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terça-feira, 27 de setembro de 2011

OS GATOS NO TELHADO (Primeira Parte)


Primeira parte:


  A Praça Antonio Furtado, situada na zona leste da nossa cidade, já foi palco de grandes concentrações nos tempos em que não havia um banco e nem uma árvore. Na época das chuvas, o mato crescia e servia de pasto para os animais dos carroceiros. Uma enorme área na qual eram armados os chamados circos de cavalinhos, touradas, barracas de ciganos, camelôs e caminhões vendendo produtos de todos os tipos. Ali, estacionavam os mais variados itinerantes. Além disso, era onde a meninada concentrava os diversos times de futebol de rua. Era muito gostoso assistir a uma partida de futebol entre aqueles times de várzea que, inclusive, tinham torcidas, cartolas e muita briga. Eu, por exemplo, não jogava bola, mas, torcia pelo time do Antônio do Arlindo Barrilinho, o sacristão do Monsenhor Castro. Tinha um jogador, Ratinho, seu irmão, que era tão bom que se o Neymar o visse jogar iria ficar meio acanhado. Ratinho era um corrupio entre os meninos maiores e o seu time tinha a maior torcida por causa dele.
Interessante que hoje, com essas escolinhas de futebol, parece que a descoberta de grandes jogadores diminuiu-se. Subentende-se que a várzea vai se acabando e com ela a facilidade de descobrir grandes talentos. Isso porque a criança, ao desenvolver o seu futebol, não tem liberdade. Bem, isso é apenas uma opinião minha. Digo isso porque Candeias, como outras cidades, teve jogadores de futebol que se estivessem hoje, no cenário futebolístico, estariam ricos. Aliás, no passado, tivemos grandes jogadores profissionais que não tiveram interesse em continuar porque não ganhavam quase nada e era comum o jogador profissional acabar na miséria. Não havia essa conotação existente nos dias de hoje sobre o futebol.


Dos jogadores profissionais candeenses de que tenho conhecimento teve o Bigode, um barbeiro falecido que jogou no Rio de Janeiro, no time do Flamengo. Passou no teste, mas, não quis continuar. Abandonou o seu contrato e perdeu o direito de jogar em quaisquer outros times profissionais. O Evérton do Alonso foi um goleiro com capacidade e perfil para qualquer grande time do Brasil. Não me lembro em que localidade jogou, mas, com toda a certeza, foi jogador profissional. Tivemos, também, o Nenzinho do Torquato. Talvez, um dos maiores jogadores nascidos em Candeias e que poderia ter sido um grande ídolo do futebol brasileiro. Outro grande jogador foi o Passarinho, do meu querido Rio Branco, que ganhava para enxertar times nas diversas cidades da região. Ele ganhava por cachê. Já mais recentemente, e ainda entre nós, o Danilo do João Surdo, grande goleiro que jogou muito tempo no Formiga E.C., quando este clube ainda se encontrava no seu apogeu. Danilo foi um grande goleiro e viveu do futebol durante muito tempo. Esses são os exemplos que me vêem à memória e que marcaram presença no futebol candeense. Portanto, considero que a Praça Antonio Furtado foi um recanto de completo lazer e que atendia toda a cidade.
Eu não sei o que se passa na cabeça dos prefeitos de Candeias. Sai um, entra outro e parece que esses representantes do nosso povo nunca saíram de Candeias para ver o que existe de bom e que pode ser trazido para a nossa cidade. A Praça Antônio Furtado, no passado, serviu muito mais do que nos dias atuais. Encheram-na de bancos e árvores. Silenciaram-na, pois, é uma praça morta cujos bancos ficam vazios sem nenhum filho de Deus a usá-los. Ali, poderia ter sido edificado um centro de convenções, o que seria mais barato do que a construção de uma praça que não atende a ninguém. Isso poderia ter sido feito ou ainda pode ser feito, sem prejuízo ao meio ambiente. Até parece que existe uma lei para construção obrigatória de praças em Candeias. Certa vez, eu as contei e, se não me falha a memória, existem umas trinta praças para uma cidade de 15.000 habitantes, onde, durante a semana, essa população durante o dia está trabalhando e durante à noite está assistindo às novelas. Nos fins de semana, ficam pelas roças ou assistindo aos programas do Faustão ou do Gugu. Portanto, quase ninguém para usufruir de tantas praças. Para um evento qualquer, não existe uma área específica. Na praça principal da cidade, furam-se buracos, por toda parte. Fazem até curral de gado, palanque de carnaval, quase todos dentro das igrejas. Parece que acham bonita essa bagunça de frente à Prefeitura ou no adro da igreja Matriz. Isso é falta de sensibilidade ou, então, é apoio a uma política populista para fomentar a popularidade pessoal.


