Busca-me,
o tempo, o ano de 1964. Ano que mexeu fundo na minha cabeça. Foi quando
completei dezoito anos de idade. Eu estava há muito tempo esperando a chegada
desse tempo. E ele chegou. Chegou como um vendaval tempestuoso, desconectando
meus neurônios da frequência do meu cérebro. ----- E essa presença, tão
desejada da maioridade penal, chegava sem pena, fazendo com que a agulha da
rosa-dos-ventos que orientava o meu mar de ideias se entortasse e desentortasse
a cada momento. -----
Eu sei
que eu me senti perdido! Eu queria fazer tudo em um só dia. Queria conhecer a
zona boemia. ---- Ah! A zona boemia!... --- Entrar no cinema e assistir aos
filmes proibidos para menores; --- entrar em um bar e pedir uma cerveja sem o
dono da casa perguntar pela minha idade. ---- Queria que alguém me visse
calado, ficar na rua pela madrugada. ---- Isso deveria ser muito gostoso.
Meu pai,
Zé Delminda, como era representante do Juizado de Menores, cobrava de mim o
exemplo. A partir de agora, ele não iria querer criar um filho escondido dentro
de casa. Certa vez, eu o ouvi dizer que criar filho homem é bem mais fácil.
Dizia ele: “Quando eles crescem a gente solta. Já com as mulheres, é
diferente. Elas crescem e a gente prende”. ---- Como os tempos mudam!
Coitado
do meu pai! Fosse vivo hoje, iria ver o quanto estava enganado. As moças,
atualmente, estão mais soltas do que os rapazes.
Não me
passou pela cabeça que, dali para frente, as minhas responsabilidades
aumentariam. Eu já poderia ir preso. ---- Ser chamado de vagabundo, se não
fosse visto trabalhando, etc. ----- Os deveres, eu não os anotei; quanto aos
direitos à liberdade, aí sim, já fiquei atento. Já me imaginava sem a vigília
dos meus pais.
Eu
estaria livre do olhar sorrateiro do Sebastião Salviano na portaria do cinema.
---- E da especulação do Zé Bolinha, dono do meretrício. Se alguém perguntasse
a minha idade eu estaria mostrando a minha cédula de identidade como se fosse
eu um coronel.
Dali para
frente, eu seria maior, seria gente grande e os menores de idade, já metidos a
grande, iriam morrer de inveja de mim...
Uma
semana depois, resolvi trabalhar em um bar e restaurante que existia às margens
da rodovia Fernão Dias, na cidade de Oliveira. Agora, eu era dono do meu nariz
e, com certeza, seria mais notado em uma cidade estranha podendo trabalhar,
ganhar meu dinheiro, enfim, viver a minha independência.
O
restaurante tinha três turnos de funcionários. Cozinheiros, garçons,
faxineiros, caixas, etc. Eu estava entre eles e passava as minhas horas de
trabalho enfiado em um enorme avental azul, camisa branca e calça preta à
frente de uma grande máquina de coar café. E como me usavam como uma espécie de
coringa, eu estava, volta e meia, na cozinha a ajudar e assistindo à lambança
dos cozinheiros: Dico, Zé Preto e Zéferino.
Havia alojamento no local de trabalho.
Entretanto, um grupo desses empregados resolveu alugar uma casa na cidade e eu,
mais do que depressa, candidatei-me a uma vaga. Cada um comprou a sua cama.
Ali, era só para dormir.
No dia da
grande estreia a turma mais orientada já tinha os seus buracos de cobra e eu,
ainda não! ------ Naquela época, eu estava como uma borboleta que se escapava
da crisálida buscando asas ou um anuro em sua metamorfose final, doido para
pular.
Chegou ao
meu conhecimento que na Rua dos Cabrais, na periferia da cidade de Oliveira, havia
um salão de gafieira.
Assim, me
lambuzei de brilhantina Glostora, perfume Lancaster, desodorante Gessy,
cigarros Mistura Fina e me empanei em um terno preto, adquirido em um consórcio
de doze parcelas, do Chiquinho Alfaiate.
Observei-me
no espelho. Eu me achei lindo e, logo, parti. ---- Parti para o pombal à busca
da caça.
Tão logo
cheguei, observei que se tratava de um salão existente no quintal de uma casa
residencial. A entrada era por um corredor que dava voltas, parecendo um
caramujo. A comunidade era toda negra. Apenas eu tinha a pele branca. Na
entrada do salão, havia uma mulatona vendendo churrasquinhos e cachaça da marca
Âncora. ----- Eu, de cara, tomei uma boa
“lambada” de pinga e comi um churrasquinho. Na ponta do corredor, um negão
vendendo as entradas. Paguei e entrei no salão. Olhei para um lado, olhei para
o outro. Não conhecia ninguém. ---- Avistei, junto a uma pilastra, uma neguinha
tão chique que faria inveja a Escrava Isaura.
Resolvi,
então, chamá-la para dançar ao que ela aceitou prontamente. ---- E como eu já teria
tido uma experiência nos passos de boleros, eu quis bancar o “gostosão” da
paróquia, mostrando a minha habilidade ----- Rodopiei e corrupiei no forró.
Dado
algum tempo encostei-me a um canto do salão para tomar um bom papo com a
cabrita. Mas, até então, papo de santo. Só o pensamento era ruim. O
comportamento era bom.
Em um
relance, eu vi se aproximar de mim um negão do tipo, Toni Tornado. Aí, vi o
caldo entornado. ----- O cidadão me pegou pelo colarinho, levantou-me como se
levanta uma pluma. Dei uma olhada angustiada e vi o bufado de pinga sair pela
sua bocarra e pelo nariz grosso e carnudo, debaixo de uns olhos arregalados e
vermelhos:
---Some
daqui, branco! Aqui, não tem lugar para você, rapaz!
---Moço,
mas, eu não fiz nada!
---Não
fez ainda, só que tá pensando em fazê né?! Isso aqui não é zona, viu!
---Mas,
ele não fez nada não, Tio Amaro! --Interveio a cabrita. Ele é gente fina!
---Só que
eu não gosto de branco! ----- Disse o negão...
Pois é!
Vejam só: Eu que nunca fui racista fui colocado para fora e, ainda por cima,
chamado de branco! Tem base? ----- Diria o meu primo Vicente. ------ Afinal,
que culpa eu tenho de ter nascido branco???!!!
Armando
Melo de Castro
Candeias
MG Casos e Acasos.
2 comentários:
"Só o pensamento era ruim. O comportamento era bom."
O negão leu o pensamento! kkk
estas lembranças da adolescência e juventude são sempre gostosas e hiláricas!!!
abs.
celle
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