Total de visualizações de página

sábado, 20 de novembro de 2010

O JILÓ


   Hoje de manhã, ouvi minha mãe pedir para a empregada ir ao supermercado e comprar jiló, “de preferência, bem verdinho”. Ainda disse: “É bom fazê-lo com a casca para que fique um pouco mais amargo. Esses jilós, de hoje, não amargam como os de antigamente.”.

Minha mãe, aos oitenta e seis anos de idade, é consciente de que o tempo, que marca a nossa vida, vai-nos tirando, aos poucos, os cinco sentidos, mas  se esquece sempre do paladar.E é por isso que dificilmente vemos um jovem se queixar de que algo está sem gosto.
Aos ouvidos de muita gente essa observação da minha mãe, sobre o jiló, poderia parecer estranha. Afinal, não é comum, alguém gostar de coisas amargas.

Diante deste comentário sucinto sobre o jiló, remexeu nas células do meu cérebro um fato que já se encontrava, meio perdido dentre as gavetas da minha memória:

Encontro-me na Vila Isa, às margens da rodovia Rio/ Bahia, na periferia da cidade de Governador Valadares MG; onde havia um posto avançado de prestação de serviços bancários. Tratava-se de uma extensão da agência central do Banco do Estado de Minas Gerais S.A. O BEMGE, situada no centro da cidade, onde eu exercia as funções de Gerente Geral.

Fazia parte da rotina da minha tarefa diária, visitar aquele posto todas as manhãs.
Logo no início dos meus afazeres, naquele local, observei que, na esquina próxima dali, havia um salão de cabeleireiro bem montado e com um anúncio cravado acima da porta de entrada, num formato muito estranho:
“Jilozinho Cabeleireiro”.

Lembro-me de que, quando da primeira vez que bati os meus olhos naquele anúncio, o tribunal da minha consciência deu uma sentença para aquele que seria à razão daquela placa e pensei, cá com os meus botões: Esse jilozinho deve ser leitor de Oscar Wilde; admirador da obra de Leonardo da Vinci; fã de Elton John e telespectador do Leão Lobo e Fã do Felix e do Niko, da Novela das 9.

Diante de uma tabuleta tão estrambótica, eu não tinha mais o que pensar. Que me perdoe a turma da parada gay, mas fiquei por entender alguém denominar um salão de beleza com um nome tão esdrúxulo. Era um salão aparentemente muito bem montado, num dos melhores prédios do bairro; o que fazia o ponto ser bem-conceituado.

Alguns dias depois, defrontei-me com um jovem, de mais ou menos vinte e cinco anos, muito bem vestido, trajando-se com bastante feminilidade e que somando a sua boa aparência física e o seu comportamento pude ataviar a impressão que tive, quando teria visto a placa do cabeleireiro jilozinho.

Daí a pouco, aquele jovem me foi apresentado pelo encarregado do posto:

-Armando, esse é o nosso cliente Jilozinho...

-Olha, senhor Armando, é um prazer conhecê-lo, sou seu cliente aqui e quero tê-lo como meu cliente também. Sou o Jilozinho. Tenho um salão de beleza, só para homens. Sou especialista em depilação masculina. Peito, axilas, limpeza de pele e tudo mais que o cliente desejar. Fiz curso de especialização na Argentina. O meu primeiro trabalho para o senhor será uma oferta da casa.

Olhei, atentamente para os lados, para ver se não havia ninguém ouvindo aquele papo. Se fosse eu um adepto do conceito religioso evangélico, eu iria imaginar que aquele moço precisaria de uma conversão. Mas como sou católico pensei de outro jeito.

Estar ali, ao redor de uma porção de gente, ouvindo aquela oferta, tão extravagante, fazia-me encalistrado, encafifado e muito desarrumado. Jiló é uma fruta que não consta do meu cardápio. E agora, vem um jiló falando que corta cabelo, raspa peito, sovaco, e sei lá mais o quê?... E só de homens!? E depois, ainda, na maior descontração do mundo, falou alto e em bom som: “Sô Armando, eu sou o único jiló do mundo que não amarga.”. Depois, saiu.
E eu lá queria saber se ele era doce ou amargo? Durma-se com um barulho desses!...

