A vida de um aposentado por
mais planejada que possa ter sido, durante a sua atividade profissional, dificilmente
pode conferir com aquilo que foi pensado. --- Viver é caminhar numa estrada
cheia de curvas e trevos. Às vezes é uma estrada larga que parece nos levar a
verdadeira felicidade onde viver o ócio com dignidade, acaba terminando abruptamente
em precipícios. Quem idealiza a vida na aposentadoria, não percebe que ela é um
sonho e que podemos acordar durante esse sonho.
- Nesse momento da vida, o trabalhador quase
sempre se esquece de que aposentadoria é sinônimo de velhice, ou como um
cachorro que correu atrás de um carro e ao apanhá-lo ficou sem ação. --- Eu
julgo por mim que fiz uma porção de planos e acabei indo por outro caminho
muito diferente, felizmente sem me causar prejuízos. --- Eu que imaginava criar
galinhas numa chácara e poder comer, com arroz, aquele ovo da gema amarelinha,
vi o tiro sair pela culatra.Eu até cheguei a ter a chácara, mas não pude
usufruir dela, pois vivia me mudando de cidade em cidade por causa do meu trabalho. Enfim, aposentadoria é uma incógnita.
- Aqui na rua onde moro, em
Juiz de Fora, conheci um vizinho com o nome de Paulo. Estatura mediana, 72 anos, careca, semblante fechado e voz mansa. Nós sempre nos encontrávamos
num barzinho da esquina quando ele sempre me fazia acompanhar numa cervejinha. Tínhamos uma coisa em
comum, fomos bancários durante mais de trinta anos e mais ou menos no mesmo
período; ele um ex-caixa do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, cuja matriz
era aqui em Juiz de Fora, Banco que teria sido vendido ao Bradesco.
- Paulo sempre me dizia que não teria chegado
a gerente do Banco porque não fora puxa-saco. Era uma pessoa bastante revoltada.
Afinal tudo que teria planejado na vida teria dado errado. ----- Eu o ouvia,
mas não me sentia ofendido uma vez que essa pecha de puxa-saco não teria me
feito chegar a gerente bem classificado do Bemge, posteriormente vendido ao
Itaú. -----
Eu entendia que Paulo tinha
lá os seus problemas incomparáveis. Os nossos patrões eram Bancos coirmãos, mas
a filosofia de cada um, talvez fosse diferente.
--- Sua aposentadoria como caixa do Banco não lhe proporcionava uma qualidade
de vida tranquila, a que ele planejou. ---- Já teria cancelado o seu plano de
saúde, morava de favor numa edícula de sua cunhada e, da sua aposentadoria,
teria que ajudar os seus dois filhos casados e sem um emprego fixo. ----
Lá no barzinho o seu papo
não era dos mais agradáveis porque se tratava de uma pessoa pessimista e que na
caminhada de sua vida, teve que voltar ao princípio da estrada na hora de sua
aposentadoria.
Não sei. Parece-me que eu
sentia muita pena do Paulo ao vê-lo tão desencontrado com a vida de aposentado.
Chegou até a prestar serviço como bico em portarias de prédios aqui em Juiz de
Fora.
- Eu como um aposentado disponível ao meu aposento fico
da janela do quarto andar apreciando o que se passa na rua. Uma coisa assim
mais ou menos como num camarote de teatro ao vivo. Não é bem isso que eu queria, como disse, mas consigo me entender bem com a vida que tenho.
- Na ponta final da rua onde eu moro, lá no alto, fica a
residência do Paulo e eu o via todas as manhãs descer à rua caminhando e
levando a sua cadelinha. --- Lá de baixo ele acenando para mim e eu cá de cima
apreciando a sua peleja com a cachorrinha rebelde.
Defronte o prédio onde eu moro tem uma sede da filial dos
elevadores Atlas. ---- Na semana passada vi quando Paulo parou sobre um latão
de lixo, à porta da empresa de elevadores e retirou lá de dentro um laptop
usado e jogado fora. ---- Paulo parecia uma criança que ganhou um chocolate grande
ou um brinquedo de Papai Noel. ---- Lá de baixo acenou para mim e me mostrou o
achado, como se tivesse ganhado na loteria ---- A empresa Atlas como estava
revigorando os seus equipamentos, estava jogando coisas fora.
Ontem me chegou à notícia que Paulo faleceu de repente.
Morreu sem sofrer, mas levou consigo a vontade de ter vivido a vida que não
viveu. A tranquilidade de uma aposentadoria que ele sonhou, mas acordou no meio
do sonho.
Foi a ultima vez que vi Paulo, talvez a única vez que o
vi alegre. Uma alegria encontrada numa lata de lixo. --- Que Deus o tenha! --
Armando Melo de Castro.
Um comentário:
Meu lema: A VIDA É BREVE...QUE SEJA LEVE
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