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terça-feira, 2 de junho de 2009

BICHOS CATINGUDOS



Certa feita, na cidade de Bambuí, onde estive morando por um período de dois anos e atuava como gerente do Banco do Estado de Minas Gerais SA, quando fui surpreendido com a informação de que o gambá é um animal cuja carne é bastante apreciada por muita gente. Isso me teria chegado após ter degustado um pedaço do marsupial asqueroso e fedorento, como rebate de um gole de cachaça numa mesa de bar em meio a uma turma de amigos.

A minha ignorância sobre a questão e a boca feliz demonstrada por mim pelo deguste do tira-gosto exótico, fizeram com que os meus amigos, em risos, se explodissem, em forma de gozação à minha surpresa quando descobri que havia comido gambá... Aquele bicho catingudo que tem como sua defesa um líquido fétido expelido quando perseguido e que me teria sido apresentado como que carne de coelho silvestre.

Não tive outra oportunidade para comer gambá. Mas hoje o faria sem preconceito ou nojo, apesar de minha mulher me haver insultado dizendo que não mais me beijaria caso viesse a colocar tal iguaria na boca novamente.

Interessante é que quando digo que já experimentei a carne de gambá as pessoas me olham com ressalva. Chego a pensar que elas me imaginam um famélico africano ou um indígena sem reserva. Mas, posso garantir tratar-se de uma carne muito saborosa. Em outras oportunidades pude experimentar carne de diversos animais exóticos e silvestres entre eles, cobra, lagarto, Piriá, tatu, e rã; e em quase todas as primeiras vezes o experimento me vinha camuflado e depois se me fazia revelado.

Existe um fato, todavia, que não me foge e sempre vem à tona de minha memória quando entrava no antigo Bar Piloto em Candeias:

Trabalhava naquele bar um conterrâneo por nome de Nande do Maximino Roxo. Elemento extrovertido, amigo da freguesia e detentor da confiança do patrão o então proprietário do bar, Guido Bonaccorsi.

Nande era magro, alto, um corpo meio arcado, principalmente as pernas. Quando estava parado seu pé direito mais parecia uma seta indicando para entrar à direita; rosto comprido, quase sem barba; cabelos amarelados; boca pequena e uma conversa mole. Era cheio de coisas; viciado no jogo de “porrinha” e era tido como campeão nesse tipo de jogo, cujo cacife era proporcional ao potencial dos jogadores. Vivia limpando os bolsos dos menos espertos, com a sua habilidade na manipulação dos palitos. Eu que o diga sobre as vezes que me deixou limpo... Mas era meu amigo... Eu gostava dele...

Passou-me, certa vez, a sua conversa e me vendeu um casal de jacu por um preço absurdo; dizendo que aquela ave poderia ser cruzada com galinhas e que poderia eu ser o criador de um tipo de galinha especial originária das Candeias; e que me poderia render muito dinheiro. -- E eu, um bobo da corte, empanado nos meus projetos de invencionices e tolices, caí na lábia do artista vendedor. Tomei posse do casal de galináceos e sai levando aquilo sem saber onde iria hospedá-los, pois não tinha galinheiro e nem gaiolas apropriadas. Tinha apenas a ideia de um jacu na cabeça... Ou seja, eu, um jacu querendo produzir galinhas com jacus e, à vista disso, ter uma raça de galinha só minha. Ideia gentilmente cedida pelo Nande... Durma-se com um barulho desses... 

Não deu outra coisa. Ao chegar à minha casa num desarranjo total deixei escapar das minhas mãos, as aves que cruzaram os ares num grito de liberdade; fazendo-me sentir como que na fábula entre o vendedor, o alfaiate e a galinha preta, eu ali com a cara do alfaiate.

Mas, voltando ao Bar Piloto, sempre quando vejo falar em se comer carne de bichos exóticos, vem-me à mente, um fato que ocorreu nesse estabelecimento por ocasião em que lá trabalhava o amigo Nande:

Às margens do Campo da – AEC- Associação Esportiva Candeense, ou Estádio Silvestre Teixeira, havia um brejo onde habitava uma grande nação anura, que à noite poderia se imaginar uma grande torcida, como brincou certa vez o Quintino Enfermeiro, quando dizia que a torcida da Associação era de sapos, rãs e pererecas: Os sapos: "Foi gol, foi gol, foi gol – e as rãs de outra forma protestavam: num foi não- num foi não -num foi não... E as pererecas insistiam: Um a zero -- um a zero – um a zero"...

Nande era um grande apreciador da carne de rã. Não perdia a oportunidade de comer uma rãzinha, como dizia ele. E foram várias as vezes que se fez preparar no interior do Bar Piloto uma pratada de rã ao final do expediente. E quando nos dias estabelecidos em que haveria uma chacina de rã, os apreciadores da carne das filhas do brejo ficavam esperando, enquanto os caçadores desciam até ao brejo do campo a fim de capturar as infelizes torcedoras da AEC.

Numa dessas seções por volta da meia noite, quando o expediente do bar já se encontrava encerrado, vem chegando dois caçadores trazendo num balde uma dúzia de rãs ainda vivas. Os já conhecidos da festa aguardavam com as suas bocas cheias d’água e os curiosos queriam ver como era aquela festa. Daí saiu lá de dentro o Nande com uma lata de vinte litros cheia de água fervente e ali já foi dado início a covarde seção de execução dos pobres batráquios.

Entre os expectadores encontrava-se o Antônio Macêdo que chegara ali e quis ver como seria aquela mortandade dos ambicionados animais indefesos. E o Nande num gesto prático e costumeiro foi pegando os bichos e mergulhando-os na lata d’água quente os quais num espaço de segundos se inchavam e se avolumavam momento em que se tomou de uma faca afiada e foi enfiando-lhes na barriga o que fazia exalar-se pelo recinto um mau cheiro terrível parecendo que ali se abrira uma fossa de imundícies ou uma cova de defunto recente.

Nessa hora, o Antônio Macêdo com aquele seu jeito de gozador e dar ênfase a uma critica bradou alto: Nossa! O que é que é isso?! Que bicho catingudo e fedorento!... O que é isso gente!? Vocês vão comer isso? Vocês estão morrendo de fome? Quem come isso come bosta misturada com merda. E enquanto ria tapava o nariz cheio de nojo e não suportando o cheiro saiu... (rindo).

Mais tarde o Nande com um pedaço de rã na mão diria:

"Êta Antonho Macêdo bobo meu Deus do céu? Num sabe o que é bão na vida não! Num sabe o que é uma rãzinha sarada com uma lambada de pinga!...E uma cervejinha bem gelada"...

Onde estiver Nande receba o meu abraço e saiba que é muito bom recorda-lo; você é uma lembrança festiva; é uma lembrança feliz...


Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos.




Um comentário:

Anônimo disse...

GOSTEI MEU CARO ! HISTÓRIAS COMO ESSA NOS FAZ LEMBRAR DOS VELHOS TEMPOS,SOU DO INTERIOR DA BAHIA E GOSTO DE UMA PALESTRA, MUITOS CAI NOS CONTOS COMO MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM O MINEIRO E ESPERTO E ACREDITOU NA HISTORIA DO JACÚ...