A bem da verdade, eu fiquei parecendo um menino de quinze anos sendo cortejado por uma rameira experiente.


O amargo do jiló, realmente, faz com que esse fruto seja pouco considerado. Vejamos, por exemplo:

É um fruto sem pai. Ninguém sabe ao certo de onde ele é natural. Há quem
 o considera da África; outros dizem que é das Antilhas; outros ainda afirmam sê-lo da América do Sul, especialmente, do Brasil. Portanto, o jiló é realmente um filho sem pai certo.
Coitado! Apesar de ser da família das solanáceas, ou seja, parente próximo do tomate, não se vê os dois juntos. O tomate é um fruto de boa fama. Quando verde ninguém abusa; ninguém quer comê-lo. Já o jiló, quanto mais verde mais corre o risco de ser picado. Ninguém quer saber de jiló maduro.
O jiló é um fruto de pouca moral. Eu nunca fui a um almoço ou jantar festivo que ele estivesse à mesa. Além disso, vive na boca dos desbocados.
Seu sabor amargo ficou sendo sinônimo de momentos difíceis da vida... Tudo que amarga faz lembrar o pobre do jiló e a criança o detesta.
Lembro-me de um baião do Luiz Gonzaga que dizia: “Saudade amarga que nem jiló”.

Antigamente, era comum ver alguém vindo da roça, rodar a cidade de Candeias para baixo e para cima com um balaio de jiló. E, nem sempre, voltava para casa após ter feito bons negócios.
Candido Alves Vilela, mais conhecido por Candola, pessoa respeitada; membro da família Vilela, tendo como filhos, Mariquita, Balofo, Geralda, João, Pedrinho, Aldinha e Samina.
Candola morava onde hoje está estabelecido o Bar do Bola.
Certa feita passa à porta de sua casa, uma senhora que já havia rodado a cidade toda com o seu balaio de jiló e, já vencida pelo desânimo, pergunta-lhe:
“Sô Jiló, quer comprar Candola?”
E o Sr. Candola, que não era muito sorridente, responde, sorrindo diante do trocadilho da pobre regateira: “Não! Já me bastam os amargos da vida. E depois o meu nome não é jiló não...”.

E a roceira, após observar que teria cometido uma infeliz troca de nomes, já estava a ponto de pegar aqueles malditos frutos amargos e jogá-los no primeiro buraco que lhe aparecesse. Vai se retirando desalentada, quando o Candola lhe chama de volta e lhe compra todo o jiló do jacá.

Aquela criatura deu um sorriso doce e disse, olhando para os céus:
-Graças a Deus! Nossa Senhora vai ajudar o senhor, Sô Jiló. E muito, muito mesmo.

-Menina, por acaso eu tenho cara de Jiló?
-Não! Não sinhô. O sinhô não tem cara de jiló não. O Senhor tem cara é de candola. Oh! Meu Deus me ajuda!
- E o que é candola, você sabe?
-Uai, Sô Candola... Candola, eu acho que é candola, né?...


E o Candola, vendo contar os litros e enchendo um grande balde do solanum amargo, já devia estar pensando: “O que vou fazer com tudo isso meu Deus”?
É! A vida é assim: Uns gostam da fruta; outros preferem o caroço.


Armando Melo de Castro
candeiasmg.blogspot.com
Candeias-MG

Um comentário:

Anônimo disse...

novamente sou eveline eu,estou fazendo um passeio cultural pelo seus contos,
ate ler todas as suas postagem sinto que vou me diverir muito...mai umas vez parabens sua maneira escrever,contando uma fato,ao mesmo tempo dando informaçoes importantes,e no seu texto vejo que horas usa uma linguagem culta e quando refere-se ao conto presrva as particularidades linguistica da região, isto faz do seu texto engraçado e informativo