Acho que os próximos candidatos à Prefeitura de Candeias poderiam pensar na construção de um centro de convenções na cidade, como também, na definição de um local adequado e decente para a armação dos itinerantes. Afinal, um parque de diversões e um circo fazem parte da cultura do nosso país e se tornaram tão minguados, com o advento da televisão, que seria um despropósito, diante dos interesses comuns, colaborarmos com a extinção dessas visitas em nossa cidade.


Continua na próxima edição.




Armando Melo de Castro

candeiasmg.blogspot.com
Candeias – Minas Gerais

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

NA ESCURIDÃO DA RIBALTA




Wilsa Carla, atriz, teve uma carreira ativa na década de 50, 60 e 70. Sua trajetória artística foi cheia de altos e baixos. Nasceu em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Foi rainha do carnaval carioca, vedete das mais famosas do teatro rebolado quando este era uma grande atração nacional. Atriz de cinema que pnaarticipou de mais de cinquenta filmes. Fez teatro e novela. Atuou na Rede Manchete, Rede Record e Rede Globo de Televisão. Participante, no SBT, do Programa Sílvio Santos, por muito tempo. Era neta de um dos governadores do Rio de Janeiro e teve uma relação íntima com o Presidente Getúlio Vargas. Foi uma mulher linda quando jovem e atriz respeitada quando levada a sério pela sua cultura e o seu meio aristocrático. Infelizmente, Wilsa Carla deu um rumo diferente em sua carreira, passando a fazer uma arte deturpada.

Wilsa Carla morreu, aos 75 anos, esquecida, amargurada e pobre. Morando de favor e vivendo com a quantia de um salário mínimo. A última vez que a vi no programa da Rede TVfoi em um quadro estarrecedor. Jamais a teria conhecido se não tivesse sido anunciada. Ela, em uma cadeira de rodas, dizia que o seu único desejo era voltar a trabalhar e ser querida pelo público como fora outrora. Mas, infelizmente isso não lhe foi possível.

Geisa Celeste , outra cantora brasileira famosa, natural da cidade de Sacramento/MG, teve uma carreira de sucesso formando dupla com sua irmã Diva. O Duo Irmãs Celeste foi um grande sucesso nacional com os seus boleros apaixonados, na década de 60. Lembro-me de que, nos parques de diversões, as suas músicas tocavam repetidamente. Com o casamento de Diva, Geysa prosseguiu na sua carreira fazendo grande sucesso, todavia, no exterior, mais precisamente, na Europa e na América do Sul, em especial na Argentina e no Chile, países em que era muito conhecida. Tinha uma voz singular que atraía os espectadores mais exigentes.

Geysa Celeste morreu, aos 72 anos, na cidade de Sorocaba, interior do Estado de São Paulo, de forma muito melancólica. Doente, totalmente esquecida, vivendo com a sua ínfima aposentadoria. Às vezes, era vista, de porta em porta, vendendo CDs caseiros extraídos dos seus diversos discos gravados por grandes gravadoras como Chantecler e RCA Victor e ainda sendo ajudada pelos seus pouquissimos amigos.




Geisa Celeste, uma das mais belas vozes do cancioneiro brasileiro.





Tinoco, da dupla caipira Tonico e Tinoco, fez sucesso por mais de meio século. Tonico faleceu depois de um tombo que levou à porta de seu apartamento em São Paulo. Não se sabe como estava a sua situação financeira. Tinoco, entretanto, chegou a colocar seu carro, um gol 1998, numa rifa para tratar da saúde de sua mulher. Pobre, idoso e doente, já com mais de noventa anos de idade e ainda cantava para ganhar a vida. Contudo, nesta idade, Tinoco não tinha mais como trabalhar. Seu corpo já não resistia a viagens e sua voz já não ajudava. Sua arte já não atraia a maioria do público.

