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quarta-feira, 2 de maio de 2012

O BICO DE LAMPARINA



A medicina é uma ciência que tem por objetivo evitar, curar ou remediar uma doença. Infelizmente, nem todos que se encontram envolvidos na medicina são pessoas responsáveis. Comumente, estamos vendo, por aí, erros médicos fazendo com que pessoas, ao invés de serem curadas dos seus males, estão voltando do tratamento médico em um estado lânguido, ainda pior de como se encontravam antes, como foi o caso ocorrido com minha sobrinha, na semana passada. 

Após sofrer um pequeno acidente de motocicleta, foi atendida em um pronto socorro, na cidade de Formiga, onde recebeu alguns pontos na perna acidentada sem, contudo, ser providenciada a limpeza necessária do local sendo, posteriormente, feita a costura do ferimento contendo resíduos de areia. Por pouco, muito pouco, a paciente, de trinta e nove anos, não teve a sua perna amputada. Ainda assim, salva ficará com inevitáveis sequelas. Isso é lamentável. Isso é doloroso.

Já não bastasse isso, aparecem, constantemente, esses picaretas na televisão prometendo curas em nome de Jesus Cristo, sendo que o dinheiro que afanam, talvez, fosse mais objetivo na cura de um mal. Afinal, para receber uma cura por intermédio de Jesus Cristo, basta suplicar ao Filho do carpinteiro. Entretanto, como os vigaristas são bons de papo, acabam cobrando mais do que uma consulta médica dos pobres ignorantes que frequentam essas igrejas mercenárias.

De outra forma, estão por todos os cantos os charlatões raizeiros com as suas garrafadas cujas raízes ninguém saberia identificar.

Nos últimos tempos, podemos verificar o aumento de erros médicos. Esses, embora menos divulgados, são quase sempre acobertados por um diploma que, não poucas vezes, nem sempre concluído pela maneira formal e ortodoxa. Na mesma proporcionalidade, aumenta, também, essa epidemia de maus religiosos vendendo curas nas igrejas. Sem contar na proliferação de raizeiros que não curam sequer os seus males, propondo curar os males dos outros.

O bom seria não adoecer. Todavia, como a doença está entre os desígnios de Deus, cumpre-nos colocar as nossas vidas em Suas mãos, porque a Bíblia Sagrada que acolhe o médico, o pastor e o curandeiro, não está sendo levada a sério por grande parte desses designados. A saúde do ser humano tem sido vista como fonte de dinheiro, quando antes era, absolutamente, um sacerdócio.

Mas, com tudo isso, é inegável que já foi pior. É duro dizer isso, mas é uma verdade. Antigamente, os médicos não se dispunham dos recursos de hoje. A cura de uma doença era como um alvo que deveria ser acertado. A prova maior disso é que a média de vida aumentou no mundo inteiro. Não fossem os maus profissionais, somados ao mercenarismo, seria a medicina, com certeza, uma das maravilhas da vida.

Há cinquenta anos, em Candeias, dispunha-se de dois médicos. O Dr. Zoroastro Marques da Silva e o Dr. Renato Vieira. O primeiro era um filho da terra, descendente de família da melhor gema candeense. O segundo, que era da região do Triângulo Mineiro, casou-se, em nossa cidade, e, por aqui, passou maior parte de sua vida até à morte. Ambos exerceram uma medicina sacerdotal e colocavam a vida humana em primeiro lugar. Muitas vidas foram salvas pelas mãos desses dois médicos, diante de parcos recursos disponíveis na época. 

Nesta oportunidade, registro um voto de louvor a esses dois profissionais da medicina que, por aqui, labutaram em uma época na qual Candeias nada lhes havia para oferecer a não ser pessoas doentes.

O outro ponto de apoio para a cura de doenças era um curador, já citado neste blog, chamado Chico do Viriço. É verdade que a ignorância sempre andou a cavalo. Contudo, em Candeias, naquele tempo, ela foi vista não só a cavalo, mas de carro também. Na porta do Chico do Viriço, eram vistos carros de placas de cidades distantes, inclusive, de outros estados. O pau-de-amarrar-cavalo fincado, à sua porta, andava abotoado. Chico era o patrono da ignorância. Fazia todo aquele teatro na sala de sua casa e, posteriormente, vendia uma garrafada por cinco contos de réis, o que lhe proporcionava andar com os bolsos cheios.

Certo dia, um rapazinho, na companhia de seu pai, apareceu mancando na sala de curas do Chico. Quando alguém chegava, o pseudo curador puxava um papo e, dessa forma, fez com o recém chegado:

---Uai, sô, que qui foi isso? Que manquera é essa?

---É, Sô Chico, eu num to bão, não!

---Mais vai ficá, uai! Aqui é o lugá que o nego entra ruim e sai bão! Mais o que qui tá te amolano?

Nisso, o pai do moço cochicha nos ouvidos do Chico que dá uma risada maldosa e diz:

---Danou. Isso aí é brabo. O trem dele é mais cumpricado! Nóis vai lá pru quarto. Eu vô oiá isso é lá...

Quando era um caso mais complicado, Chico levava o paciente para um quartinho contíguo, mais discreto. Entretanto, lá de dentro, falava alto como querendo que as demais pessoas tomassem conhecimento dos seus diagnósticos:

---Pó descer a carça! Num pricisa ficá com vergonha, não!

Após verificar a infermidade, dá o seu diagnóstico:

---Oh! Eu vô falá procê, isso aí é coisa pá dotore. Num tá nas minha mão, não. Isso aí chama bico de lamparina e pricisa de cortá o bico. O seu bico de lamparina tá encabrestado, inchado e inframado. O dotore passa a faca aí, rebenta esse cabresto e aí ocê pode até fazê fio se quisé. Isso aí é coisa atôa. Eu até sei corta, mas é mió ocê ir lá im Camp’Belo. Lá eles tem uma tisôra própria e corta isso aí, nunstantinho.

Depois dessa, o rapaz, acompanhado do pai, saiu sem mancar, amarelo feito um asafrão, desconfiado feito um rato, assustado feito um gato enquanto, entre os presentes, ficava o comentário:

---Bico de lamparina? Que doença é essa?

E um outro, mais esclarecido, responde:

---Acho que é trombose! Quer dizer, fimose!



Armando Melo de Castro
CandeiasMG – Casos e Acasos

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