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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

UM BANHO DE PEDRA HUME

Imagem apenas para ilustrar o texto.
Candinha era uma senhora que estava mais pra lá do que pra cá. Morava no Bairro do Cruzeiro, nas proximidades do local em que se encontra fincado o símbolo maior da redenção cristã. Tinha o rosto cheio de rugas trançadas em uma pele amarelada. Cabelo liso, comprido e escasso, preto como carvão que mostrava as raízes brancas denunciando a mentira que a pintura propunha. Gostava de um vestido preto e tinha uma voz cheia de fanha. Uma boca pequena e um sorriso precário que parecia esconder algo. Havia quem dissesse que no seu negócio o diabo fazia parte, mas, ao contrário, ela dizia ser uma privilegiada de Deus como fosse de dentro da sala de jantar da Santa Ceia de Jesus Cristo, do haras de São Jorge e do terreiro de São Cipriano.

Naquele tempo, eu era um garotão e trabalhava em um emprego desses que deixa a roupa suja de óleo. Às vezes, o patrão me cedia para a sua mulher algumas horas por dia para ir à padaria comprar pães, limpar o chiqueiro do caruncho, dar uma pajeada no herdeiro e, ainda, sangrar o filho do galo.

Certa vez, a patroa brigou com o marido e a coisa esteve feia. E como ele não puxava conversa, a insegurança feminina foi lhe enchendo a cabeça de cismas. Nesse ponto da história, foi que fiquei conhecendo Dona Candinha quando, a mando da patroa, fui procurá-la a fim de fazer um trabalho espiritual para que a paz se restabelecesse entre o casal. E Dona Candinha mandou de volta um recado de que o trabalho era garantido e que dentro de três dias a alcova ia amanhecer desarrumada.

Acontece que o patrão, que não era nada bobo, ficou desconfiado e me apertou e eu, inexperiente, espirrei com a verdade. Diante disso, ele que aguardava um motivo, fez dar início a uma discussão que acabou em beijos e abraços e, com certeza, em outras coisas mais a serem feitas lá na hora de dormir... É como diz o ditado: em briga de marido e mulher não se mete a colher. Portanto, tudo aconteceu antes das rezas de Dona Candinha. Esta, todavia, vangloriou-se de ter feito um trabalho eficiente e fazendo ainda com que a patroa acreditasse com mais firmeza naquelas patacoadas.

Se Dona Candinha tivesse, realmente, poderes sobrenaturais para resolver problemas de casais, as suas forças teriam poupado o seu filho Tião de uma grande chifrada dos cornos do destino, ou melhor, do guarda-chave da ferrovia.

Tião da Candinha tinha uma estatura mediana, cabelo liso e mal aparado, barba cerrada que cobria o rosto exaltando um bigode cheio. Parecia cansado de viver. Tinha um semblante de fastio com a peleja. Andava arrastando uns chinelos velhos parecendo estar peado e possuía uma aparência mórbida. Em síntese, era desses que vivem medindo o dinheiro que ganha com as despesas da casa. Aquele semblante de quem não pagou a conta de luz e de água, cara de quem não tem o que receber só tem o que pagar, o que já não paga com conversa. Contudo, o tamanho da sua prole poderia lhe render o status de homem vigoroso e extremamente fecundo. A tarefa celestial, em conjunto com sua esposa, no sentido de trazer filhos ao mundo, lhes permitiam um filho no bucho e outro no saco.

Carpinteiro de meio formão, ele trabalhava em casa com pequenas tarefas o que mal lhe rendia o suficiente para tratar da ninhada de filhos que pusera no mundo.

Certa vez, quando ele morava na Praça da Bandeira, em uma velha casa existente no local em que hoje a residência do Sr. Zé da Vidica e o Supermercado Teixeira., Trabalhava num comodo de comercio onde antes teria sido a venda do Sr. Antonio Freire. Tião foi surpreendido com uma informação anônima de que um determinado Guarda-chave da ferrovia estava tendo um caso amoroso com a sua mulher. Dizia o malvado bilhete, de algum inimigo talvez, que o Guarda-chave estava matando o apetite com a sua bóia e que a ele nada mais estava sobrando do que um pouco da sopa. Diante dessa notícia desastrosa, o traído que, aparentemente, portava no íntimo um sentimento pintado de jactância, tomou-se de uma enxó e ficou de plantão à porta de sua casa aguardando a passagem do seu desafeto.

Daí, colocou a boca no mundo. E à medida que ia ajuntando gente, ele expunha com mais ênfase o acontecimento dramático de que um deturpador de família visto como um nanico invasor de terreiros ou um depravado conquistador barato, havia desonrado o seu lar lançando como lama a infâmia do adultério. E diante desse estouvamento, de quem pensa pouco, foi, por ali, formando um grupo de curiosos, empanados da vontade de ver a casa cair. Pessoas que reagiam com os mesmos estímulos, ou seja, ver o uso da enxó na tampa da cabeça do Guarda-chave, conforme prometia, em uma linguagem empolada e de forma bombástica, o macho traído.

De repente, como quem não sabe de nada, o zangão sem colméia se aproxima como que querendo se juntar ao grupo que o esperava, quando, Tião, em altos brados, se atira sobre ele armado pela enxó, com a qual foi lançando golpes no ar como se estivesse desbastando o vazio, sem a intenção de acertar o crânio do garanhão. Até que duas pessoas, com grande facilidade, fizeram-no dominado pela falsa fúria quando, calmamente, recebeu um copo d´água de alguém que lhe propunha se acalmar, no que ele disse com voz chorosa:

---Bobo que eu era... Como fui pensar que o banho de pedra hume era só pra mim!



E a vida continuou: “Um no saco e outro no bucho, ou melhor, um no bucho e outro no saco”.


Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos





Um comentário:

Celle disse...

Sempre que lhe faço uma visita me delicio com seus causos! Boas Festas!
celle