                                            Tinoco                                                        

Pouco tempo antes de falecer recebeu ajuda de outros artistas sertanejos, inclusive de Roberto Carlos, para remediar a sua situação financeira.                 

Nelson Ned, figura anã do cenário artístico brasileiro, com apenas 1,12 m de altura, contudo, considerado o “O Pequeno Gigante da Canção”, natural da cidade de Ubá/MG, começou a fazer sucesso na década de 60. Teve grande cartaz como cantor e compositor, no Brasil e no exterior. Único cantor latino a vender mais de um milhão de discos nos Estados Unidos com apenas uma música. (Feliz Aniversário Amor). Foi, também, o latino a lotar, por quatro vezes, o Carnegie Hall de Nova York uma das mais famosas salas de espetáculos do mundo.  

Nelson Ned
  Sua música, “Tudo passará”, lhe rendeu muito dinheiro no Brasil e em outros países além de um vasto repertório romântico. Muitos cantores brasileiros e internacionais gravaram as suas músicas.

 Doente, pobre foi levado para o esquecimento, após ter se envolvido com drogas e uma vida irregular. Ganhou muito dinheiro, mas, quanto mais ganhava mais gastava. Já não suportando mais o peso do corpo sobre as pernas e cheio de problemas de saúde já não conseguia mais cantar. Sem dinheiro para um tratamento, teve que contar com a ajuda de seu amigo e condiscípulo, Agnaldo Timóteo, que junto aos seus amigos, recolheu dinheiro para ajudá-lo. Até a igreja evangélica que o acolheu, talvez, com a intenção de tê-lo como fonte de renda, o abandonou quando mais precisava. 

É muito difícil imaginar como será o fim da vida de um artista. Apesar de viver diante das emoções de uma ribalta ou de um palco iluminado, o artista é, na maioria dos casos, aquele cuja carreira está cheia de altos e baixos. Vive cantando a tristeza para uns e a alegria para outros. Encenando as mentiras e as verdades da vida humana. Sem dúvida vive, naturalmente, quase sempre, enganando a si mesmo.

O artista, outrora famoso e agora velho, doente e sem trabalho é uma pessoa que foi alegre e que ficou triste. Tornou-se desiludida e para o público que um dia o aplaudiu ele é, agora, um pobre coitado. Acaba sendo digno de piedade e, com certeza, ele percebe essa piedade como um dia percebeu os aplausos. Os artistas em baixa na mídia seguem dois rumos: um que alimenta a chance de voltar ao sucesso e o outro que sabe que jamais voltará. Um se torna infeliz e o outro acaba desmerecido porque não reconhece que o seu sucesso acabou. Mas, ambos vivem a mesma esperança; a esperança de um dia voltar a ser aplaudido mesmo sem saber como, mas, espera. O artista não desiste do aplauso porque sabe que, sem ele, é uma planta que se esturrica em um sol escaldante.

O artista, sem mercado de trabalho, se considera uma vítima dos injustos critérios que lhes tiraram de uma seleção, onde se lhe faz derrotado diante de alguém sem qualidade que atrai o público através do seu dinheiro dando o poder de comprar influências e chegar ao público. É como se lhe roubassem a fama e devolvessem-no para a platéia na qual não encontra mais lugar. Um artista sem trabalho chora às escuras, lágrimas de verdade porque não tem como chorar as lágrimas da ilusão diante das luzes do proscênio.

Não devemos nunca vaiar um artista sem platéia. Como também não devemos aplaudi-lo como esmola. Um artista fora de mercado é uma pessoa que sofre o castigo dos pecados que a fama lhe proporcionou. Sofre a solidão que lhe faz recordar e reviver todos os seus momentos de glória.

Infelizmente, há o artista que se esquece que um dia as luzes da ribalta que o ilumina vão se apagar e as cortinas que lhe abre, agora, serão fechadas para sempre e a sua platéia irá embora. É que será o início de um espetáculo real para o artista sem platéia, sem cortinas e sem ribalta. – Salvo as exceções.


Clique aqui para conhecer ou recordar Geisa Celeste


Armando Melo de Castro
Candeias mg Casos e Acasos








sábado, 17 de setembro de 2011

DIMAS, E O JOGO DO BICHO.






