
Ambiguidade
familiar eram as missas no latim. Não havia coisa, também, mais sem sentido. O
padre, lá na frente, de costas para os fieis e ninguém entendia nada do que ele
falava... Signum, crucis, noster, pater, Angele, Dei, etc.etc.etc. Ai meu Deus!
Pra quê isso?! Assim era a minha concentração durante a missa.
Como
naquele tempo o povo rezava mais do que nos dias atuais, a igreja ficava sempre
lotada e não havia bancos para todo mundo. Então, as naves da igreja ficavam
superlotadas. Era costume nos acomodarmos na nave que ficava à direita do
altar-mor, bem nas proximidades de um confessionário.
Parece-me
que, naquele tempo, os fieis tinham lugar fixo na igreja... Comumente, se via a
mesma pessoa no mesmo lugar e em todas as missas. Lembro-me, como se fosse
hoje, o Sebastião Redondo e o seu filho Antônio Redondo, assentados, bem
juntinhos e bem gordinhos, ouvindo atentamente o sermão do padre. Havia uma
parenta do padre que, se acaso, alguma pessoa tomasse o seu lugar nos bancos, a
intrusa era convidada a desocupá-lo de maneira hostil.
A Joana
do Galdino, moradora da Rua Coronel João Afonso, tinha afixada, na sua parte do
genuflexório, uma pequena almofada para torná-lo mais confortável. E, se
porventura, alguém tomasse o seu assento... Brigava ali, na frente de todo
mundo, e depois, tomava a comunhão numa boa...
Nas
rezas, o povo era dispersivo... O padre rezava o seu latim... Os homens rezavam
o seu terço... As mulheres cantarolavam... Até que, num determinado momento,
tudo se tornava um silêncio total. Era a hora da consagração.
As
pessoas se ajoelhavam, ficavam de cabeça baixa, batendo a mão no peito e
dizendo algo que ninguém ouvia e nem sabia o que era...
O meu
pai, quando me via absorto, cochichava nos meus ouvidos e mandava falar:
“Jesus, perdoa-me, por misericórdia”. Eu achava aquilo muito esquisito, afinal,
eu não havia feito nenhum pecado... Mas, dizia muitas vezes, em voz alta, sem
me preocupar de que estaria chamando a atenção dos presentes.
Eu era
ainda bem criança quando, certo dia, bem à minha frente, eu ali sob os olhos
vigilantes do meu pai, exato na hora de dar início à cerimônia consagrada...
Hora de ajoelhar para receber a santa fluidificação... De ouvir apenas o soar
da sineta... Hora de rogar a Deus pelos pecados e, no ápice da concentração, um
barulho quebra o silencio: Um pum! Um "punzão"! Solto naquela hora
sem que o seu dono pudesse fazer algo para impedi-lo tornando-se totalmente
impotente, naquele momento.
Era um
senhor magro, claro, meio idoso, terno de brim amarelado, chapéu na mão e
bengala. Escorava-se na bengala para se ajoelhar e, nesse exercício, soltou, involuntariamente,
o prisioneiro que havia em sua cela intestinal.
Criança
munida de todos os sentidos, na forma de “zero-bala”, e sem as malícias adultas
que ainda não lhe haviam poluído o cérebro, disse em voz alta: Pai! Alguém
deu um peido aqui dentro da igreja e isso é pecado. No que fui repreendido pelo
meu pai e orientado através de um olhar repreensivo, a ficar calado.
Fiquei
silencioso diante do olhar severo do meu pai. Mas, ao sair da igreja, junto
àquela aglomeração, eu disse alto e em som aberto: “Pai, olha ali o homem que
deu o peido dentro da igreja”... Pai, ele dá pum e raspa a bengala no chão
pensando que a gente é bobo.
Somente
hoje eu poderei entender o olhar daquele homem sobre mim: É como dissesse:
“Ai que
vontade de matá-lo, desgraçado!”.
Armando
Melo de Castro.
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