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quarta-feira, 28 de março de 2012

AI SE EU TE PEGO!


Foto para ilustração do texto.

---Eu contava com os meus 16 anos, mais ou menos, quando chegou a Candeias um parque de diversões armado, como de costume, na Praça Antônio Furtado. Um parque a altura da nossa cidade, na década de 50. Chamava-se “Parque Teatro Zélia”. Contudo, não tinha nenhum teatro. Naquele tempo, esses itinerantes tinham um palanque em forma de palco onde faziam um número teatral no final da função para segurar os frequentadores. Mas entendo que o teatro desse parque estava desativado por falta de artistas.

 ---Tinha apenas no nome a palavra teatro. --- Zélia seria a filha do dono; um velhote pequeno e ágil, com a cabeleira grisalha cobrindo a nuca e prendendo no seu topo um chapéu de palha bonito, muito diferente do qual ele sempre dizia ter sido  fabricado por encomenda. 

 ---Como exemplo dos demais parques que visitavam Candeias, o Parque Teatro Zélia era o protótipo da pobreza. Consistiam as suas diversões, nos balanços venezianos que caiam aos pedaços; sorteio, por meio de um coelhinho da Índia; ---- cigarros na argola; ----uma sombrinha rodante para crianças; ---- uma roleta de jogo de azar com 37 números; um cercado em que funcionava o jogo de víspora valendo dinheiro. E o tiro ao alvo com tremenda falta de segurança, o que proporcionou um chumbo no nariz da minha irmã Maria Amélia, quando um usuário foi brincar com a arma. (Isso foi terrível)

---O parque ficava lotado, afinal naquele tempo não existia em Candeias a televisão que passou a prender o povo dentro de casa. Esses parques eram comuns. Às vezes saia um e pouco tempo depois já chegava outro. Assim, como também os chamados circos de cavalinhos e touradas.

---Naquele tempo, o jogo em parques rolava solto. A víspora era exercida sem limite de idade. Meninos jogavam, livremente, sem qualquer intimidação. Os chamados delegados “calça-curta” raramente apareciam na delegacia. O destacamento policial, limitado a um cabo e dois soldados, por algumas vezes, arbitrários e, por outras vezes, acomodados sendo  pessoas totalmente despreparadas para o cargo. --- Uma polícia completamente diferente da polícia dos dias atuais. Hoje, felizmente muito mais bem preparada.

 ---De posse de minguados cruzeiros (dinheiro da época), resolvi pôr uma fezinha no jogo de víspora. Eu não sei o que me deu naquele dia. Eu nunca fui de sorte com jogo, mas nesse dia, parecia que a sorte teria me abraçado. ------ O cartão, que tomei estava mesmo condicionado para mim. Ele tinha os números 16, 01 e 46. Exatamente 16 de janeiro de 1946, cuja data eu me aportei neste mundo, na Rua Coronel João Afonso. Desde então, uso esses números nas minhas fezinhas, mas nunca aconteceu mais nada.

 ---Adolescente e bobo, com a cabeça cheia de imaginação e com os bolsos cheios de dinheiro, juro que tive a sensação de ser o homem mais rico do planeta. ----- Ao sair dali, entrei no boteco do Edmundo Simões que ficava ali bem próximo. Tomei uma copada de vinho Vênus, um vinho vagabundo pelo qual os jovens iniciavam-se na vida alcoólica. Assim, com a mente fermentada pelas coisas que o diabo inventou, saí dali e fui parar no Bar Piloto, um bar rico, de propriedade, na época, do Sr. Guido Bonaccorsi.

 ---Até então, eu que já teria experimentado, apenas pinga Iracema, a 51 da época, e os cigarros Saratoga, os mais baratos do mercado, queria beber uísque e fumar os cigarros Columbia, produtos que não eram encontrados nos botecos das ruas de baixo, como se dizia.

---Como “cowboy” de faroeste americano, num “saloon”, adentrei o Bar Piloto, meio zonzo do vinho, levantei o pescoço, firmei o olhar, passei as mãos na cabeça como se acertasse o chapéu, afinal, parecia que o espírito de Roy Rogers teria encarnado em mim. Talvez até pudesse imaginar o “Trigger” amarrado do lado de fora. Com a voz firme pedi, aliás, mais mandando do que pedindo ao Guido como se estivesse comprando briga: “Eu quero um Uísque e um maço de cigarros Columbia”. Ora, o que teria pensado o Guido, naquele momento? 

---Eu era um rapazola pobretão e bobo, acostumado a ser visto sem dinheiro, ganhava uma migalha para baixo e para cima com um balaio de pão da Padaria do Mozart Andrade. Dai o Guido, surpreso e sorridente, perguntou-me: “Uai, Armando, o que aconteceu? Você ganhou na loteria ou assaltou a carteira do seu pai?”. 

 ---Sem levar a mal a pergunta, lhe disse: ganhei na víspora. E enfiando a mão no bolso, mostrei-lhe o “toco” de dinheiro deixando-lhe, ainda, mais desconfiado com a minha justificativa.

