o exercício de casa bem feito. E, com certeza, teria ganhado nota 10 da viuvinha apaixonada. Momento em que, num eco só, a “velharada” soltou uma gargalhada:


E o Vicente, na qualidade de presidente da mesa, já tomou a palavra:
---Engana nóis, Tatá! Nóis aqui é tudo retardado... Nóis num intende nada dessas coisa... Engana nóis que nóis gosta! Esse viagra fais coisa. Cuidado quisso. Esse trem é brabo... Brinca quisso procê vê onde qui ocê vai pará!!

O raposão, com o seu tipão de intelectual, dá aquela risada discreta e diz:

---Traga-me um martelo para eu pregar essa piada no teto deste salão e na torre, ali da igreja.

E o Milton, com aquela sua cara “lambida”, até se levantou para se manifestar:



---Tatá, ocê teve corage de tentá? Ocê pra mim é doido rapaz e se ocê num desse conta? Ocê só pode ter tomado viagra.!

É a vez de o Bastião Goiaba falar:



Isso aí, gente, depende do tanto de viagra que ele tomou. Eu vi dizê que esse trem é bão memo, mais é caro pá daná...


Taquinho, o X-Tudo da turma, com o seu jeitão de conselheiro, comenta:
---Você, Tatá, não tem mais idade para ficar tomando esses aditivos. Isso pode elevar a sua pressão e, com isso, até levá-lo a óbito. Cuidado, meu amigo! Não vá avançando na lua pensando que se trata de um queijo.

O Neném, como que engolindo a voz, fez o seu comentário sucinto:



--- Num adianta cubri o corpo com a língua, Tatá. Depois de veio, muié serve é só pra companhia mesmo!

E o Carlos, num canto calado, resolve falar:



Porque que nóis num mata ele e óia o que tem lá den dele. Pá fala, assim, ele deve ser diferente de nóis tudo aqui.

Enfim, após tantos argumentos, Tatá, num afã de se defender, toma a palavra e diz:



---Ocêis tá tudo por fora! Mais por fora do arco de barril. Esse negócio de viagra é coisa pra home fraco. Nunca tomei essa porcaria prá cunhá o cabo da minha inchada, não! Viagra pra mim é a muié! Se o treinzinho fô ajeitado, o canzil num dorme nunca. Ocêis é igual monjolo de um pilão só. Cumigo o trem é diferente. Aqui, a cana tem garapa. Cêis tá é cum inveja!


Observei que aquilo ali mais parecia um tribunal onde o réu seria condenado por mentir. Cada jurado tinha uma sentença, mas, ninguém a justificava.
Apesar da intimidade, eu não quis falar nada. Preferi usar das prerrogativas do tribunal da minha consciência. Apenas pensar e guardar o meu veredicto:

Tendo em vista o tamanho da barriga do réu, os dentes estufados, um bafo suspeito, olhos remelentos e avermelhados, cabelos pintados e desbotados, bigode torto, passos trôpegos e idade acumulada o que traduz, de forma explícita, a improdutividade dessa máquina humana para o quê se propõe, com exceção da língua que, ainda, poderá deter funções alternativas, considero-o, contudo, sem a mínima chance de alcançar uma nota 10 no exercício de alcova.


Sendo assim, a meu juízo, o réu é um grande mentiroso e estará condenado a mentir pelo resto da vida.

Armando Melo de Castro

candeiasmg.blogspot.com
Candeias – Minas Gerais

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