Total de visualizações de página

sábado, 23 de julho de 2022

A TRISTE HISTÓRIA DE UM RELÓGIO.



 O tempo tem me levado a entender que o mau anda junto do bem. Isso me leva a crer que o bem precisa conhecer o mal e o mal precisa conhecer o bem. A própria vida nos mostra o caminho certo para viver. É lamentável que muita gente vive sem levar a vida a sério. --- O ódio, a mágoa, o rancor isso não leva ninguém a nada.  Pelo contrário isso maltrata aquele que carrega consigo esse tipo de sentimento. Mas existem fatos em nossa vida que são difíceis de serem  extirpados, esquecidos e arrancados da memória  por mais que trabalhamos isso. Parece que é uma ferida que não cicatriza no nosso cérebro; basta uma lembrança relacionada para o dolorimento se manifestar.

 --Remexendo as gavetas da minha memória, eu me encontro no ano de 1969. Eu morava e trabalhava na cidade de  são Paulo no bairro da Liberdade onde se encontra o centro da colônia japonesa. Dos 10 anos em que residi naquela capital, eu vivi o dia mais triste e mais humilhante que passei em toda a minha vida. Enfim, eu estava com uma vida toda pela frente, e não poderia me sentir vencido ou abatido. Mas Deus sabe o tamanho do meu sofrimento quando fui vítima de palavras que me feriram mais que uma ponta de faca.

 -- A agencia bancária onde eu trabalhava ficava na Praça da Liberdade. E eu fui designado para prestar serviço na FMU, Faculdades Metropolitanas Unidas que ficava num ponto da Avenida Liberdade, que ficava há uns 800 metros de distância da Agência. Era uma cliente muito importante e o Banco tinha lá dentro da Faculdade um caixa para o recebimento dos carnês do estudantes

 Nesse tempo eu morava, então, num quarto que alugara numa casa de família na Rua Tagua, no mesmo bairro onde trabalhava. ---- Em São Paulo é comum uma família alugar um quarto que sobra nas suas residências como ajuda no aluguel. A gente acaba quase que se tornando parente dessas pessoas. Eu tenho bem guardada em mim a lembrança de Dona Naná, a dona da Casa e do Sr. Osório, seu marido e da empregada, a Dona Durvalina.

 As refeições eram tomadas num restaurante,  próximo dali, mas o café da manhã era junto com os donos da casa. Mas tudo de bom e gostoso que Dona Naná fazia reservava para mim uma  porção como gesto de carinho que ela tinha comigo.  Em compensação quando eu ia a Candeias levava para ela um belo queijo ou uma garrafa de mel produzido pelo Nelo Gianasi, e às vezes até uns ovos caipira, o que a deixava muito satisfeita. ----  Eu vivia nessa casa e me sentia estar numa família aparentada. Eu gosto muito de recordar o tempo em que ali vivi e só saí quando aluguei um pequeno apartamento na Rua Santa Ifigênia onde a minha liberdade de solteiro foi acomodada.

 A minha rotina, era me levantar, ficar por ali até pelas 10 horas, depois ia almoçar e daí ia até a Agência tomava as instruções, e ao meio dia começava o trabalho na FMU, que ia até as 16 horas quando o expediente era fechado para ser reaberto às 18 quando ia até às 22 horas.

 Nesse período das 16 às 18 normalmente eu me fazia presente na Agência. Teria ido ali recolher o dinheiro recebido dos alunos da faculdade e me preparar para o período da noite. Eu tomava um lanche nesse ínterim e viria a jantar depois das 22 horas após deixar o trabalho.

 Da agência do Banco até a FMU subia a Avenida Liberdade e a distância era próxima. Nesse perímetro havia dois ou três bares e uma lanchonete. Normalmente eu parava por ali e tomava um lanche antes de chegar ao trabalho. Eu sempre parava num que fazia um churrasquinho no pão. Comia aquilo e tomava um guaraná. Pagava e chegava ao trabalho. Um desses bares, teria sido aberto recentemente e eu ainda não teria adentrado em seu recinto. E num certo dia resolvi, entrar ali e tomar o meu lanche.

 Lembro-me como se fosse hoje. Eu comi um misto quente e tomei o meu tão querido guaraná, o refrigerante que foi sempre da minha preferência e comi um doce de leite.

 Na hora de pagar a conta eu que coloquei a mão no bolso, uma desagradável surpresa. Cadê o dinheiro? Eu havia esquecido a carteira em casa. --- Disse ao proprietário que havia esquecido o dinheiro em casa, se ele me desse  15 minutos, eu estava próximo do Banco onde eu trabalhava lhe traria o dinheiro. Lembro-me que a conta era menos de CR$ 15,00 (Quinze Cruzeiros)

 Aquele senhor me olhou como se eu fosse um bandido que estaria lhe assaltando. Encheu bem o peito e disse: “Isso é malandragem... Me passe o seu relógio... Num tem papo não! Se você voltar com o dinheiro eu o devolvo.”

 Sem outra alternativa retirei o relógio do pulso e o entreguei. Foi como se eu estivesse entregando a minha alma.

 Aquele relógio era a única coisa que eu tinha de estimação. O valor estimativo dele era muito grande. --- Na minha adolescência, como em qualquer adolescência naquele tampo o sonho de pobre, era ter um relógio. Um relógio custava caro. Qualquer relógio era uma joia.

 Eu contava nesse tempo 23 anos. Aquele relógio estava no meu pulso desde o dia 16 de janeiro 1962, no dia que eu teria completado 16 anos. Foi um presente de aniversário do meu pai, que o comprou na Loja na casa do Pedro Nadi, para pagar em suaves prestações. Nenhuma joia do mundo, para mim, valia mais que aquele relógio. E eu vê-lo nas mãos daquele senhor que eu nunca teria visto na vida, e que teria me humilhado chamando-me de malandro...

 Eu não tinha tempo a perder. Sai praticamente correndo dali, não fui a casa, fui ao Banco e peguei a importância com um de meus colegas e voltei correndo. Devo ter gasto pouco mais de 15 minutos estava de volta, com o dinheiro na mão. Mas lá não estava mais aquele senhor. Aguardei um pouco, mas foi inútil, o seu substituto me dissera que ele teria ido tratar de negócios e não sabia quando ele voltaria.

  Eu não tinha alternativas. Fui trabalhar, imagine com que coração eu fui trabalhar. Só pensava no meu relógio. A noite ao sair do trabalho fui correndo. Ele ainda não estava lá. No outro dia, logo de manhã eu já estava à porta do seu estabelecimento. Ao encontra-lo lhe pedi o relógio. E ele na maior cara de pau me disse: “ Eu já o vendi, você não apareceu, eu o passei para a frente.”

Disse-lhe que teria voltado, mas ele não acreditou ou fingiu não acreditar. Quis saber dele a minha chance de recuperar o relógio e ele disse que não conhecia o comprador. Isso seria impossível. Quase chorando eu lhe disse: O senhor não podia fazer isso comigo...

E ele cinicamente deu uma risadinha e me disse: “Então por que você não vai reclamar na polícia?”

Nesse momento eu me senti como um trapo de gente. Fui vencido! As lágrimas não caíram dos meus olhos. Os meus olhos é que caíram de minhas lágrimas.

 Armando Melo de Castro.

 


Nenhum comentário: