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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

AS MARCAS DO TEMPO.

Foto para ilustração do texto.


Um dia desses, eu me encontrava assentado em um banco da praça enquanto apreciava a sombra das árvores, os canarinhos amarelos (sumidos que voltaram), os tico-ticos, os bem-te-vis, os tizius, os pardais, os sanhaços e outros mais que, costumeiramente, enfeitam as praças de Candeias. Nesse deleite, pude, também, voltar a minha juventude, quando alardeado, eu me julgava um gato correndo atrás de uma gata. Era, então, a época da Jovem Guarda que foi a era da gíria. Pena que as gatas, daquele tempo, se tornaram borralheiras e os gatos, coitados, nem sequer sobem nos telhados.

 Passando pelo local, veio o Nélson, um velho amigo, que se mudou para a cidade de Formiga e estava em Candeias pela morte de um parente. Cabelo e bigode pretinhos como carvão com a raiz branca (essa coisa de quem quer tapear a si próprio). Quase não o conheci. Aparentando ser um pouco mais velho do que eu, o amigo ancião vinha ao meu encontro com seus passos de ganso além de mancar um pouco. Com certeza, se encontrava incomodado por algum cravo, calo, joanete, calcanhar- de-aquiles, gota, varizes, hemorróida, unha encravada ou sei lá o quê. Só sei que mancava com aquela manqueira de gente velha. É conhecido o mancar de velho porque este é associado a um semblante de cansaço. É o tal de passo a passo. E se tem uma subidinha,  é uma peleja.
 
Aí, perguntei ao Nélson:

---Como vai, Nélson?

 --- Bem mal. respondeu. Eu sinto tudo quanto é dô no corpo.

---E você já foi ao médico? Perguntei.

 ---Fui sim, mas, não valeu nada e eu num vorto lá mais nunca.

 ---Mas, o que houve afinal?

---Um mardito de um exame de “prosta”. Só de lembrá, eu fico com vergonha de mim. E parece que o dotô achou “bão” a sacanage.

---Mas, Nélson, esse exame é necessário para nós homens. O câncer prostático é violento, disse.

--- Eu morro, mais, num faço isso mais. Nunca mais... Só de lembrá disso, perco toda a minha natureza. Eu fiquei mais de um “méis”, sem natureza. A minha mão de pilão vinha socando um pilãozinho novo, eu tive até que arrumá umas discurpa amarela até o mal passá.

---E o viagra?

---Nem viagra tava resorveno de tanta vergonha que eu sinti. Na hora do bem bão, eu lembrava do dedão e aí cê já viu ... Eu só sei dizê que ficá véio não é faci não, Armando. Esse negócio de prosta só de falá nisso eu arripio.

Nelson seguiu o seu caminho e eu fiquei lhe observando; parecia que pisava entre ovos ou entre espinhos.

Certa vez, eu fui comprar cerveja em uma adega próxima de minha casa. Um garotão robusto estreava naquele dia como balconista e me faz a seguinte pergunta:

---Qual a cerveja?

---Antarctica, respondi.

 E, numa segunda pergunta, ele quis saber:

---Por que todo velho gosta de cerveja Antarctica?

 Então, eu lhe disse:É porque o rótulo é mais bonito...

Outro dia, no Supermercado do Zé Cabeça, eu estava com uma abóbora madura na mão e na fila. Coisa de velho. Uma abóbora dessas, antigamente, dava-se para os porcos eis porque muitos, ainda, chamam-na de abóbora de porco. Duas mulheres, na minha frente, disseram:

---O senhor pode passar na nossa frente.

Eu passei. E ao sair, ouvi quando disseram:

---Coitado! Na fila, para comprar uma abóbora.

Apesar da gentileza daquelas moças, no fundo, no fundo, elas tiveram foi pena dos meus cabelos brancos.

Em outra ocasião, estive na loja de informática que fica ao lado do Cartório Viglioni e uma mocinha perguntou-me:

---O senhor mexe com computador?

E ao respondê-la, positivamente, com outra pergunta (o que não é bem delicado) mereci uma resposta vulgar:

---Sim, por quê?

--- É porque o senhor já é velho...”.

Na sede do Rotary, próximo da casa de minha mãe, existe um forró da terceira idade, todas as quartas-feiras. O meu amigo Mané é o chefe do evento. Após convidar-me, por diversas vezes, para uma visita, compareci, por duas vezes, apreciando a moçada cuja faixa etária variava de 60 a 90 anos. Ali, eu tive um grande conforto. Olhei para um lado e para o outro e me senti como um garoto da velhice. Paguei R$ 1,50 para entrar e ainda ganhei um saquinho de pipoca. Bebida lá nem água. Respeito absoluto e depois das 22 horas nem um minuto a mais.

Outra vez, voltei lá. Retumbava uma música apaixonada. João Catoco, com a sua viola na mão, estava acompanhado de outros músicos e cantores. Olhei para as damas e vi a Cilica do Quinho, sempre generosa e gentil comigo, junto da sua amiga Sílvia Patarrata. Dancei com a Cilica. Devagarzinho, é claro. Nossa! Como gostei. Há tantos anos, eu não dançava e, então, ela me pergunta: ---Você se esqueceu que eu pajeei você quando era um menininho? Seus pais eram meus vizinhos e eu gostava de te pegar. Eu tenho a lembrança do menininho bonito que você era no meu colo. 
E eu disse como esquecer esse carinho?! Eu bem que gostaria Cilica que você tivesse me pajeando até hoje!  


Eu sempre fui amigo da Cilica do Quinho por esse carinho antigo.

Saí dali bem confortável.  Parecia ser o primeiro dia da minha adolescência na velhice. E ao sair, eu vi dois jovens que pensavam em entrar e foram barrados visto que o ambiente é exclusivo para idosos. E um deles disse:

“Nossa! Que velharia! Faz até dó, está tudo na hora da morte!”

 Em pensamento, eu lhe disse: Eu só concordo com você porque um dia eu também fui jovem quando eu criticava os velhos. Hoje sou velho e critico os jovens.

 Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos     AS Marcas do tempo.





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