 ----Bebi aquele uísque sem dar conta do sabor. Queria outra dose, mas ele não quis me vender. Peguei o maço de cigarros, ---- paguei a conta exaltando o “toco” de dinheiro e fui saindo. ----- Já era tarde da noite. ----- O Bar Piloto já se preparava para encerrar a tarefa do dia. A cidade quase que às escuras, as lâmpadas dos postes mais pareciam um tomate maduro. Era ainda o tempo da chamada “Usina do Bonaccorsi”. E ao sair, de súbito passando pela rua, vejo uma mulata, cabelo crespo e repuxado para traz, boca pequena e dentes claros realçados por um sorriso em cadeia com os lábios vermelhos. ----- Ao ganhar aquele sorriso da cabritinha, senti como quê recebendo uma fluidificação dos céus, ou do inferno. .

 ---A maliciosa olhada que a cabrocha me deu me fez sentir uma coisa diferente. Era como um calafrio. Um frio na espinha. Uma coisa gostosa de ser sentida. Parecia que fui atraído por um imã aos seus olhos. Eu nunca tinha sido olhado daquele jeito. Assim, saí seguindo aquela que eu não sabia se era ou não era donzela. Acho até que parecia um cachorro atrás de uma cadela no cio.

 ---Parecia que o meu coração andava e as pernas batiam. A mulata dava uma olhada para trás como quem dizia: anda mais rápido, meu bem, vamos para onde eu vou e eu quero você. Então, eu ali, atrás com o cérebro a duzentos por hora com o olho enfiado naquela poupança saracoteando sobre aquelas pernas grossas e gostosas. -----Ah, se eu pego essa nega pensava! --- Eu parecia um pangaré querendo entrar na baia de uma potra quarto-de-milha.

 ---Ela desceu a rua que faz esquina com a loja do Carlinhos Giannasi e parou na outra esquina onde, hoje, se encontra o Posto de Gasolina do Itamar Freire. O clarão era de apenas uma penumbra do poste, quase apagado. Na esquina de frente, existia uma pequena fábrica de farinha de milho do Sr. Sebastião da Picidonha. Do lado de fora, um monte de palha de milho refugado pela fábrica. O escuro tomava conta do monte de palha. Pensei comigo: tá aí o diabo na casa do terço.

---Contudo, havia um problema. É que eu era bobo demais, acanhado em demasia e um tanto encalistrado. Na verdade, eu era um tatu de galocha. Não sabia me apresentar a uma garota. Perdia a voz e, mesmo tendo tomado o vinho e o uísque, faltavam-me as palavras. Todavia, eu estava com dinheiro e como dinheiro faz coisas, eu me aproximei e paramos ali naquela esquina:

 ---Oi,

---Oi,

---Cume que cê chama?

---Isabel!

---Isabel?

---É...

---Para onde cê vai?

---Pra minha casa, uai.

---Leva eu?

---Cê ficou doido?

---Não, eu não...

---Que é qui ocê qué cumigo?

---Nada!

---Nada?

---kakakaka

---Intão purquê tá me inrabichano?

---É porque eu gostei do seu jeitão?

---Ocê gostou de mim sem isprementá?

---Gostei!

---Meu povo pensa que eu sô moça...

---E num é não?

---Mais ou meno!

---Mais ou meno? Como assim?

---É que ainda tem um resto...

---Resto! Que resto?

---Cumé qui ocê chama?

---Armando...

---Armando? Qui nome esquisito... Armando o quê?

---Nada...

---Nossa, mas cê é meio bobo, né?

 ---Diante disso, em um esforço muito grande, eu quis deixar de ser bobo e ataquei:

 --- Quanto você cobra pra nós rolar naquele monte de palha?

---Déis conto!

---Dez conto? Tá feito!

---Fomos parar no monte de palha de milho. E, já de cara, defrontamos com um cão que dormia ali, sossegadamente. A alcova improvisada tinha o cheiro de tudo, menos o perfume de mulher. Mas, eu tinha pensado em pegar, peguei, mas coitado de mim, não sabia segurar e deixei escapar.

---Frustrado eu fui para casa, já teria deixado a janela só encostada para a minha chegada fora de hora. E no outro dia que ressaca... E o medo de alguém contar para o meu pai!? Que vergonha de mim e do Guido Bonaccorsi!... Eu fiquei um bom tempo sem entrar no Bar Piloto. 

---Ser adolescente é deixar de ser criança sem lamentar. É deixar faltar um pouco de responsabilidade na sua vida. É não ter desânimo para aproveitar o que é de bom que a vida nos oferece. ----- Eu fui um adolescente muito feliz, apesar de muito bobo, tímido e acanhado. ----- Mas o mundo incumbiu-se de me dar uma mãozinha. ---- Ser adolescente nos dias atuais está sendo muito perigoso. O caminho do bem está cheio de buracos onde se escondem as drogas, a violência e a prostituição. ---- Cuidado jovem, você merece ser feliz. --

Armando Melo de Castro

Candeias MG casos e acas

Um comentário:

Unknown disse...

Muito interessante a história,embora em cenarios diferentes, cada um de nós temos nossas histórias de aventuras,recheadas de receios, medos, tínhamos cuidado com a repercussão que os atos poderiam causar, essa falta de receio dos jovens de hoje, é que estao levando por caminhos, que talvez não serão interessante ser contados no futuro, uma pena.