 O Bairro da Gruta é um dos bairros mais antigos de Candeias. Lá foi estabelecido, por muitos anos, o cabaré do Zé Bolinha, transformado posteriormente por “Boate Mil Beijos”, do Pedro Pitanga.  Diante disso, tornou-se um bairro ligado ao preconceito de cidade pequena, principalmente naquele tempo, quando o mundo era muito diferente. ---- Preconceito injusto, porque naquele bairro sempre residiram famílias de respeito cuja zona boêmia ali instalada, não lhes mudaria o comportamento.

Dimas, o personagem desta nossa história, nasceu e viveu nesse bairro. --- Era um rapaz simples, humilde, silencioso; contava mais ou menos trinta e cinco anos de idade. ----- Estatura média trazendo sempre a cabeça coberta por um chapéu de palha; fala baixa; pouca barba; dentes parecendo uma serra articulada mostrando uma falha no maxilar superior que realçava quando dava o seu sorriso triste. ---- Era, o nosso protagonista, viciado no jogo de bicho... Viciadíssimo!

Lavrador, mas talvez fosse um molenga na sua atividade, pois era mole até para falar. Assentava-se e ficava segurando o rosto com a mão e com o braço suportado na mesa. --- Vestia sempre uma camisa de riscado e calças de brim grosso surrado. ----

Eu trabalhava, nesse tempo da minha adolescência, no Bar e Restaurante Pinguim, do Lulu, ---- estabelecido numa velha casa onde hoje encontra-se a Casa do Vaqueiro. --- O bar era bastante frequentado e os cambistas de jogo do bicho estavam sempre por lá. Relembrando alguns deles, --- Edmundo Simões, Orosimbo Cachimbo e João Passatempo. ---- A maioria dos cambistas do jogo do bicho se reunia no Pinguim antes de descerem para a banca do bicho do Sr. Arquimedes Viglioni, (Sr. Midinho) na Rua João Sidney de Sousa, quando a extração acontecia às 19 horas.

Dimas tinha presença infalível em meio aquela confraria do bicho. Chegava mais cedo e ali ficava. O seu assunto não era outro; só jogo do bicho.  ----- Chegava todos os dias, por volta das cinco horas da tarde, e já me pedia para trocar uma nota em moedas miúdas para fazer os seus jogos em quantias pequenas. ----- A sua presença era tão notória que o dia que ele não aparecia à turma sentia a sua falta.

Quando se comentava em jogo do bicho ele se descontraía, falava, dava palpite, pedia palpite... Parece até que iria sentir um orgasmo. Sabia o grupo, dezena, centena e milhar de qualquer bicho de forma instantânea. --- Fazia as mais engraçadas análises de sonhos. ---- E as pessoas, para vê-lo falar, consultavam-no com o sentido de apreciar o seu jeito diferenciado e hilariante de dar o palpite. E os frequentadores do Pinguim se deleitavam com a presença do inocente:

Um já perguntava:

---O que você está esperando para hoje, Dimas?

---Hoje, eu tô esperando um cavalo com 44 sô. Vô pô tudo nele.

Vinha outro querendo saber:

---O que você espera para amanhã, Dimas?

---Pra manhã, eu quero uma cobra com 36.

---E o veado?

---Taí. Um bichinho que eu num dô parpite. Ele num dá na banca do Sô Midinho, só dá na loteria... Esse danado eu nem lembro dele.

Dimas analisava, também, os sonhos que lhe apresentavam:

---Sonhei com um tatu o que vai dá, Dimas?

---Pode pô tudo na cobra.

---Por que cobra?

---Cobra é chegada num buraco de tatu...

---Sonhei com um homem gordo o que vai dá hoje, Dimas?

--Pode pó tudo no porco?

---Por que porco?

---Porque ele é gordo uai…

Lembro-me que o Domiciano Pacheco era um dos admiradores do Dimas e sempre tinha uma pergunta para ele. E certo diz  lhe fez essa pergunta bem própria para a época:

----Dimas Se eu sonho que estou agarrando uma mulher no escuro, qual o bicho que eu jogo?

----Cê pode pô tudo no cavalo.

----Por que cavalo?

----Porque cê tava lavano a égua uai!

