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quarta-feira, 11 de abril de 2012

O QUE SERÁ ARAPABACA?

Foto apenas para ilustração

Uma das mais recentes secretárias do lar que passaram pela casa de minha mãe deixou-nos boas lembranças. Foi uma curta temporada. Acredito que não durou três meses. Entretanto, foi o suficiente para que o seu nome ficasse bem guardado entre nós. Se não fosse o seu pedido de dispensa, jamais teria sido mandada embora. Chamava-se Marlene.

Pessoa extremamente humilde, natural da cidade de Camacho, sendo o seu marido lavrador, tendo, recentemente, adquirido um pequeno sítio nas imediações que formam um quadrilátero no qual se juntam os municípios de Itapecerica, Candeias, Formiga e Camacho.

Marlene era magra, alta, mulata, voz silenciosa, sorriso acanhado, contando, mais ou menos, com uns cinquenta anos de idade, deixou o seu marido na roça e veio para a cidade com os quatro filhos, na faixa etária de vinte anos, em busca de melhores condições de vida. Cada um com um objetivo, contudo, não obtendo nenhum resultado desejado, tendo em vista o despreparo de cada um para o mercado de trabalho urbano. Com isso, a moça e os três rapazes só foram encontrar ocupação na zona rural, junto às lavouras de café existentes em grande número, aqui, no município.

Analisada a situação, resolveram voltar para as suas origens, onde se diziam trabalhar menos e viver melhor chegando à conclusão de que a vida na cidade é, para o matuto, uma mera ilusão. Lembravam da vaquinha que dava leite para todos em troca de quase nada. O porquinho no chiqueiro prometendo fartura com a sua morte. 

O galo cantando de madrugada, anunciando um novo dia. A galinha fornecendo ovos em troca da sua liberdade. O gato trabalhando dia e noite, livrando a casa dos ratos. O cachorro latindo alegre, anunciando, sempre, alguma novidade. A água correndo dia e noite sem nenhum custo. O canteiro de hortaliças, à beira do rego, proporcionando verduras frescas dava de tudo. O caldo do franguinho caipira. 

E o dia de matar o porco!? Aquilo é que era esperança boa! A bananeira em que bananas se perdiam. Abóboras para dar e vender. Milho verde assado, cozido, transformado em bolinho, mingau, pamonha, bolo e outras guloseimas. O café catado, sem nenhum custo, socado, torrado e moído, além de ser muito mais gostoso. 

O feijãozinho novo, sem veneno e conservado na garrafa de coca. Um caldeirão cheio, misturado com pele de porco, fervilhando o dia todo no fogão de lenha, nem compara com o feijão cascudo e misturado o novo com o velho na mesma embalagem e todo envenenado.

Aqui, na cidade, a situação estava indo de mal a pior, estava ficando cada vez mais preta. Era um mundo diferente! E quanto mais a coisa ficava preta, mais saudade dava do canto do galo, do berro da vaca, do grunhir do porco, do miado do gato, do cacarejar das galinhas, enfim, saudade que mata daquela barulhada, da bicharada e do cantar das aves. Saudade do cheiro do caldeirão de feijão destampado quando dava fome.

Sob todos os aspectos, Marlene não era a empregada ideal para a minha mãe, entretanto, a sua pureza de alma, o seu carinho, a sua humildade, a sua religiosidade, a sinceridade com que falava as coisas e, finalmente, o seu desejo de fazer um trabalho bem feito tudo isso a teria feito ficar por aqui, até hoje, se não fosse de sua livre e espontânea vontade em deixar o emprego e ter voltado para o seu meio.

Às vezes, eu lhe dizia: viver é difícil, Marlene! E ela, humildemente, me respondia com o seu sorriso acanhado:
---Difícil é, mais cum Deus, nóis chega lá, Sô Armando!

O marido, que ficara na roça, não estava tendo tempo para fazer a sua comida. Consequentemente, não tendo tempo para cozinhar, cozinhava mal. Cozinhando mal, ele errava a mão no sal e a pressão subia, e atrás da pressão alta, vinha o medo, a cisma de ficar sozinho, a saudade da mulher, dos filhos, da comida da patroa e de outras coisas mais indisponíveis.
De manhã, Marlene chegava para o trabalho como quem teria passado noite no rio de espinho que a levaria ao mar de rosas. Cumprimentava com o seu sorriso acanhado e dizia:

----Que o dia de hoje seja santo pra todos nós!

Contudo, dava para ver a tristeza escondida em seus olhos segurando uma bica de lágrimas.
E já querendo saber o que fazer para o almoço, recebia instruções da minha mãe:

---Marlene, faça uma farofa de Jiló?
---Farofa de Jiló? Como é que faz, Dona Luca?
---Cozinha o jiló, joga ovos e mexe a farinha...
---E a senhora tem coragem de comer isso?
---A vida toda eu comi.
---Jiló com ovo é veneno.
---O que é isso, Marlene! Se fosse assim, eu já teria morrido.
---Nossa Senhora! Meu Deus!
Outro dia, minha mãe mandou-a fazer couve rasgada com angu:
---Couve rasgada com angu? Num pode ser picada?
---Por que não rasgada?
---Rasgada é veneno, ela não derrete no estame!
---O que é isso, Marlene, eu como desde menina! – Dizia minha mãe!
---Nossa Senhora! Meu Deus!

Certo dia, eu ganhei umas mangas. Cheguei, e após descascar uma delas, lhe ofereci:

---Chupa manga, Marlene!---Não, Sô Armando, brigada. O dia que eu chupo manga é só manga, num ponho outra coisa na boca.
---Por que, Marlene?
---Manga vira veneno se misturá ela cum quarqué outra coisa.
---O que é isso, Marlene, aqui nós comemos e nunca fez mal.
--- Leite, banana, laranja e manga, lá in casa nóis não mistura cum nada. Isso misturado vira veneno.

Eu vou fazer uma batida e você vai ver. Peguei um copo de leite, duas bananas, uma laranja e uma manga. Coloquei tudo no liquidificador. Enchi um copo e tomei. Ofereci-lhe para experimentar e ela assustada e com os olhos arregalados, disse:

--Nossa Senhora! Meu Deus!
Deixei passar um pouco, tomei em um copinho de pinga e lhe disse: Agora, vou rebater a vitamina!
---Pelo amor de Deus, Sô Armando, num fais isso, não! Esse lambiscão mata mais que Arapabaca!
---ARAPABACA?! Nossa Senhora! Meu Deus! O QUE SERÁ 
ARAPABACA!?

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos

Arapabaca: Planta loganiácea, também chamada de lombrigueiro.


Um comentário:

Franz disse...

Mais um conto divertido pra gente curtir. Apesar de você ter colocado a foto da arapabaca no início, fui verificar no google o significado da palavra. Resultado: As folhas frescas se utilizam para afugentar baratas.
- A planta toda em especial a raiz é empregada como vermífugo.
* - Esta planta é tóxica, portanto o uso deve ser muito bem administrado.
É também conhecida como Lombrigueira.
Claro que você já sabia disso, só coloquei aqui para outros visitantes que tenham curiosidade.