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domingo, 18 de novembro de 2012

DESEJO DE MULHER GRÁVIDA.



Nada tenho contra as diferenças culturais na alimentação. Já experimentei, e até 
gostei, da carne de alguns animais exóticos como cobra, rã, gambá, tatu, etc. Contudo, certa vez, um amigo meu que esteve na África contou-me que, quando esteve por lá a serviço de uma empreiteira brasileira, conviveu com princípios culturais extraordinários. E na alimentação, por exemplo, ele chegou até a experimentar o sabor de insetos temperados, desidratados e hidratados, formigões, grilos, gafanhotos e outros ortópteros. E quando me disse que o povo de lá come o bicho de pau podre com melhor boca do mundo, eu quase me desventrei de tanto nojo.

Certa vez, por muito pouco, eu não morri de asco ao ver o Zeca Camargo do Fantástico da Rede Globo, que deu uma volta ao mundo para fazer reportagens sobre essas diferenças, tentando experimentar um ovo de galinha choco nas Filipinas, país no qual se faz feijoada com açúcar.

É sabido, também, que na China comem tudo o que para nós é porcaria. Brincam até que, por lá, se come tudo aquilo que se mexe. Assim, comem filhotes de ratos vivos retirados dos ninhos e afogados no molho de massa de tomate quente à medida que são servidos. Outra iguaria, pela Ásia, é a carne de cachorro que por aqui, entre nós, é um bicho praticamente sagrado. É cada coisa que aparece que nos deixa morrendo de nojo ao invés de morrermos de fome. Entretanto, nada disso me surpreende tanto quando ouço falar nos desejos das mulheres grávidas, tão estudados pela ciência e sem qualquer resposta positiva, definitiva e concreta. Sabe-se que, entre esses desejos incomuns, encontra-se o desejo de mulheres em experimentar cacos de prato de barro, giz, bunda de tanajura e sola de sapato. Isso é uma situação tão estranha que deixa qualquer um com a cabeça oca.

Eu era ainda menino e morava na Rua Coronel João Afonso, quando tínhamos, como vizinha de frente, a Dona Marica. Marica da Melada como era chamada. Tinha um grande quintal e o seu grande hobby era uma plantação de rosas que ocupava grande parte do seu quintal. No tempo em que os defuntos eram preparados em casa, assim que morria alguém logo chegava Dona Marica com as suas rosas. Além disso, fornecia, também, flores para as jarras da igreja. Certa vez, alguém lhe pediu algumas rosas para produzir licor e recebeu um sonoro “não”, bem no meio da cara. Ela disse ao pedinte que suas rosas eram sagradas e que jamais seriam misturadas ao álcool que seria coisa do diabo.

Dona Marica tinha um pé de laranja da terra em seu quintal cujas frutas eram por demais amargas usadas, constantemente, para a produção de doces, contudo, sem qualquer preferência para ser chupada.

A casa da esquina em que reside, atualmente, o Sr. Carminho Machado, encontrava-se sempre com um novo morador. Eram constantes as mudanças. Diante deste fato, veio morar, naquele imóvel, um jovem casal. Ele com os seus vinte e poucos anos, com cara de nortista, corpo franzino, amorenado, pescoço fino, imberbe, cabelo duro e bem aparado, um tipo ingênuo e meio calado. Era visto somente aos fins de semana e se chamava Alberto.

A mulher era o seu contraste. Falava muito alto, tinha a voz pouco fanhosa, tendo o aspecto de um alto-falante enguiçado. Estilo bem briguenta, gordinha, com pescoço grosso e curto, cabelo tipo masculino e um buço quase comparado ao bigode do marido. Chamava-se Tininha, estava grávida e como era baixinha e estava grávida, ficou muito redonda e, caso levasse um tombo, sairia rolando rua a fora. Vivia zoando nas casas dos vizinhos exceto na casa de Dona Marica, haja vista a ocorrência, entre as duas, de uma briga motivada pelas travessuras do gato Mimi pertencente à Maria das Graças, filha de Dona Marica.

O gato era um inferno, dizia Tininha. Não se podia esquecer uma panela destampada que o desgraçado fazia valer a sua gordura. E quem falasse mal do gato, por pouco que fosse, comprava uma briga cara e foi isso que aconteceu. Dona Marica dizia que aquela fulana teria se engravidado não se sabe como porque ela tinha cara de homem. Ademais, o seu marido tinha um tipinho de “franga” para o seu gosto. Tininha dizia que Dona Marica era uma gata velha, borralheira e vovó do tal Mimi, considerando que sua filha tratava o bichano por filhinho. E assim as duas viviam trocando desaforos.

Certo dia, os moradores do quarteirão acordaram de madrugada com um falatório danado. Acontece que a Tininha, por estar grávida, desejou chupar, às duas horas da manhã, uma laranja da terra do pé existente no quintal de Dona Marica. De nada valeu a argumentação de seu marido diante da impossibilidade de se conseguir a fruta naquela hora. Além disso, de onde sairia à fruta! Parece até que o desejo da grávida aumentava diante da dificuldade fazendo com que a mulher quase entrasse em desespero total o que levou o marido a resolver pular o quintal alheio e se apoderar da fruta para satisfazer o desejo descontrolado da mulher.

Acontece que, dias antes, havia chegado a lua nova de julho, fase lunar bastante esperada, durante o ano, por Dona Marica que pretendia podar as suas rosas. Com isso, teria acumulado, à beira do muro, um grande monte de galhos de rosas espinhentos. Na ação de Alberto, em transpor o muro para chegar ao pé de laranja, ele cai deitado sobre o monte de espinhos das roseiras podadas. E o pobre rapaz, quanto mais se mexia, mais se tornava fisgado pelos espinhos em meio à escuridão da noite enquanto sua mulher, que ficara aguardando do outro lado do muro, compreendendo o que teria acontecido ao marido, gritou por socorro, acordando vários vizinhos que correram a acudir o acidentado.

Dona Marica vestida de camisolão, com um lampião na mão, ouvia o infeliz dizer:

---Óia, Dona Marica! A sinhora me discurpa. Eu num quiria qui o meu fio nascesse com a boca aberta, Sá.

E Dona Marica, com um sorriso sorrateiro, responde:

---Tudo bem! Agora, pode apanhar a laranja. Apanha logo uma dúzia pra entulhar ela de uma vez! --- Engraçado! Quando eu estive grávida da Maria das Graças eu nunca tive esses enjoamentos e nunca amolei o Quinca...

Quinca era o seu marido.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos





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