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sexta-feira, 13 de abril de 2018

BAR DO OTÁVIO MARTINS.

                               
                                          Rua Professor Portugal esquina com Praça Antonio furtado.

Um dos pontos comerciais mais antigos de Candeias fica na esquina da Rua Professor Portugal com a Praça Antônio Furtado onde, atualmente, se encontra a residência do Sr. Wanderley Andrade, sendo que o ponto comercial, outrora bastante amplo, de diversas portas pintadas de azul celeste, hoje se encontra reduzido a um pequeno depósito de pães. --- Lá, no correr dos tempos, foram estabelecidos diversos segmentos comerciais: bares, empórios, padarias, botequins, etc.

Guardado bem nos porões da minha memória, o primeiro comércio que conheci ali, quando eu comecei a me entender como gente. --- Era o Bar do Sr. Otávio Martins. --- Um bar fuçado, totalmente desorganizado. O piso era de um assoalhado já bem velho, cheio de buracos por onde, naturalmente, deveriam trafegar ratazanas de todas as ordens. ---

Havia uma velha sorveteira que quando ligada, fazia uma acústica com o assoalho provocando tanto barulho que a conversa entre os fregueses se tornava quase impraticável. E, na competição com o ruído da máquina, os frequentadores falavam tão alto que da rua se ouvia tudo. ----Parecia uma locomotiva dentro do bar cujo cômodo era grande e havia muito espaço vago.

Os sorvetes e picolés, ali fabricados, não tinham nenhum requinte de higiene e aqueles copos em forma de casquinha, próprios para sorvete e que o consumidor gosta de comer, eram, comumente, vistos com algum rastro. Além disso, a caixa da salmoura da máquina sorveteira tinha ferrugens que vazavam e se juntavam ao congelado, fato que levava sempre o freguês a se queixar de que o picolé estava salgado.

As prateleiras com garrafas cheias e  vazias pareciam seguras pelas teias de aranha. As vitrinas eram forradas com papel manilha da cor rosa, de péssima qualidade, e que, às vezes, deixava o produto manchado. ----- As cadeiras, tipo “balança mais não cai”, de quando em vez, levava um freguês ao chão. E, quando essas estavam todas ocupadas, os fregueses tomavam assento sobre o balcão bastante amplo à medida da área.

Havia água encanada no bar, mas estava sempre em falta. Nas construções antigas, não se faziam caixas de depósito para água. Usava-se, normalmente, um tambor de duzentos litros sem tampa e comprado, de segunda mão, nos postos de gasolina. Este era preso em quatro forquilhas do lado de fora. Aquilo nunca era lavado e servia de bebedouro para gambás e aves que morriam ali, acidentalmente, e que só eram descobertas quando a água se tornava fétida.

Naquele tempo, a água encanada, principalmente nas ruas de baixo, não tinha um fornecimento regular --- Aí, então, quando a água faltava, a lambança dobrava. ---- Tomava-se de uma gamela cheia d’água e, à medida que os copos eram usados, iam sendo jogados ali, e, quando necessários, apenas retirados e usados novamente. Não se usava lavar os copos com sabão. Apenas deixava-os mergulhados na mesma água usada horas e horas.

Num dos cantos de dentro do balcão, havia um varal de bambu onde ficavam dependuradas linguiças e uma bexiga de mortadela, da pior qualidade, expostas às moscas que, naturalmente, davam, ali, o seu toque de imundície.  Os intestinos dos fregueses, já estariam tão providos de anticorpos que seria mais fácil à morte dos parasitos intestinais do que dos consumidores.

Eu morava próximo dali, na Rua Coronel João Afonso, e acompanhava sempre o meu pai quando estava lá a chamado do proprietário que era seu grande amigo e compadre, a fim de tocar violão para atrair os fregueses que gostavam de formar duplas sertanejas. Portanto, eu sempre saboreava, daqueles restos mortais suínos e bovinos oferecidos por meu pai e os amigos. --- Hoje só de me lembrar disso sinto arrepios.

O meu estômago já estava tão afinado com as porcarias dali que o sentido do paladar nem se ofendia. E meu pai, também, por sua vez, não estava nem aí. Tomava a sua pinguinha e a sua cervejinha naqueles copos infectados, mal lavados e trincados como se estivesse bebendo numa taça usada na Santa Ceia. ----

Mas tem um detalhe desse tempo que eu não me esqueço: Se por ventura me aparecesse uma dorzinha de barriga, uma indigestãozinha qualquer, minha mãe bradava:

“Isso é as lambanças que o seu pai lhe enfia lá no bar do compadre Otavio”. ---- Fosse ou não fossem os seus cozidos estavam isentos. ---

---É esquisito sentir saudade de uma coisa dessas não é? Mas eu sinto!

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.

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