E assim, Dimas ia respondendo a cada um com todo respeito e atenção, divertindo a freguesia do Bar do Lulu. Não se ofendia com o sarcasmo da turma e sempre dava aquele seu sorriso tristonho o que lhe era peculiar. 

Muitos ali pensavam que Dimas era um casto, era o símbolo da pureza, um tipo imaculado que jamais teria se encostado a uma mulher. Muitos seriam capazes de jurar que ele era “virgem” tendo em vista o seu jeito inocente de falar sobre o jogo do bicho e tratar as pessoas.

Edmundo Simões era cambista e frequentador do Pinguim. Certo dia ele chegou dizendo que iria preparar uma brincadeira com o Dimas, contando-lhe um sonho para o qual ele não teria um palpite.

Assim que Dimas chegou ao bar, num momento que ali estava uma porção de fregueses, Edmundo Simões lhe fez o seguinte questionamento:

---Dimas, eu tive um sonho muito estranho com você. Sonhei que você estava nu, peladinho da Silva, numa cama com uma mulher nua também. Agora me fala, que bicho vai dar hoje?

--- Pela primeira vez todos puderam ver Dimas dar aquela risadinha safada, mostrando a sua falha de dente e já providenciando a resposta:

--- E bastante admirado pergunta: Uai, Dimundo, qui dia qui ocê sonhô isso?  Perguntou descontraído e deu uma rizadinha sorrateira.

---  Foi na noite passada...

--- Oia então, hoje é cavalo e porco. Pode fazê um duplo...  Cavalo e porco... 

--- Mas por que esses dois bichos? Perguntou o Edmundo...

--- E qui onti eu ajeitei uma cabritinha lá do Zé Bulinha, e eu brinquei de cachaço e lavei a égua até ficá cansado.

Cara de bobo, casto, imaculado?! Bobo é quem pensava isso dele. --- Deus tá vendo!

 Armando Melo de Castro

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A VISITA DE UM PORCO





Este texto foi transferido para o livro, Candeias Casos e acasos.



terça-feira, 6 de setembro de 2011

O RETRATO DA MORTE

                                              Foto apenas para ilustrar o texto.

ESTE TEXTO FOI TRANSFERIDO PARA O LIVRO CANDEIAS MG CASOS E ACASOS.
   

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

UMA ZEBRA NO CINEMA!


A vida de um adolescente é um negócio meio complicado. É uma sinonímia de insegurança, de descobertas e o encontro com o desconhecido. Mas, antigamente, era bem mais difícil. Hoje está mais facilitado. Atualmente, há mais dinheiro, mais escolas, mais intimidade. “Ficar”, hoje, nos termos dos adolescentes, é uma paquerinha, sem compromisso. Isso antes significava um ato sexual.

No passado a coisa era preta. Adolescente tinha uma cabeça que zoava o tempo todo pensando como seria o seu futuro, a sua vida amorosa. O mundo não tinha os recursos atuais. A sociedade era muito atrasada em todos os sentidos. O povo parecia ser mais tímido, acanhado, avexado... Os adolescentes de hoje são mais extrovertidos, mais afoitos.
Eu era muito bobo, portanto, fiquei muitos anos esperando a oportunidade de bolinar um sutiã recheado e passarinhar umas pernas grossas. Eu gostava de apreciar uma moça de pernas grossas.

Eu tinha uns dezessete anos quando meu pai me patrocinou um terno de linho para ser pago em dose meses, através de um consórcio do Chiquinho Alfaiate. Não existiam vendas à prestação em Candeias. Aconteciam eram esses consórcios.

O Chiquinho Alfaiate uniformizou uma quantidade enorme de gente na cidade. Isso porque fez o consórcio e as opções de cores eram poucas. E para muitos saiam à mesma cor. Na Igreja, era até bonito. Parecia uma irmandade. Boa parte dos fieis vestidos com a mesma cor. A maior parte era de cor cinza. E quem via sabia que era terno do consórcio do Chiquinho.

Ter um terno era um privilégio do proletariado: A gente não vestia essa roupa a não ser para ir à missa ou então em alguma festa muito importante. Como não havia festas importantes, tornava-se uma exclusividade da missa. Era o famoso “bate não quara”. Chegava a casa ia direto para o guarda roupa. Era um cuidado excessivo para que não o sujasse a fim de não ser muito lavado.

