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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

UM TEMPO ABANDONADO

A partir daí o meu convívio com os trens se tornou rotineiro A estação de Candeias era bastante movimentada. Quase nada entrava na cidade ou saia a não ser via trem de ferro. O meio de transporte rodoviário era então, muito atrasado. Os ônibus se limitavam em pequenas jardineiras e era um transporte caro. E os caminhões em número muito reduzido. Comumente ouvia-se dizer: viajar de trem é bom... É confortável... Parece que o povo daquele tempo não tinha muita pressa para chegar ao destino... Era um povo mais calmo e não se irritava com os atrasos constantes dos trens. Não criticavam com veemência, as deficiências da ferrovia... E as viagens, mesmo de negócios, eram transformadas em passeios... ---- Estarei certo ou fortuitamente enganado? Ou quem sabe a ingenuidade de criança ainda perdura em mim?

Junto à estação localizava-se a máquina de limpar café e um grande armazém de depósito. Muitos trabalhadores circulavam por lá trabalhando o café Uma sirena de som estridente levava a todos os cantos da cidade a marca dos horários de trabalho. Um motor a óleo bastante barulhento quebrava o silêncio do largo da estação. Havia, sempre, vagões estacionados no pátio da estação carregando ou descarregando. Agentes, conferentes, guarda-chaves, pra lá e pra cá, trajados com o fardamento da ferrovia, davam vida naquele ambiente hoje morto. De frente, estava a máquina de limpar arroz, bastante movimentada, beneficiando o arroz produzido no município. Manipulando esta máquina estava o amigo João do Sô Nico, músico sempre ativo, da Banda de Música.

A chegada do trem de passageiros dá um clima de festa A estação era ponto turístico onde até casais de namorados iam ver o trem chegar e sair. Os carroceiros apostos, entre eles, Juca Cordeiro, Arlindo Barrilinho, Serafim e outros, se movimentavam para pegar as mercadorias que chegavam. Os carregadores de malas abordavam os passageiros e principalmente os caixeiros-viajantes, cujas gorjetas eram polpudas. Logo após, a Rua Coronel Marques, ou melhor, a Rua da Estação, aliás, a primeira Rua de Candeias a receber calçamento; parecia uma maratona... Pessoas que desciam e depois subiam para ganhar o centro da cidade. Subindo o morro ia o Joaquim Estafeta com aquele baita saco cheio de cartas sendo levado para a agencia do correio. Os telegramas eram recebidos e transmitidos através da Estação Ferroviária. O correio não tinha telegrafo nessa época.

Posteriormente as marias-fumaça foram substituídas pelas grandes locomotivas movidas a óleo diesel; e os comboios agora maiores ficaram restritos em seus horários. Pois apenas uma locomotiva levava a carga de três marias-fumaça...

Há um tempo passado, eu estive lá remoendo esses quadros de minha infância Vendo aquele local deserto, sem uma pessoa, ali, naquele momento, senti uma saudade danada daquele dia em que fiz a minha primeira viagem de trem e estive tão feliz naquela plataforma cheia de gente e agora completamente vazia. E ao me retirar daquele local avistei a única fonte remanescente do ruído de outrora. Afrontando o tempo, apenas um pouco arredada do seu antigo lugar, está à máquina de beneficiar arroz. Um pouco mais preguiçosa, mas ainda tendo ao seu derredor a figura do amigo, João do Sô Nico*, que, talvez, como eu, guardando dentro de si os quadros veneráveis daquela estação e os apitos da Maria-fumaça, subindo e descendo... Buscando e levando a vida da cidade. Seria inútil tentar arrancar de mim essas lembranças doloridas. Elas entraram pelo cérebro, desceram ao coração e lá se acomodaram.

 Armando Melo de Castro

 

Um comentário:

Anônimo disse...

que historia macabra,e de arrepiar,mas gostei porque são historias reais!!!!!!