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sábado, 16 de março de 2019

OS APOSENTADOS.



A vida de um aposentado por mais planejada que possa ter sido, durante a sua atividade profissional, dificilmente pode conferir com aquilo que foi pensado. --- Viver é caminhar numa estrada cheia de curvas e trevos. Às vezes é uma estrada larga que parece nos levar a verdadeira felicidade onde viver o ócio com dignidade, acaba terminando abruptamente em precipícios. Quem idealiza a vida na aposentadoria, não percebe que ela é um sonho e que podemos acordar durante esse sonho.

- Nesse momento da vida, o trabalhador quase sempre se esquece de que aposentadoria é sinônimo de velhice, ou como um cachorro que correu atrás de um carro e ao apanhá-lo ficou sem ação. --- Eu julgo por mim que fiz uma porção de planos e acabei indo por outro caminho muito diferente, felizmente sem me causar prejuízos. --- Eu que imaginava criar galinhas numa chácara e poder comer, com arroz, aquele ovo da gema amarelinha, vi o tiro sair pela culatra.Eu até cheguei a ter a chácara, mas não pude usufruir dela, pois vivia me mudando de cidade em cidade por causa do meu trabalho. Enfim, aposentadoria é uma incógnita.

- Aqui na rua onde moro, em Juiz de Fora, conheci um vizinho com o nome de Paulo. Estatura mediana, 72 anos, careca, semblante fechado e voz mansa. Nós sempre nos encontrávamos num barzinho da esquina quando ele sempre me fazia acompanhar numa cervejinha. Tínhamos uma coisa em comum, fomos bancários durante mais de trinta anos e mais ou menos no mesmo período; ele um ex-caixa do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, cuja matriz era aqui em Juiz de Fora, Banco que teria sido vendido ao Bradesco.

 - Paulo sempre me dizia que não teria chegado a gerente do Banco porque não fora puxa-saco. Era uma pessoa bastante revoltada. Afinal tudo que teria planejado na vida teria dado errado. ----- Eu o ouvia, mas não me sentia ofendido uma vez que essa pecha de puxa-saco não teria me feito chegar a gerente bem classificado do Bemge, posteriormente vendido ao Itaú. -----

Eu entendia que Paulo tinha lá os seus problemas incomparáveis. Os nossos patrões eram Bancos coirmãos, mas a filosofia de cada um, talvez fosse diferente.  --- Sua aposentadoria como caixa do Banco não lhe proporcionava uma qualidade de vida tranquila, a que ele planejou. ---- Já teria cancelado o seu plano de saúde, morava de favor numa edícula de sua cunhada e, da sua aposentadoria, teria que ajudar os seus dois filhos casados e sem um emprego fixo. ----

Lá no barzinho o seu papo não era dos mais agradáveis porque se tratava de uma pessoa pessimista e que na caminhada de sua vida, teve que voltar ao princípio da estrada na hora de sua aposentadoria.  

Não sei. Parece-me que eu sentia muita pena do Paulo ao vê-lo tão desencontrado com a vida de aposentado. Chegou até a prestar serviço como bico em portarias de prédios aqui em Juiz de Fora.

- Eu como um aposentado disponível ao meu aposento fico da janela do quarto andar apreciando o que se passa na rua. Uma coisa assim mais ou menos como num camarote de teatro ao vivo. Não é bem isso que eu queria, como disse, mas consigo me entender bem com a vida que tenho.

- Na ponta final da rua onde eu moro, lá no alto, fica a residência do Paulo e eu o via todas as manhãs descer à rua caminhando e levando a sua cadelinha. --- Lá de baixo ele acenando para mim e eu cá de cima apreciando a sua peleja com a cachorrinha rebelde.

Defronte o prédio onde eu moro tem uma sede da filial dos elevadores Atlas. ---- Na semana passada vi quando Paulo parou sobre um latão de lixo, à porta da empresa de elevadores e retirou lá de dentro um laptop usado e jogado fora. ---- Paulo parecia uma criança que ganhou um chocolate grande ou um brinquedo de Papai Noel. ---- Lá de baixo acenou para mim e me mostrou o achado, como se tivesse ganhado na loteria ---- A empresa Atlas como estava revigorando os seus equipamentos, estava jogando coisas fora.

Ontem me chegou à notícia que Paulo faleceu de repente. Morreu sem sofrer, mas levou consigo a vontade de ter vivido a vida que não viveu. A tranquilidade de uma aposentadoria que ele sonhou, mas acordou no meio do sonho.

Foi a ultima vez que vi Paulo, talvez a única vez que o vi alegre. Uma alegria encontrada numa lata de lixo.  --- Que Deus o tenha! --

Armando Melo de Castro.

Um comentário:

Unknown disse...

Meu lema: A VIDA É BREVE...QUE SEJA LEVE