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segunda-feira, 29 de agosto de 2022

OS VIZINHOS.


 
Por força da minha profissão de bancário eu vivi durante 35 anos, uma vida nômade de cidade em cidade. Às vezes quando começava a me acostumar numa cidade, era chegada a hora de ser transferido. Nessas andanças eu conheci muitas pessoas, fiz muitos amigos, tive alegrias e tristezas cujas lembranças hoje passeiam pelo meu cérebro.

 Hoje, eu tirei o dia para me lembrar de dois vizinhos que eu tive no momento em que residi na cidade de Governador Valadares. O edifício onde eu morava tinha dez pavimentos e em cada um desses dois apartamentos; e o andar térreo onde era estabelecida a Agência do Banco em que eu trabalhava, Banco do Estado de Minas Gerais S.A.

Eu residia no decimo andar no apartamento 1001 de propriedade do Banco, disponível para a locação do gerente da Agência. E no 1002 residiam dois rapazes, Rodrigo e Armando. No principio eu imaginei que aqueles dois jovens fossem irmãos, mas assim que o meu xará Armando me foi apresentado, eu já fui vendo que se tratava de um morador de Armário pela saracoteada que ele deu nas cadeiras e aquele sorriso tão peculiar dos então, escondidos em armários. E ainda mais: era um caixa bancário do Banco do Brasil. E o seu companheiro, Rodrigo, era médico, naturalmente o cabeça da família.

Dois bancários, no mesmo prédio, no mesmo andar com o mesmo nome. E completamente diferentes... Muito diferentes.

Nesse tempo esses moradores de armário não saiam  deles com tanta facilidade como fazem hoje em dia. Só não saiam, mas todo mundo via que eram moradores de guarda-roupas. Afinal quando alguém que não conhecesse nenhum desses Armandos viesse a nos confundir? E eu já comecei a estudar como seria a minha vida à beira desse barranco da sodomia, e já orientei a minha mulher para atender todos os chamados da campainha  e quando não fosse gente conhecida, atender com as seguintes perguntas: O meu marido está sim vou chama-lo; O meu marido saiu, mas não deve demorar a chegar; o senhor precisa dele? Quer deixar algum recado.

Eu como o gerente da Agência do Banco respondia pelas duas lojas do Banco e pelo apartamento onde eu residia, perante o condomínio. Portanto, nas reuniões da assembleia eu teria que me fazer presente. Foi quando fiquei sabendo que Rodrigo, o médico, era o proprietário do Apartamento,  e o seu companheiro de armário, o meu xará, tinha dele a procuração para responder nas reuniões da assembleia. Afinal, o direito a voto e decisões são cabíveis aos proprietários ou seus representantes. Armando, portanto, era o síndico.

Ai eu tomei conhecimento de que o meu Xará Armando Silveira dos Santos, era uma pessoa muito fina, muito educada, e teria sido eleito antes o síndico do condomínio quando teria organizado problemas com o prédio, e amigo de todos os moradores. Um comportamento do qual eu nunca teria visto entre os diversos síndicos com os quais eu já havia tomado conhecimento.

---Dona Isaltina, moradora do quarto andar, estava atravessando uma situação muito difícil. Seu marido havia falecido após um acidente de carro,  e ficou em estado de recuperação da saúde durante três meses, mas não resistiu aos ferimentos e acabou falecendo. O casal não tinha filhos, e com a morte do marido a situação da viúva ficou deverás difícil, devendo hospital, devendo farmácia e devendo o condomínio há quatro meses. ---

Essa senhora era, para os moradores do prédio, uma altruísta na essência da palavra. Ela não tinha filhos, e as crianças do prédio eram todos queridas por ela e ela pelas crianças e seus pais. Quando alguém se adoecia era ela quem se fazia presente no sentido de dar a sua ajuda sem nenhum interesse.

O síndico deu inicio a reunião dizendo que teriam naquele dia uma decisão muito importante. Ele já teria convoca a Assembleia pedindo encarecidamente a presença de todos e ou representantes e felizmente estavam ali todos os proprietários legais representantes da assembleia.

Após tratar dos assuntos de rotina, o síndico com a voz meio sufocada fez um comentário suscinto sobre a situação de Dona Isaltina, a qual com um semblante sofrível foi dizendo que estava devendo as mensalidades do condomínio há quatro meses, e que queria justificar perante a assembleia que aquele atraso era involuntário devido os trabalhos que ela vinha passando, pois teria gasto muito com a morte do marido e a pensão que ele teria deixado não estava cobrindo as despesas. Disse, então, que o seu apartamento já teria sido posto a venda numa imobiliária e que tão logo a venda fosse efetuada ela resgataria todas as suas dívidas, e que já teria arrumado uma locação para esvaziar o seu apartamento para ser mostrado aos supostos compradores.

Eu ali ainda recém chegado, não sabia e nem conhecia a situação daquela senhora, mas pude entende-la pela reação da assembleia que se inquietou, quando o presidente da reunião, Armando apresentou a seguinte proposta:

1) A Assembleia a isentasse de pagamento do condomínio até quando ela pudesse voltar a pagar.

2)Ele iria olhar com o seu companheiro Rodrigo que era médico, o que poderia fazer junto ao hospital como negociar esta dívida.

3)E junto ao Banco do Brasil, onde ele trabalhava arrumaria para ela um empréstimo especial para ser pago em 24 meses, pelo qual ele pediria ao seu companheiro para avaliza-la com a certeza de que ele iria atender os seus pedidos.

Resultado:

A isenção da dívida com o condomínio foi de imediato aceita pela assembleia. E um rateio entre todos os moradores para o pagamento da dívida no hospital.

No prédio tinha gente de posses, como o Sr. Adalberto Mendes que morava no terceiro andar e era grande fazendeiro e criador de gado. Este então já disse que não era para se endividar com o Banco do Brasil, ele iria fazer para ela uma doação equivalente, pois no parto de um de [U1] seus filhos, Dona Isaltina ficou duas noites à cabeceira de sua esposa que teve problemas com o parto.

Moral da história, todos no prédio deviam favores para Dona Isaltina, que saiu chorando da reunião, mas chorando de emoção e de alegria, pois estava recebendo a recompensa do bem que ela teria se espalhado naquele prédio.

E eu como estava me sentindo? Feliz por ser o único desconhecido ali, e que teria se juntado a eles num gesto humano maravilhoso. Mas no fundo, sentia-me um pouco envergonhado  e cheguei a sentir até mesmo uma dose de remorso. Repreendia-me pelo mal juízo e do preconceito que teria alimentado dentro de mim sobre o xará Armando, que veio a ser dali para frente um grande amigo e quem teria me dado uma boa lição de vida. Algum tempo depois fiquei sabendo que teria falecido aos 52 anos de idade.

 Armando Melo de Castro



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