Ao me empanar naquele terno e me olhar no espelho, apaixonei-me comigo mesmo e pensei: mereço arrumar uma “gata” para me arranhar. E caí no capinado, assim diziam. Fui para a praça e devo ter pensado que eu era o homem mais bonito do mundo.

Enquanto as moças rodavam no passeio da praça de frente ao Bar Piloto, eu fiquei por ali, soltando o meu charme. Com aquele terno, eu imaginei que as “minas” não iriam me dispensar.

Acontece que eu era bobo demais. Eu não sabia “chegar” em uma moça. Eu me danava a gaguejar e não saía, absolutamente, nada. Entretanto, nesse dia, eu dei sorte. Logo me ajeitei com uma moça da roça, de um lugar chamado Vargem Grande.

Eu a convidei para ir ao cinema. E ela aceitou o meu convite. Subimos a Avenida 17 de Dezembro em silêncio. Eu era ruim de papo. Contudo, ia alimentando o meu ego. Bem vestido, com uma garota do meu lado (não podia nem pegar na mão). Chego ao cinema, um pouco envergonhado, diante do Sebastião Salviano, o porteiro do cinema, que sorriu para mim, como estivesse dizendo: desencalhou-se, Armando?

Eu um tanto desajeitado, procurei assento no meio da plateia. Lembro-me que estavam assentados, logo atrás de nossas cadeiras, o Edson Cordeiro, Paulo Pessoa e sua esposa Dona Carmem e outros veteranos mais. Tão logo a luz se apagou e o filme iniciou, a minha mente começou a fermentar.

Eu não me lembro de nem que filme foi esse. Sempre ouvia dos meus condiscípulos e contemporâneos às proezas do escurinho do cinema. E é de se saber que, naqueles tempos, não existiam outras opções além do cinema. Eram raras as oportunidades para quem tinha namorada. Imaginem para quem não as tinha? Lembro-me, agora, do Caveirinha. O Cacá do gás. Safadinho como ele só. Claro, antes do seu namoro com a Ana Zélia.

Depois de meditar bastante como tomar a iniciativa, imaginando que a moça seria mais velha do que eu e que aceitaria o meu atrevimento numa boa, levei a minha mãozinha delicada e aveludada, temerosa, desejosa, desajeitada e trêmula ----- primeiramente, nas suas pernas. O recheio do sutiã seria uma segunda etapa do projeto. 

Foi só isso, eu juro que foi só isso. Mas, foi o bastante. Foi como se soltasse uma bomba dentro do cinema. E quando acontecia qualquer coisa, o monsenhor Castro, lá de baixo, dava um sinal e o operador de máquinas acendia as luzes e o padre começava o sermão. Felizmente foi tudo muito rápido.

A danada da mulher arrumou um berreiro dentro do cinema. E dizia:

---Ocê num presta seu cachorro. Cê tá pensando que eu sô muié do Zé Bolinha? Tá inganado, trem ruim. Eu sou moça de famia. Bem que o pai fála: essa rapaziada da cidade é tudo sem vergonha.

Eu? Sem vergonha! Coitadinho de mim! É até engraçado! Eu quase morria de tanta vergonha! Bem! É verdade que, no escurinho do cinema, eu perdi um pouco da vergonha.

É claro que depois disso, eu passei a prestar a atenção. Tem que conversar, bater um papinho. Eu fui silencioso, com muita sede ao pote e a coisa deu errado. A moça tinha que ser cortejada, bajulada, conversada...

Ela falou muito mais, mas eu só ouvi até aí. Porque quando ela parou de falar eu já estava escondido atrás do chafariz do sansão lá na rua, de onde eu vi o Sebastião Salviano levantar a porta para ela sair.

Eu teria dado sorte de ter encontrado a porta sendo aberta para um expectador atrasado. Saí feito um gato que esteve preso debaixo de uma bacia.

Além de bobo azarado! E para um poltrão como eu, a coisa era muito mais difícil. Há quem diga que:

“Criar um bobo dá trabalho, mas, depois de criado, dá gosto vê-lo babar”.

Eu sei dizer que, depois que comecei a babar, Deus me compensou.  Bobão eu era mesmo... Mas era insistente feito um danado!

Felizmente, a bobagem afronta a felicidade.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos