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sábado, 17 de setembro de 2011

DIMAS, E O JOGO DO BICHO.






 O Bairro da Gruta é um dos bairros mais antigos de Candeias. Lá foi estabelecido, por muitos anos, o cabaré do Zé Bolinha, transformado posteriormente por “Boate Mil Beijos”, do Pedro Pitanga.  Diante disso, tornou-se um bairro ligado ao preconceito de cidade pequena, principalmente naquele tempo, quando o mundo era muito diferente. ---- Preconceito injusto, porque naquele bairro sempre residiram famílias de respeito cuja zona boêmia ali instalada, não lhes mudaria o comportamento.

Dimas, o personagem desta nossa história, nasceu e viveu nesse bairro. --- Era um rapaz simples, humilde, silencioso; contava mais ou menos trinta e cinco anos de idade. ----- Estatura média trazendo sempre a cabeça coberta por um chapéu de palha; fala baixa; pouca barba; dentes parecendo uma serra articulada mostrando uma falha no maxilar superior que realçava quando dava o seu sorriso triste. ---- Era, o nosso protagonista, viciado no jogo de bicho... Viciadíssimo!

Lavrador, mas talvez fosse um molenga na sua atividade, pois era mole até para falar. Assentava-se e ficava segurando o rosto com a mão e com o braço suportado na mesa. --- Vestia sempre uma camisa de riscado e calças de brim grosso surrado. ----

Eu trabalhava, nesse tempo da minha adolescência, no Bar e Restaurante Pinguim, do Lulu, ---- estabelecido numa velha casa onde hoje encontra-se a Casa do Vaqueiro. --- O bar era bastante frequentado e os cambistas de jogo do bicho estavam sempre por lá. Relembrando alguns deles, --- Edmundo Simões, Orosimbo Cachimbo e João Passatempo. ---- A maioria dos cambistas do jogo do bicho se reunia no Pinguim antes de descerem para a banca do bicho do Sr. Arquimedes Viglioni, (Sr. Midinho) na Rua João Sidney de Sousa, quando a extração acontecia às 19 horas.

Dimas tinha presença infalível em meio aquela confraria do bicho. Chegava mais cedo e ali ficava. O seu assunto não era outro; só jogo do bicho.  ----- Chegava todos os dias, por volta das cinco horas da tarde, e já me pedia para trocar uma nota em moedas miúdas para fazer os seus jogos em quantias pequenas. ----- A sua presença era tão notória que o dia que ele não aparecia à turma sentia a sua falta.

Quando se comentava em jogo do bicho ele se descontraía, falava, dava palpite, pedia palpite... Parece até que iria sentir um orgasmo. Sabia o grupo, dezena, centena e milhar de qualquer bicho de forma instantânea. --- Fazia as mais engraçadas análises de sonhos. ---- E as pessoas, para vê-lo falar, consultavam-no com o sentido de apreciar o seu jeito diferenciado e hilariante de dar o palpite. E os frequentadores do Pinguim se deleitavam com a presença do inocente:

Um já perguntava:

---O que você está esperando para hoje, Dimas?

---Hoje, eu tô esperando um cavalo com 44 sô. Vô pô tudo nele.

Vinha outro querendo saber:

---O que você espera para amanhã, Dimas?

---Pra manhã, eu quero uma cobra com 36.

---E o veado?

---Taí. Um bichinho que eu num dô parpite. Ele num dá na banca do Sô Midinho, só dá na loteria... Esse danado eu nem lembro dele.

Dimas analisava, também, os sonhos que lhe apresentavam:

---Sonhei com um tatu o que vai dá, Dimas?

---Pode pô tudo na cobra.

---Por que cobra?

---Cobra é chegada num buraco de tatu...

---Sonhei com um homem gordo o que vai dá hoje, Dimas?

--Pode pó tudo no porco?

---Por que porco?

---Porque ele é gordo uai…

Lembro-me que o Domiciano Pacheco era um dos admiradores do Dimas e sempre tinha uma pergunta para ele. E certo diz  lhe fez essa pergunta bem própria para a época:

----Dimas Se eu sonho que estou agarrando uma mulher no escuro, qual o bicho que eu jogo?

----Cê pode pô tudo no cavalo.

----Por que cavalo?

----Porque cê tava lavano a égua uai!

E assim, Dimas ia respondendo a cada um com todo respeito e atenção, divertindo a freguesia do Bar do Lulu. Não se ofendia com o sarcasmo da turma e sempre dava aquele seu sorriso tristonho o que lhe era peculiar. 

Muitos ali pensavam que Dimas era um casto, era o símbolo da pureza, um tipo imaculado que jamais teria se encostado a uma mulher. Muitos seriam capazes de jurar que ele era “virgem” tendo em vista o seu jeito inocente de falar sobre o jogo do bicho e tratar as pessoas.

Edmundo Simões era cambista e frequentador do Pinguim. Certo dia ele chegou dizendo que iria preparar uma brincadeira com o Dimas, contando-lhe um sonho para o qual ele não teria um palpite.

Assim que Dimas chegou ao bar, num momento que ali estava uma porção de fregueses, Edmundo Simões lhe fez o seguinte questionamento:

---Dimas, eu tive um sonho muito estranho com você. Sonhei que você estava nu, peladinho da Silva, numa cama com uma mulher nua também. Agora me fala, que bicho vai dar hoje?

--- Pela primeira vez todos puderam ver Dimas dar aquela risadinha safada, mostrando a sua falha de dente e já providenciando a resposta:

--- E bastante admirado pergunta: Uai, Dimundo, qui dia qui ocê sonhô isso?  Perguntou descontraído e deu uma rizadinha sorrateira.

---  Foi na noite passada...

--- Oia então, hoje é cavalo e porco. Pode fazê um duplo...  Cavalo e porco... 

--- Mas por que esses dois bichos? Perguntou o Edmundo...

--- E qui onti eu ajeitei uma cabritinha lá do Zé Bulinha, e eu brinquei de cachaço e lavei a égua até ficá cansado.

Cara de bobo, casto, imaculado?! Bobo é quem pensava isso dele. --- Deus tá vendo!

 Armando Melo de Castro

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