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sexta-feira, 1 de maio de 2020

MINHA AMIGA DONA ESTER DE PAIVA

                                                             Cruzeiro do Josino - Candeias MG.

Hoje, como às vezes acontece comigo, amanheci com o desejo veemente de colocar a minha conversa em dia com os Céus. Portanto, resolvi ir até ao Cruzeiro do Josino, ponto preferido por mim para falar com Deus. Fui pedir ajuda - entregar os meus pecados e agradecer tudo aquilo que recebo diante da missão que me foi dada aqui neste mundo, no sentido de contribuir com a obra da Sua criação.

Ali, aos pés daquela cruz campal, símbolo maior da redenção cristã, onde, há mais de sessenta anos eu faço as minhas orações e as minhas meditações, abri um dos mais queridos estojos da minha infância e me encontrei com Dona Ester a minha antiga vizinha de quem eu guardo nítidas lembranças pelo carinho que me dedicou, quando eu me encontrava ainda, no verdor dos meus anos. Muitas foram às vezes que nos ajoelhamos aos pés daquela cruz e rezamos juntos. Agora, com certeza, estará noutra das muitas moradas da casa do Pai Celestial.

Que saudade eu senti naquele momento de Dona Ester!...
Retroagindo pela estrada do tempo, volto à minha infância e sinto a presença de Dona Ester dando-me a sua melhor atenção como que alguém muito importante para ela.

Natural da cidade de Itumirim/ MG, na região de Lavras, veio trazida para Candeias através das águas do destino como uma ave aquática extraviada da sua rota. Aqui, se aportou na busca de novos ares e de algo que pudesse atender a sua vida vazia, visto que teria vivido de preencher o vazio dos outros, sem nenhuma resposta. 

Seu comportamento, involuntário, não atendia os preceitos da sociedade hipócrita e escrupulosa.  Época em que um agouro do destino arrebatava quaisquer sentimentos louváveis. Era um tempo em que a prostituição tinha diversos segmentos e, entre esses, a fome, a miséria e o meio de onde é feito o homem como produto excluso. Dona Ester era uma vítima social julgada como ré por um tribunal sem consciência. Teria sido ela uma prostituta que chegou à Candeias, vinda pelas águas da sarjeta.

Seu desejo de ter um lar lhe foi concedido por Deus com o avanço da idade. Contudo, os filhos lhe teriam sido negados. Casou-se, já idosa, com João de Paiva que lhe acolheu após a sua travessia nesse revolto mar da vida. Desde então, se tornou integrante da Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, quando ostentava o seu vestido de tricoline preto e uma fita de seda vermelha ao pescoço como insígnia da confraria. Teria sido um presente do marido que a fez muito feliz. Aquele vestido preto, talvez, tivesse dado a Dona Ester uma emoção muito maior do que o branco vestido de noiva que jamais teria usado.

Agora, perante a Igreja Católica, parece que Dona Ester teria se tornado filha de Deus por ter se casado de acordo com as suas regras. Até então, Dona Ester teria sido  refutada pela igreja.

Era uma vida modesta. Seu marido um pedreiro do padrão: meia-colher e, às vezes, lhe faltava serviço. Dona Ester, com a sua hábil maneira de economizar, fazia com que não lhes faltassem nada. Chegou a juntar dinheiro com o qual comprou um rádio usado sendo, naquela época, um aparelho caro, mas, que lhe proporcionava acompanhar, diariamente, o terço através da Rádio Nove de Julho, de São Paulo.

Dona Ester gostava de ir ao mato catar gravetos e sempre me levava com ela, como companhia. E lá no mato, era aquela preocupação comigo: "Armando! Cuidado, meu filho! Olha no chão para ver se não tem cobra!”.

E eu, com os meus olhos de menino descuidado, nem sei se olhava para o chão. O que eu queria, no entanto, era encontrar as frutas do mato, naquele tempo fartas na região de Candeias, como a guabiroba, goiabinha, pequi, araçá, araticum, marmelada-de-cachorro e muitas outras espécies de frutas silvestres das quais eu tanto gostava e que só existem, hoje, nas minhas lembranças. 

Ainda guardo, na minha memória, um pé de limãozinho doce que existia próximo de onde está hoje, a COPASA, no Bairro Rio Branco. Como Dona Ester gostava daqueles limõezinhos! O pé era muito alto e a gente tinha que levar um bambu para apanhá-los. Às vezes, eu insistia em subir no pé para colher a fruta da sua preferência, mas ela não deixava. Temia que eu viesse a cair do galho.

Dona Ester sabia tudo e me ensinava tudo. Eu a ouvia, atentamente, quando falava. E como eu gostava de vê-la chamar-me de meu filho! O meu coração tinha lugar para muitas mães e eu a coloquei dentro dele como uma de minhas mães.

Éramos vizinhos de frente. Na sua casa, ela não comia nada diferente sem guardar uma prova para mim. Ela criava uma carneira dentro de casa e parece que o animal gostava de mim também. A ovelha era tida como filha. Tratada como “bitinha” da qual tirou lã até completar uma colcha para se agasalhar como se fosse aquilo o calor do animal querido.

Quando a seca chegava e a chuva não vinha, íamos juntos molhar o pé da cruz e pedir auxílio aos Céus. Devota fervorosa de São Benedito e São José, dizia sempre que os seus santos nos aliviariam da seca mandando chuva.

As pessoas que adoeciam na vizinhança tinham uma aliada fiel. Preocupava-se com o doente como se fosse um parente seu.

Quanta saudade eu sinto de Dona Ester! Lembro-me de suas risadas mostrando uma boca sem dentes. Exaltando as rugas de um rosto sofrido. Os cabelos brancos levando a saúde e matando a juventude. Um corpo flácido e fatigado pelo tempo dando mostras de uma vida em decadência; coberto, constantemente, por um vestido de tecido grosso, descorado e desgastado. Um corpo sem o viço de outrora, estampado numa velha fotografia amarelada e dependurada junto de um quadro da Santíssima Trindade na sala de sua casa.

Onde quer que você esteja Dona Ester, obrigado pela presença constante na história da minha vida. Receba de coração o meu abraço, o meu beijo, o meu carinho e a minha saudade. Com certeza, a paz do Senhor estará sempre com você porque você merece.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.


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