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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

UMA ZEBRA NO CINEMA!


A vida de um adolescente é um negócio meio complicado. É uma sinonímia de insegurança, de descobertas e o encontro com o desconhecido. Mas, antigamente, era bem mais difícil. Hoje está mais facilitado. Atualmente, há mais dinheiro, mais escolas, mais intimidade. “Ficar”, hoje, nos termos dos adolescentes, é uma paquerinha, sem compromisso. Isso antes significava um ato sexual.

No passado a coisa era preta. Adolescente tinha uma cabeça que zoava o tempo todo pensando como seria o seu futuro, a sua vida amorosa. O mundo não tinha os recursos atuais. A sociedade era muito atrasada em todos os sentidos. O povo parecia ser mais tímido, acanhado, avexado... Os adolescentes de hoje são mais extrovertidos, mais afoitos.
Eu era muito bobo, portanto, fiquei muitos anos esperando a oportunidade de bolinar um sutiã recheado e passarinhar umas pernas grossas. Eu gostava de apreciar uma moça de pernas grossas.

Eu tinha uns dezessete anos quando meu pai me patrocinou um terno de linho para ser pago em dose meses, através de um consórcio do Chiquinho Alfaiate. Não existiam vendas à prestação em Candeias. Aconteciam eram esses consórcios.

O Chiquinho Alfaiate uniformizou uma quantidade enorme de gente na cidade. Isso porque fez o consórcio e as opções de cores eram poucas. E para muitos saiam à mesma cor. Na Igreja, era até bonito. Parecia uma irmandade. Boa parte dos fieis vestidos com a mesma cor. A maior parte era de cor cinza. E quem via sabia que era terno do consórcio do Chiquinho.

Ter um terno era um privilégio do proletariado: A gente não vestia essa roupa a não ser para ir à missa ou então em alguma festa muito importante. Como não havia festas importantes, tornava-se uma exclusividade da missa. Era o famoso “bate não quara”. Chegava a casa ia direto para o guarda roupa. Era um cuidado excessivo para que não o sujasse a fim de não ser muito lavado.

Ao me empanar naquele terno e me olhar no espelho, apaixonei-me comigo mesmo e pensei: mereço arrumar uma “gata” para me arranhar. E caí no capinado, assim diziam. Fui para a praça e devo ter pensado que eu era o homem mais bonito do mundo.

Enquanto as moças rodavam no passeio da praça de frente ao Bar Piloto, eu fiquei por ali, soltando o meu charme. Com aquele terno, eu imaginei que as “minas” não iriam me dispensar.

Acontece que eu era bobo demais. Eu não sabia “chegar” em uma moça. Eu me danava a gaguejar e não saía, absolutamente, nada. Entretanto, nesse dia, eu dei sorte. Logo me ajeitei com uma moça da roça, de um lugar chamado Vargem Grande.

Eu a convidei para ir ao cinema. E ela aceitou o meu convite. Subimos a Avenida 17 de Dezembro em silêncio. Eu era ruim de papo. Contudo, ia alimentando o meu ego. Bem vestido, com uma garota do meu lado (não podia nem pegar na mão). Chego ao cinema, um pouco envergonhado, diante do Sebastião Salviano, o porteiro do cinema, que sorriu para mim, como estivesse dizendo: desencalhou-se, Armando?

Eu um tanto desajeitado, procurei assento no meio da plateia. Lembro-me que estavam assentados, logo atrás de nossas cadeiras, o Edson Cordeiro, Paulo Pessoa e sua esposa Dona Carmem e outros veteranos mais. Tão logo a luz se apagou e o filme iniciou, a minha mente começou a fermentar.

Eu não me lembro de nem que filme foi esse. Sempre ouvia dos meus condiscípulos e contemporâneos às proezas do escurinho do cinema. E é de se saber que, naqueles tempos, não existiam outras opções além do cinema. Eram raras as oportunidades para quem tinha namorada. Imaginem para quem não as tinha? Lembro-me, agora, do Caveirinha. O Cacá do gás. Safadinho como ele só. Claro, antes do seu namoro com a Ana Zélia.

Depois de meditar bastante como tomar a iniciativa, imaginando que a moça seria mais velha do que eu e que aceitaria o meu atrevimento numa boa, levei a minha mãozinha delicada e aveludada, temerosa, desejosa, desajeitada e trêmula ----- primeiramente, nas suas pernas. O recheio do sutiã seria uma segunda etapa do projeto. 

Foi só isso, eu juro que foi só isso. Mas, foi o bastante. Foi como se soltasse uma bomba dentro do cinema. E quando acontecia qualquer coisa, o monsenhor Castro, lá de baixo, dava um sinal e o operador de máquinas acendia as luzes e o padre começava o sermão. Felizmente foi tudo muito rápido.

A danada da mulher arrumou um berreiro dentro do cinema. E dizia:

---Ocê num presta seu cachorro. Cê tá pensando que eu sô muié do Zé Bolinha? Tá inganado, trem ruim. Eu sou moça de famia. Bem que o pai fála: essa rapaziada da cidade é tudo sem vergonha.

Eu? Sem vergonha! Coitadinho de mim! É até engraçado! Eu quase morria de tanta vergonha! Bem! É verdade que, no escurinho do cinema, eu perdi um pouco da vergonha.

É claro que depois disso, eu passei a prestar a atenção. Tem que conversar, bater um papinho. Eu fui silencioso, com muita sede ao pote e a coisa deu errado. A moça tinha que ser cortejada, bajulada, conversada...

Ela falou muito mais, mas eu só ouvi até aí. Porque quando ela parou de falar eu já estava escondido atrás do chafariz do sansão lá na rua, de onde eu vi o Sebastião Salviano levantar a porta para ela sair.

Eu teria dado sorte de ter encontrado a porta sendo aberta para um expectador atrasado. Saí feito um gato que esteve preso debaixo de uma bacia.

Além de bobo azarado! E para um poltrão como eu, a coisa era muito mais difícil. Há quem diga que:

“Criar um bobo dá trabalho, mas, depois de criado, dá gosto vê-lo babar”.

Eu sei dizer que, depois que comecei a babar, Deus me compensou.  Bobão eu era mesmo... Mas era insistente feito um danado!

Felizmente, a bobagem afronta a felicidade.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos
   

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