Total de visualizações de página

sábado, 17 de março de 2018

CANDEIAS! UM DIA DE INFERNO!

No principio da década de 60 Candeias foi palco de um dos maiores acidentes ferroviários. Naquele tempo, o trem era o meio de transporte de passageiros e de carga mais usado na nossa região. Ainda não existiam ônibus e sim umas pequenas jardineiras que transportavam no máximo vinte e cinco pessoas

A opção rodoviária em Candeias era apenas uma dessas jardineiras que fazia a linha de Campo Belo a Formiga, passando por Candeias, quando, ainda, não existia a via asfaltada e o itinerário era uma estrada de chão, via Arrudas.  Além disso, a passagem era cara.

A viagem de trem além de mais confortável era muito mais barata, apesar de ser bem mais demorada.

As linhas de trem eram feitas por trechos onde faziam as conexões para outros rumos. ----- Candeias estava localizada no trecho que ligava Ribeirão Vermelho a Garças de Minas, ---- no município de Iguatama, ali havia as baldeações para Goiás e Belo Horizonte. ----Não é difícil imaginar como era difícil ir de Candeias à Belo Horizonte naquele tempo.

De Bambuí para baixo era considerado sertão, o queijo artesanal, por exemplo, fabricado em toda aquela região, era chamado “queijo do sertão”.

Eram quatro os horários dos trens de passageiros: O misto e o noturno, que desciam e subiam diariamente, sendo que posteriormente foram alterados para três vezes por semana. O misto descia às 10,30 h. Da manhã e voltava por volta das 17 h. ----- Isso quando estava no horário, mesmo porque, esses trens nunca andavam no horário. ---- E o noturno que descia pelas 23 horas e voltava pelas 5 da manhã.

Certa madrugada, por volta das 2 horas, o povo de Candeias foi despertado assustado, com o alto-falante da igreja Matriz no ultimo furo tocando uma música fúnebre e o apelo do Monsenhor Castro, pedindo ao povo que se dirigisse rumo à comunidade da “Santinha,” a fim de socorrer as pessoas acidentadas com o desencarrilhamento do trem noturno.  ----- 

Meu pai na mesma hora se levantou e chamou-me para acompanha-lo. A cidade já estava alvoraçada. Até as pessoas que não foram até ao local do acidente, saíram pelas ruas aguardando notícias.

O acidente se deu num local de difícil acesso, nas imediações da comunidade chamada “Santinha”, há poucos quilômetros de Candeias.  ---- Sabe-se que os acidentes ferroviários têm esse problema, por se darem em locais isolados e, às vezes, de difícil acesso. -----Era um tempo ainda muito atrasado, muito sem recursos de comunicação e de transporte.

Os vagões de madeira com a base de ferro caíram de bruços, numa grande depressão ao lado da estrada ---- ferro sobre madeira –--- deixando os passageiros presos dentro dos vagões.

Até que a notícia do acidente chegou à cidade... Até que chegou algum recurso no local, já havia nove mortos. Pessoas quebradas, sangrando e desesperadas. –Não é difícil alguém imaginar a dimensão dessa tragédia.

Entre os mortos, apenas um candeense que teria tomado o noturno minutos antes, quando seguia para Campos Altos, onde era a sua moradia com a sua família. Tratava-se do senhor Laerte do Bilú, pai do Paulo ex-funcionário do posto de gasolina do Dalton Freire e casado com uma tia do Miguelzinho Simões.

Lembro-me que eu e meu pai ainda chegamos ao local quando as pessoas encontravam-se desesperadas, e o povo que chegava, não tinha como ajudar, totalmente impotentes diante de tamanha desgraça. Pessoas chorando de dor, sangrando-se e sem ter como ser ajudadas. Pessoas já mortas e outras morrendo.

Depois de muitas dificuldades, muita correria, muito desespero, os corpos ficaram a disposição na igreja matriz, quando esta estava em reforma. Foi improvisada uma grande mesa com o material de andaime da construção e ali foram expostos os corpos do jeito que foram retirados do local do acidente. Ensanguentados, machucados e roxos e desconhecidos. Houve muita dificuldade na identificação dos corpos. As pessoas naquele tempo não se preocupavam em portar documentos.

Laerte do Bilu era amigo do meu pai e os dois estiveram conversando na esquina do sobrado próximo à matriz, no dia em que ele embarcaria para Campos Altos. Teria vindo estudar a possibilidade de voltar a morar em Candeias. Lembro-me de ouvi-lo falar isso. 

---- Mal sabia ele que no outro dia, naquele mesmo horário ele estaria exposto em meio a outros mortos de outras cidades, bem próximo dali, na igreja matriz, morto e quase irreconhecível, pois teria ficado com o rosto totalmente negro. Quem fez o seu reconhecimento foi o Wantuil Delminda, meu tio, que estivera com ele, também, no dia anterior e ele estava com a mesma roupa; calça marrom, camisa azul claro e paletó azul marinho. ·.

Até hoje não se sabe a quem atribuir à culpa dessa terrível tragédia. Na época diziam tratar-se de que o maquinista estava embriagado e operou com excesso de velocidade... Outros já diziam tratar-se de problema com a linha. Enfim, nada ficou apurado; nada ficou esclarecido e nada chegou ao conhecimento do povo candeense.

Recordar aquele dia... Aquele quadro trágico é como voltar ao tempo de maneira desastrosa. É como se tivesse conhecido o inferno por algum momento. Por mais que eu viva, jamais sairá das minhas retinas o sofrimento daquelas pessoas sangrando, gritando, chorando e morrendo diante da falta de socorro; da falta de recursos que só chegaram quando aqueles que se encontravam em estado mais graves já teriam falecido. Um quadro difícil, muito difícil até de ser lembrado...

 Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos.

 

 

 

 

6 comentários:

Unknown disse...

Caramba... Saber a história de ouvido é uma coisa, mas ler com tantos detalhes do falecimento do meu avô é bem diferente... Obrigada pela matéria

Unknown disse...

Saber da história de boca é uma coisa... Mas saber assim com tantos detalhes é bem diferente. Obrigada pela matéria!

Unknown disse...

Nossa meu pai era ferroviário naquela época José Trindade da Silva ele estava presente e me contou tudo é ajudou a socorrer as vítimas

Unknown disse...

Eu conheço essa história meu pai era ferroviário nessa época José Trindade da Silva ele me contou que socorreu várias vítimas...

ZÉ ORLANDO disse...

Armando eu também ajudei no resgate de vítimas e na identificação de corpos que estavam irreconhecíveis... nunca esqueci-me destas cenas.

Anônimo disse...

Quantas pessoas morreram?