Presidente da entidade que promoveu a festa do Rosário por muitos anos, o laborioso, Sr. Alvino Ferreira, grande benfeitor desse capítulo da História de Candeias.
Uma das tradições candeenses mais efusivas é a Festa do Rosário, também chamada de Festa do Congado e Reinado. Desde que me entendo por gente essa festa sempre teve uma repercussão social bastante ativa não só em Candeias, mas em todo o Centro Oeste Mineiro. Trata-se de uma festa religiosa numa homenagem que a comunidade negra faz a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito, considerados os seus protetores.
É de uma animação incomparável diante dos outros eventos que acontecem na cidade. Atualmente, a sede desta festa está na Rua Coronel João Afonso, no Jardim Eldorado, onde está situada a Igreja construída num terreno doado pelo senhor Silvio do Juca do Nico. No princípio a festa era organizada tendo como sede espiritual a antiga Igreja do Rosário, situada onde hoje se encontra edificado o Terminal Rodoviário de Candeias.
Primeiramente o evento teve o impedimento através da cúpula da Igreja. O Monsenhor Castro alegara que o Bispo Diocesano não concordava com que os festeiros ficassem para baixo e para cima com as bandeiras com imagens dos santos, em meio a uma festa quase que profana por certos dirigentes católicos. Depois alegariam que a igreja seria demolida... Com isso a Festa do Rosário aconteceu pela ultima vez naquele templo, no ano de 1949; ficando, contudo, sem sede para a próxima festa no ano de 1950.
Diante dessa privação e tratando-se de uma confraria pertencente a um proletariado, houve um mutirão dos adeptos, para a construção de uma capelinha, num pequeno lote de terreno, doado pelo senhor Mingote, aos organizadores da festa. Entre eles estavam Alvino Ferreira, Chico Viriço, Zezinho Cabacinha, Pedro Ponte, e muitos outros, inclusive crianças que carregavam água nas costas, do ribeirão, para a construção da pequenina capela, que seria a sede espiritual da festa durante muitos anos. Hoje a Festa do Rosário em Candeias tem outra conotação.
A Igreja Católica já não tem mais aquele preconceito de outrora. Nos dias atuais existem duas festas em Candeias. A que acontece no mês de setembro, tradicional, e outra, organizada pela comunidade do Alto do Cruzeiro. Setembro é o mês da festa tradicional a que narramos neste texto. E nesta oportunidade a cidade recebe muitos visitantes, comerciantes ambulantes e barraqueiros.
Os grupos dançantes, os chamados ternos, rodam a cidade de ponta a ponta, cantando, dançando e visitando as casas onde fieis dos santos recomendados, pagam as suas promessas vestindo-se de rei, rainha, príncipe e princesa; ou ainda dando ao terno representativo, um almoço cheio de fartura; onde nunca falta aquela macarronada feita, tradicionalmente, de macarrão espaguete bem grosso.
Quando eu era menino peguei muitas beiradas nesses rangos, foi quando fiquei conhecendo o sarapatel de porco, iguaria que até hoje eu gosto muito. Outros prometem aos santos dar um café substancioso, com uma mesa repleta de tabuleiros de quitanda. Os componentes dos grupos e os acompanhantes nesses dias comem uma vez só por dia, ou seja, começam de manhã e terminam a noite. Os promesseiros não deixam faltar à água que o gato não bebe o que, por vezes, faz com que algum cristão fique com o cérebro fermentado dado aos excessos. Mudam-se os tempos.
Hoje a festa apesar de continuar dentro da mesma filosofia, está mudada em vista dos tempos passados... Eu sempre gostei muito dessa festa e houve vezes que participei dançando também. Sempre no terno de Moçambique, quando junto a outros meninos ia respondendo ao puxador com o famoso “ô lêlê” Certa feita deram-me uma caixa surda e ensinaram-me, em dois minutos, como executá-la.
O barulho tinha uma ressonância assim: “bum bunga, bum bunga, bum bunga bum bunga...” Os críticos, ou gozadores, diziam que as caixas falavam uma frase constante: “caparam o Zé Barba e deixaram o Tazá”. Zé Barba na hierarquia da festa era um dos comandantes e era tratado de capitão. Tazá era o seu filho Baltazar, que era um tanto antipatizado por gostar de ser “bate-pau” da polícia durante as festas ou em momentos em que essa se via desfalcada. Adorava a vida de policial. Quase sempre Tazá estava beirando um soldado.
O terno dançante que comanda a festa é o do Moçambique e o seu capitão ia dentro de uma roda humana fazendo versos como, por exemplo: “Na minha casa eu como torresmo, na casa dos outros eu passo assim mesmo”. Alguns desses puxadores eram Chico Lordino, Chico Viriço e outros... Os pagadores de promessas, que se vestiam de reis, rainhas, princesas e príncipes, eram buscados em suas residências pelos determinados ternos dançantes, quando seguiam para o ponto onde se reuniam à porta do Presidente da festa, senhor Alvino Ferreira. Esse ponto de reunião ficava na esquina onde está situada hoje a loja do senhor Silvio Foguete. Dali descia-se pela rua que leva até à estrada dos Cassianos, a fim de tomarem a senda que se fazia chegar até a Igrejinha isolada no Morro do Mingote, hoje Bairro Jacy. O número de pessoas é sempre muito grande nesse evento e como a nossa sociedade é sempre cheia de excessos, muitos se embriagam, fato que por vezes denigrem a beleza da festa. O fato mais marcante que aconteceu nessa festa foi quando era realizada na capela do Rosário, ainda, no Morro do Mingote, uma das maiores tragédias até hoje registradas em nossa cidade.
Eu era um garoto e lá estava em meio daquele povaréu. Próximo de mim estava um cidadão, legitimo tabaréu, porém, completamente bêbado, se metendo a soltar foguete. E diante da gozação dos rodeantes por causa da ebriedade que lhe tirava a condição de detonar o objeto pirotécnico; o elemento fica irritado, puxa de uma arma, e começa a dar tiros, a torto e a direito, quando um desses disparos acertou, fatalmente, a jovem, Nercília, ainda, no verdor dos anos, irmã das senhoras Lucília, Marcília, Percília, Ercília, e Cacília, filhas do Casal Sidney Galdino e Dona Virgínia, conceituados fazendeiros candeenses. Foi um momento muito difícil na vida da família Sidney Galdino. Naquele momento de terror eu estava a dez metros desse homem. Essa imagem nunca mais me saiu do fundo dos olhos. Lembro-me de ver a moça caindo e logo depois, dois dançadores do terno de vilão, tomarem-na nos braços e descerem o morro, enquanto o sangue se espalhava. Nesse tempo não havia uma estrada transitada por automóveis até a capela; e não tinha por lá sequer um carro para transportá-la. A jovem morreu a caminho do médico. Deixando a nação candeense em estado de choque. A moça estava cumprindo promessa quando foi vítima dessa fatalidade. E a festa continuou, porém, sem brilho, com o batido das caixas abafado, e o canto dos festeiros machucado. Sempre quando vejo essa festa, sem que eu busque, vem à tona de minha memória o rosto aterrorizado daquela criatura indo ao encontro da morte, ainda no florir dos seus anos, frente àquela multidão totalmente impotente sem rumo e sem norte.
Armando Melo de CastroCandeias mg casos e acasos
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