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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

COMO É BOM O DESPERTAR DA INOCÊNCIA.


Esse cara da foto sou eu no ano de1964 quando contava 18 anos. Eu era, então, bobo, como bobo também, era grande parte dos meus contemporâneos. Eu nessa idade ainda era um jacu. Pouco antes desse tampo uma amiga minha me deu uma cantada para me namorar e eu quase morri de vergonha. Acho que fiquei vermelho igual um tomate. Depois fiquei um bom tempo puto da vida comigo mesmo, por ter perdido uma oportunidade daquelas na vida.

No ano de 1962, aos 16 anos, no auge da adolescência, eu na busca do desconhecido me entusiasmei com o chamado correio sentimental. Eram endereços que os jovens colocavam nas revistas, juntamente com os seus dotes físicos a fim de trocarem correspondência. E diante disso, muitos namorados começavam por ai e muitos chegavam ao casamento.

Os jovens tímidos e bobos como eu gostavam muito disso. E eu ao folhear uma revista de fotonovela, captei um endereço desses e comecei a me corresponder com uma jovem de Belo Horizonte, residente na Rua Pitangui, 570, Bairro Floresta.

 Era uma carta por semana, uma ia e outra vinha. Quando eu ia até ao correio e tinha carta para mim era como se fosse um presente dos céus. (Naquele tempo não havia carteiros.) Foram mais de dois anos de correspondência; as nossas vidas já teriam sido destrinchadas. Eu, um rapaz pobre, me preparando para ir embora para fora de Candeias, esperava apenas a maioridade, ou seja, completar 18 anos. Isso porque não havia para mim, futuro algum na minha terra.

E ela, a minha correspondente, era filha do dono de uma loja de materiais elétricos na Avenida Olegário Maciel 303 em Belo Horizonte. Sua família gostava muito de viagens por onde havia balneários. Passeava muito com os pais. Sua mãe, conforme ela dizia, adorava viajar e conhecer novos lugares. Ela estudava, mas não tinha nenhum objetivo sobre um curso definido. Às vezes dizia que iria ser médica, outra veze queria ser dentista. Eu às vezes me sentia tão pobre tão humilhado diante de uma vida tão rica. Uma vida, talvez sonhada por qualquer pobre. Mas diante das circunstâncias eu sabia que aquilo não passaria de uma simples amizade. Eu ainda não entendia que o coração tem certas razões que a própria razão desconhece. E assim fui levando aquela amizade de sonhos que só transita nas cabeças dos adolescentes. Até que num belo dia eu me vi em Belo Horizonte, após uma longa economia para fazer essa viagem.

Comprei uma camisa de gola rolê vermelha, um par de sapatos brancos; escovei os dentes com creme dental “kolinos,” usei desodorante Lever, ensopei-me de perfume, "Madeira do Oriente", besuntei os cabelos com brilhantina glostora, chupei uma bala de hortelã, treinei um sorriso no espelho de um velho guarda roupa, num hotel da Rua Curitiba... E assim, quando me senti o homem mais bonito do mundo, mais sorridente, tentando jogar o acanhamento fora, para bem longe de mim, sai até à porta daquele pobre hotel e tomei um taxi estacionado bem próximo, e como faz um rei, determinei ao motorista: Rua Pitangui, 570, Floresta...

Eu acho que nunca teria me sentido tão feliz na vida... O céu mais azul, o sol mais brilhante, quem sabe iria pintar o meu primeiro beijo? Afinal isso era sábado, eu iria ficar até no outro dia domingo. Teria economizado para essa aventura, centavo por centavo, e o bolso estava suprido. Parecia, até que eu estaria a caminho de receber um prêmio da loteria. O meu coração jovem batia diferente como nunca houvera batido. A cada metro que o carro rodava ele batia mais forte. De repente o táxi pára. O motorista morenão, tranquilo com um baita bigode carijó, estica o peito e diz: Rua Pitangui 570.

O meu coração nesta hora quase parou. Fui saindo sem pagar; fui chamado pelo taxista e paguei. Esperei o táxi se afastar. Aproximei-me bastante temeroso da casa do número 570. Tinha ali uma pequena árvore; fiquei debaixo dela buscando coragem para chamar na campainha, daquelas de botão preso no portal de entrada. Uma casa antiga, no alinhamento da rua e sem garagem; portas meio vermelhas; telhas coloniais. Um portão do lado. Vi sair por ele uma mocinha com uma sacola nas mãos. Ela era morena, bem morena de cabelo bom. Após a minha averiguação vi que aquela cabrita poderia ser a Maria de Lourdes Felisberto... Assim era o nome da minha ninfa  encantada. A cor e os cabelos batiam. Mas foi impossível identifica-la apenas naquele lance. Finalmente criei coragem. Chamei na campainha, parece que o meu dedo tremia como se estivesse tomando um choque elétrico.

A porta se abre. Surge um senhor idoso de uns setenta e tantos anos mais ou menos:

---Pois não, disse ele.

E eu meio engasgado, meio assustado, bobo inteirado, pergunto:

---Aqui mora a Maria de Lourdes Felisberto?

---Sim... Disse ele...
-
--Ela está?

---Sim, vou chama-la.

O velho adentrou-se para o interior da casa, e eu ali desesperado, ansioso, curioso, na maior aventura, então, da minha vida. Agora sim, agora o meu coração não batia ele apanhava. Ia conhecer a Maria de Lourdes Felisberto, há mais de dois anos trocando correspondência, recebendo dela poesias, palavras carinhosas, elogios; dizia sempre que a minha boca era linda e que gostaria de beija-la um dia... Que os meus cabelos eram sedosos e de um castanho maravilhoso... Tudo isso observado segundo ela pelas fotos preto e branco produzidas por uma velha Kodak, a mim emprestada, pelo Vicente Melo, quando eu lhe comprava o filme. Ah! e como era bom ouvir aquilo tudo! Eu recebia aquelas palavras escritas com uma caligrafia meio quadrada, num tempo em que a letra bonita era chamada de redonda.

Era o momento! Meu Deus! Será que esse povo vai me convidar para entrar? Pensava eu! E ela será tão meiga quanto nas cartas, será tão linda como nas fotos. Naquele desespero emocional, surge uma senhora idosa cabelos brancos, gorda, um vestido preto de bolinhas brancas com a barra entre a canela e o joelho. Uns olhos esbugalhados, dentuça igual à Dilma...

---Sim senhor, pois não!

Eu queria falar com a Maria de Lourdes Felisberto!

---Sou eu, o que o senhor deseja?

E eu apavorado, disse, eu queria falar com a moça que me escreveu, com o nome da senhora!

---Ah! Isso é mais uma arrumação da empregada aqui de casa. Ela saiu agora eu a mandei lá na Olegário Maciel, na loja do meu filho. Você volta aqui a tarde ela sai do serviço às 4 horas.

Eu pensei cá comigo eu quero é que ela vai para o meio do inferno. "Égua veia!!!" Naquele momento eu tive a minha primeira desilusão de adolescente. Um tipo de sentimento que somente os adolescentes conhecem. Eu estava com raiva e com vontade de chorar. Agora eu só não sei se era vontade de chorar só de raiva.

Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos

Um comentário:

Celle disse...

Coitado, sinto sua dor naquele momento!
Faz parte daquele tempo ser inocente... não se intimide disso...