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terça-feira, 27 de novembro de 2012

COM O PERDÃO DA PALAVRA.

Foto para ilustração do texto.
O progresso é uma coisa maravilhosa! Vivemos a era da informática. É inegável que essa integração social que o computador, o celular, a televisão e outros meios de comunicação nos propõem é uma maravilha. A saudade hoje já não dói como antigamente. Ninguém está completamente ausente diante desses produtos vindos da inteligência do homem e ao alcance de qualquer um. A doença era mais dolorida no passado. As pessoas viviam à míngua. A fome, na atualidade, não corrói tanto o estômago. Antes era muito diferente. Automóvel, telefone, rádio, televisão, geladeira, roupa sem remendo, carne todo dia, uma cervejinha gelada e tantas outras coisas eram coisas exclusivas dos ricos e olhe lá! O pobre era, essencialmente, pobre.

Ervas ruderais como a serralha, a marianica, o picão e a beldroega; frutos do mato como o do gravatá, o broto de bambu, de samambaia, de guariroba e umbigo de banana; alguns cereais como a canjiquinha de arroz, quirela de milho, paçoca de rolinha e muitas outras coisas mais que faziam parte da dieta do pobre hoje, praticamente, estão desconhecidas porque não existe mais pobre miserável como antes. O pobre de hoje vive melhor do que o rico do passado. O pobre vivia, como diziam, na “Graça de Deus”. Câncer era doença ruim ou então era chamada de “úlcera no estômago”. A fome e a miséria andavam de mãos dadas. O ladrão de galinha tornou-se tão corriqueiro que passou a ser sinônimo de ladrão barato. Roubava-se para matar a fome. Não havia aposentadorias. O rico era rico e o pobre era pobre. Era muito usado o termo “menos favorecidos pela sorte”. Quantas e quantas pessoas trabalhavam a vida toda e terminavam os seus dias de porta em porta pedindo esmola. E, na maioria das vezes, a esmola era um pouquinho de arroz ou um pouquinho de feijão. As diferenças sociais eram alarmantes.

Às vezes, eu observo as pessoas se queixarem. Contudo, entendo que a queixa é inerente ao ser humano. Não estar conformado com o que tem faz parte da Obra da Criação. Progredir é uma determinação celestial. Porém, no momento em que vejo alguém dizer que o mundo está ruim, eu dou uma olhadinha no retrovisor da minha vida e me encontro na Vila Vicentina, quando, por lá, dei a minha colaboração ao senhor Alvino Ferreira que era, na época, o presidente daquela instituição. Aquilo sim que era pobreza. Aquilo sim que era um mundo ruim. Entretanto, quem, como eu, que conviveu neste passado é que pode testemunhar o quanto melhorou a dignidade do pobre. As pessoas chegavam doentes por falta de alimentação. Comiam aquela comida pobre, simples e, instantaneamente, melhoravam. A Vila Vicentina vivia de esmola, seus representantes pediam esmola para atender os miseráveis e famintos que ali paravam.

Em época mais remota, poucas eram as pessoas que saiam de Candeias em busca de novos horizontes. Ir para Belo Horizonte, Rio de Janeiro ou São Paulo era um verdadeiro ato de coragem e aventura. Um trem demorava dias para chegar ao Rio ou a São Paulo. A viagem para Belo Horizonte de trem era bastante complicada e, por isso, se tornava muito mais distante. Aquele que ia, dificilmente, voltava. Quantas pessoas partiram de Candeias e nunca mais voltaram...

A partir da melhoria no transporte e diante da falta de emprego, iniciou-se o período de êxodo entre os candeenses na busca por uma melhoria de vida. Famílias numerosas partiram para os grandes centros. Muitos ficavam por lá pelo resto da vida. Outros voltavam porque haviam deixado pais e mães e queriam, depois que se estabeleceram nas grandes cidades, levá-los juntos. Alguns, nem por esse motivo, voltavam mais considerando as mortes de seus entes o que fez, em virtude disso, com que muitas famílias perdessem completamente a referência com a sua terra natal. Parece que muitos iam levando consigo uma grande mágoa.

De outra forma, não se pode omitir que o nosso país melhorou, mesmo sendo roubado, mal administrado, ultrajado, todavia, melhorou. A saúde e a educação já estiveram bem piores.

