ANTIGO POSTO DE HIGIENE DE CANDEIAS
Eu ouvi, numa entrevista, o cantor Ney Matogrosso detonando a saúde no Brasil. E me despertou a atenção quando ele disse que a saúde no nosso país na década de 50 era decente e um exemplo na América Latina; e mais, que o Brasil era copiado no seu sistema de saúde, disse ele. ---- Como esse período ainda se encontra acomodado em meu cérebro, eu achei essa informação desencontrada com a realidade e resolvo, então, dar uma volta mental lá pelos idos da década de 50 e lembrar como a saúde em Candeias era naquele tempo. Dar uma conferida no que disse o cantor. Afinal, Candeias é uma partícula do Brasil.
A meu ver, a saúde no Brasil
não era nenhum exemplo na década de 50. Isso porque a ciência era ainda muito
atrasada, e o país bem mais pobre. Os hospitais raros, não existiam esses
planos de saúde que existem hoje, não existia o INSS. Cada seguimento da
sociedade tinha o seu instituto de pensão e aposentadoria. O comercio tinha o
IAPC Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários. os motoristas era o
IAPTC, Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Transportadores de Cargas. O
IAPB, Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários. --- E assim por diante.
--- Era uma desigualdade social, pois o IAPC, dos comerciários era muito grande
e o atendimento era o maior e precário. --- O dos bancários era considerado de ricos, tinha um
atendimento superior. O governo da Revolução Militar unificou todos formando o
INPS. Essa unificação naquele momento foi muito complicada, mas foi uma grande
ação social, os direitos passaram a ser iguais sobre esses benefícios. Eles só
existiam para quem fosse um empregado registrado. E as leis não cobravam tanto
como se cobram hoje.
Os trabalhadores chegavam à velhice sem um pingo de proteção. Os seus dias pelas ruas pedindo esmola ou encostados na Vila Vicentina. Muitos morriam à mingua. --- A Vila Vicentina de Candeias poderia ser chamada da casa da miséria. Eu sei porque eu fazia parte da sociedade de São Vicente de Paula e frequentava lá junto com o meu avô e via de perto a miséria. A vila era sustentada apenas pela caridade pública. Hoje podemos dizer que aquilo lá é uma maravilha em vista do que foi.
O trabalhador rural trabalhava de sol a sol. Não tinha assistência médica. Não tinha aposentadoria, não tinha nada, até que surgiu o Funrural.
A assistência médica pública era apenas do Posto de saúde que aliás, tinha o nome de Posto de Higiene. Um posto precário que possuía pouquíssimos recursos na distribuição de medicamentos e se limitava em lombrigueiros, comprimidos e pequenos curativos, apesar da atenção e da boa vontade do médico chefe, Dr. Zoroastro e os funcionários de então, Hamilton Marques, Zoroastro Filho, João de Sousa Filho, Juca Ricarte e Quintino. --- Nesse tempo não existia um dentista no posto.
A cidade possuía duas farmácias. A pequena farmácia São Geraldo, de propriedade do Sr. Chiquinho Fernandes, administrada pelo seu filho Zé da Farmácia e tinha como farmacêutico responsável o Sr. Darciro Corrêa; e a Farmácia São José do farmacêutico, Sr. Waldemar Lopes dos Santos
---- Atendiam
efetivamente a saúde de Candeias, os médicos, Dr. Zoroastro Marques da Silva,
este era uma prata da casa. Fundador de Candeias, formado no Rio de Janeiro, onde
se casou com a professora Dona Stela Marques. O Dr. Zoroastro atendia em sua
residência e no então Posto de Higiene onde era o chefe. O Dr. Zoroastro nunca
teve um carro. Ele andava a pé pelas ruas portanto a sua pasta com instrumentos
médicos. Não tinha pressa; parava para conversar com os seus amigos. Era um
homem facilmente acessível e sem nenhum protocolo. Até as pessoas mais humildes
aproximavam dele.
--- O Dr. Renato Vieira, natural do Triangulo Mineiro. Veio para Candeias trazido pelo casamento com a senhora Jandira, da família Furtado. Não tiveram filhos. --- Ele atendia no seu consultório, junto a sua residência. Teve grande participação na história de Candeias. Foi Vice Prefeito na Gestão do Sr. João Pinto de Miranda. --- Era comum ver o carro dele, um Dodge Verde e depois branco, transitando pelas ruas, indo visitar doentes. -Interessante lembrar que quando caia uma chuva, Dr. Renato saia com o seu carro, naturalmente para lhe dar um banho de chuva... E as pessoas gostavam de comentar.
---- Outros médicos que passaram por Candeias em períodos alternados, e tiveram presentes em Candeias na década de 50: Dr. Wandick que veio do Rio de Janeiro, na década de 40, integrando uma força tarefa no combate ao surto violento da lepra que existia em Candeias. Casou-se com a candeense Tuitti de Paiva, filha do Sr. Américo de Paiva, ----- da família da professora Dona Elisa Paiva. --- Depois de vários anos residindo em Candeias retornou-se ao Rio de Janeiro na década de 50.
