Contando com uma população de fato e flutuante beirando os
600 mil habitantes, Juiz de Fora, a importante cidade mineira, tem 18% de
população idosa. O idoso daqui parece que é diferente daqueles de outras
praças. É comum ver pessoas com idade acima dos oitenta anos pelas ruas
transitando entre os carros e correndo grande risco de acidentes.
O Parque Halfeld, localizado no centro da cidade, fica
durante o dia povoado de idosos conversando, jogando damas e outros
entretenimentos. E os assuntos mais evidentes são doenças, remédios,
aposentadoria defasada, o peso da idade, conjugado de acordo com o verbo, ou
seja, o passado que para todos tem uma medida de tempo muito grande... Um presente
sem ação e um futuro sem esperanças. Aliás, o que praticamente não se fala ali
é de futuro.
À tarde, por volta das seis horas, quando as calçadas estão
lotadas de pessoas apressadas, para lá e para cá, voltando do trabalho e o
comercio fechando as suas portas; vemos idosos de mãozinha dada, totalmente
descontraídos passeando vagarosamente em meio aquele tumulto de pessoas indo e
vindo sem nenhuma preocupação. Vão com os seus passos rasteiros na maior
tranquilidade de quem já cumpriu todos os seus compromissos com a vida. E se
alguém lhes esbarra ou lhes aborrece eles ficam bravos e há casos de até
citarem a lei 11.765, do Estatuto do Idoso.
Muitos idosos, às vezes, se tornam engraçados quando são
contrariados. Parece que querem que o mundo seja vazio, pequeno e por serem de
outras gerações e terem chegado primeiro aqui no planeta, julgam-se
proprietários de um espaço maior, quando na dura realidade o espaço do idoso
vai ficando dia após dia a cada vez menor.
Com passe livre nos ônibus coletivos por vezes agem com
esnobismo. E quando detêm alguém assentado nas poltronas destinadas a eles
pedem licença de forma determinada para que desocupem o lugar. Outras vezes
começam a resmungar, birrar, e até denunciar ao cobrador. Parece que gostam de
ser impertinentes e ranzinzas. Talvez por terem poucos problemas após uma vida
problemática.
Eu que já estou jogando no time dos idosos, às vezes, detenho-me
numa observação que me leva a pensar que ainda estou jovem diante dos acintes
desprovidos de maldades por certos idosos cujo tempo ao invés de lhes deixar
mais cautelosos os fazem impacientes em demasia.
Ontem quando eu me dirigia até ao Alto da Gloria, aqui em
Juiz de Fora, a fim de comprar uma ração especial para a cachorrinha da minha
filha, resolvi tomar um ônibus próximo daqui de casa, na Avenida Rio Branco. E
logo que adentrei o coletivo, no segundo ponto, entrou um jovem cego, auxiliado
por outro passageiro. O deficiente visual foi acomodado numa das poltronas
destinadas aos passageiros de passes livre, ou seja, que não pagam passagens
incluindo idosos, deficientes, gravidas etc. O rapaz ao ocupar o último acento
disponível fez com que a área destinada se completasse.
Mais adiante entrou uma senhora contando uns setenta e tantos
anos, baixinha, magrinha, olhos esbugalhados, boca pequena, nariz avermelhado,
cabelo enrodilhados e um buço respeitável... Parece que tinha também cabelo nas
ventas. Um perfil de quem vinha para criar caso. Só lhe faltava estar escrito em
sua testa: “Eu sou chata”. Entrou, olhou para um lado olhou para o outro e em
meio minuto, tinha-se-lhe soltado completamente a língua; e dirigindo-se ao
cego disse-lhe:
----“Aqui num é procê não moço, o seu lugar é lá atráis... Eu
tenho direito purque tenho quais oitenta ano.”.
Alguém tentou lhe explicar que se tratava de um deficiente e
que lhe era permitido estar ali. Mas a velha insistiu:
----“Ele é novo e o que tem sê cego? Lá perto de casa tem um
cego lá que é cego só na hora que sai na rua. Vive vigiano a vida dos ôto. Tem
pôco tempo ele arrumou um futico danado com o nome da minha vizinha, falano que
ela tava andano com o vizinho da rua de baxo. Esses cego de hoje inxerga mais
do que morcego sô!. Esse memo ai foi lá em Santos Dumont vê show do Gino e
Geno... O qui tem de cego bão da vista ai num dá nem pá conta... Num me ingana
não purque eu num gosto!”.
Diante disso, eu me levantei a fim de ser cavalheiro e
ofereci o meu assento para a velha que protestou logo:
---- “De jeito nenhum! Não sinhor meu sinhor, pode fica
sentado. O sinhor parece que é mais veio do que eu!”.
Enquanto isso o cego
indignado, pediu para descer no próximo ponto, enquanto a velha assentou e se
sentiu a dona do mundo.
Agora eu, tive uma vontade danada de lhe dizer: --- Velha
chata, você é cega, procure olha que entre mim e você tem uma diferença de
idade muito grande... Eu tenho só 69 anos e não estou na hora da morte não
viu!?
Mas preferi não ser um velho chato. Dei o sinal e desci,
eu já estava chegando ao fim da viagem.
Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos.
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