E neste contexto, surge, em minha memória, a figura do Pica-pau.
Pica-pau era um cidadão de altura regular, de rosto comprido, de um moreno embaçado, com barba rala, de pescoço fino, nariz e boca pequenos e um cabelo liso sarapintado de uma mistura entre o castanho e o branco. Devia ter uns cinqüenta e poucos anos. Quando alguém lhe perguntava pelo nome, ele respondia: --- “Meu nome é José, mas, o senhor pode me tratar por Pica-pau”.

Era viúvo, tinha três filhos, sendo um deles deficiente físico já contando com mais de vinte anos. Os outros dois foram para Divinópolis trabalhar na então Rede Mineira de Viação graças à recomendação do Dr. Zoroastro Marques da Silva. Aliás, naquele tempo, ninguém conseguia um emprego em uma empresa do Governo se não tivesse uma carta de recomendação de um político. Assim que os seus filhos se acomodaram no emprego, vieram buscar o pai e o irmão doente.

No local em que se encontra, atualmente, o Bar do Vicentinho Vilela, na Rua Professor Portugal, existia o Bar do Paulo Vilela. Certo dia estava, em seu bar, depois de um bom tempo, o Pica-pau assentado ao lado de uma garrafa de cerveja, já meio alcoolizado, empanado de roupas novas e parolando sobre a cidade de Divinópolis. Parece que teria voltado a Candeias para desabafar a mágoa de ter vivido a miséria que viveu na sua terra-mãe e, entre os que por ali estavam em um pequeno reservado que existia no bar, encontrava-se a Dita do Amaro, uma conhecida prostituta que vivia embriagada pedindo bebida de bar em bar e também atenta ao que dizia o Pica-pau:

---Océis tem qui vê o qué qui é uma cidade boa iguar a Divinópes. É cheia de imprego. Meus fio tá ficano é rico. O mais véio já tá pensando em fazê inté um barraco. O lote ele já comprou. O otro é casado, tá mais apertado, mais já tem uma bicicreta nova, já tem um rádio e mora nu’a casa que tem inté chuvero quente. Ele já jugou a bacia fora. Eu tamém tenho chuvero. É frio, mais eu tenho. Já arrumei um siviço de guarda noturno e num faço nada. Nadinha. Só num posso durmi. Se eu durmi, o bicho pega. Mas, de veiz inquando, eu dô um cuchilãozim purque, com perdão da palavra, lá pus cu da madrugada tem dia que o sono aperta, sô. Aqui, nesta bosta das Candeia, com perdão da palavra,  se a gente num fô isperto, morre é de fome més. Divirti só se tivé com os cobre no borço. Fora disso nem pensá. O povo daqui é muito mitido. As muié tem nariz impinado, oia pra gente como se fosse um leproso. As nega lá do Zé Bulinha (cabaré) pensa que tem um rei na barriga. Durante o tempo que eu morei aqui, eu passei “inguela”. Num achei nem uma muié que me desse pelo meno um bom dia.

Nisso a Dita do Amaro, intromete:

--- Mas, é purqué o sinhor num me pidiu, purque sinão eu tinha dado pu sinhor.

---É! Mais ocê Dita, é meia disarrumada quessa pingaiada sua, né! Mais, cumo eu tava falano, sirviço num tinha. Eu vim da roça pra miorá e fiquei foi pió. Com um fio duente, tinha gente que dava as coisa pra ele e aí eu ia era na rebarba. Num pudia nem bebê uma pinguinha. Agora, não! Tô aqui bebeno o meu golo e num devo nada, cum perdão da palavra, pra f.d.p. ninhum. Eu infarei disso aqui. Isso aqui num dá camisa pá ninguém. Camisa, não! Qué sabê, num dá nem cirôla. Eu aqui usava cirôla de saco, agora óia aqui, oh!

E desceu as calças para mostrar a ceroula que não passava de uma cueca samba-canção. Nesse momento, a turma da confraria do gole ficou esperta com os olhos. E como a cueca samba-canção tem uma braguilha sem fecho ecler, num relance foi exposto o seu “pepino”. E, nesse momento, a Dita do Amaro assustada disse:

---Pera aí, sô Pica-pau! Dexa eu vê esse trem direito, sô!

E o pica-pau, com a cabeça cheia de mel e entusiasmado pelo pedido da meretriz, fez uma rápida demonstração do seu potencial masculino no que a Dita do Amaro expressou surpresa:

Nossa mãe! Que trem doido! Eu nunca vi uma “pica-pau” igual não!...

E o Pica-pau se sentiu na moral!

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.


                                                    

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