Dr. Pery Malheiros, veio com o
mesmo grupo do Dr. Wandick. Casou-se, também, em Candeias com Dona Maria Diniz.
Retornou à sua origem após a força tarefa, mas depois voltou e estabeleceu
residência em Candeias, por alguns anos. Seu consultório era junto de sua
residência, na Praça da Fraternidade onde hoje mora a Sra. Wilba. ---- Foi
vereador, presidente da Câmara e teve também uma boa participação na história candeense.
Depois de algum tempo retornou ao seu lugar de origem.
Dr. Willian Elias, filho do empresário da comunidade dos Vieiras, Sr. Carmo Elias, de origem árabe. Dr. Willian estabeleceu-se em Candeias por algum tempo e posteriormente se transferiu para Campo Belo no fim da década. O seu consultório ficava ali onde hoje é a Relojoaria do Alex. O Dr. Willian Elias, também era visto sempre rodando em seu carro, um Dodge cinza, parado ou na porta de algum paciente. Aliás, quando os carros do Dr. Renato ou do Dr. Willian eram vistos estacionados à porta de alguém, as pessoas já comentavam... Ali tem alguém doente! Fulano deve estar passando mal.... Despertava a curiosidade.
Já no final da década de 50 estiveram por algum tempo o Dr. Daniel Barbato, casado com a Dra. Rosalba, neta do Sr. Celestino Bonaccorsi, também médica. Os dois atendiam no consultório na Av. 17 de Dezembro, onde posteriormente veio estabelecer o Pon’s Bar (fechado) -------- Dr. Daniel Barbato também não tinha carro, era visto para baixo e para cima com a sua pasta de médico. Ele e também a Dra. Rosalba, sua esposa. Dr. Daniel era um jovem médico comumente visto pelas ruas nas madrugadas atendendo doentes quando era chamado. Certa vez meu pai o chamou para a minha mãe em plena madrugada. Ele ficou em nossa casa até o amanhecer. Meu pai pensou que ele iria cobrar um preço alto, e no entanto acabou achando que ele cobrou barato. --- Achar que um médico cobrou barato numa visita dessas, só mesmo na década de 50.----Todos esses médicos foram brilhantes em Candeias. Parece que naquele tempo os médicos eram mais dedicados e não se preocupavam muito com dinheiro. Era comum visitarem os doentes em suas casas. O preço de uma consulta era acessível.
Na década de 50 um médico à
noite em Candeias não era difícil. Hoje, talvez, mesmo com o hospital não seja
tão fácil. Os médicos iam às casas e não precisava estar morrendo para serem
chamados. Era comum o atendimento em casa. E nem sempre essas visitas tinham o
preço acrescido. Ou então atendiam em seus consultórios a qualquer hora da
noite. ---- Eu aos 2 anos de idade fui salvo pelo Dr. Wandick, pois fui
acometido por um crupe e fui atendido de madrugada. Ele salvou, também a minha
irmã Diana, recém nascida e tomada por um andaço de coqueluche. Minha mãe
chegou a entende-la morta, pois ela era recém-nascida
Nesse tempo Candeias, tal qual
a grande parte do Brasil, tinha poucos recursos. O dinheiro era mais difícil e
a ciência era ainda muito atrasada. Comparando-se com os dias atuais a coisa
era feia. Barriga d’água; papo, mulheres morriam de parto; as gripes pareciam mais fortes;
câncer confundido com ulcera estomacal etc. Os andaços um em cima do outro:
Catapora, sarampo, varicela, coqueluche, crupe, cachumba. Isso sem falar nas
pandemias, que não tinham os recursos hospitalares que existem hoje. Não tinha
vacinas. Era comum caso de tuberculose nesse tempo. Em 1957 houve uma pandemia
da Gripe Asiática e Candeias não ficou livre de algumas mortes e nem do terror
pandêmico. E a vacina veio sair muitos anos depois.
Em termos de atendimento médico concluo que o cantor Ney Matogrosso tem alguma razão. A saúde no Brasil está uma indecência. A indústria farmacêutica está arrancando o couro do povo e naquele tempo não explorava tanto. A grande parte dos medicamentos era manipulada nas farmácias e os preços eram muito mais baixos. O custo de uma consulta naquele tempo não se compara jamais com os preços de hoje. O que se paga por uma consulta atualmente chega a ser desumano. Afinal, nem todo médico gasta para se formar. Formam-se em faculdades públicas e não dão nenhum retorno a sociedade que lhe custeou o curso. Eu digo isso porque era comum a gente via os médicos visitando doentes nas suas residência e não eram clientes ricos. Ser médico hoje é sinônimo de riqueza. Um diploma de médico pode ser visto como um bilhete premiado. Naquele tempo eram raríssimas as pessoas aposentadas; e poucos tinham uma renda fixa e o atendimento era bom. Parecia que os médicos eram mais humildes e tinham mais amor na sua profissão, menos ambição pelo dinheiro e levavam mais a sério o juramento de Hipócrates.
Armando Melo de Castro.
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