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segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

A CRIANÇA QUE VIVE DENTRO DE MIM.


 O tempo mais distante que consigo buscar em minha memória, vem do princípio da década de 50. Eu que nasci no dia 16 de janeiro de 1946, estou contando, portanto, 76 anos, o que representa um monte de aniversários. Tenho muitas lembranças dessa data já passada, mas existe uma da qual nunca me esqueci e jamais esquecerei, e que me inspira esse comentário. Dela eu guardo as lembranças mais nítidas que poderiam ser chamadas de prefácio da história de meus aniversários; e que aconteceram no dia 16 de janeiro de 1951, quando eu completei 5 anos de vida.

O meu pai e meu tio João Delminda, tinham,então, uma oficina de selaria e sapataria anexa as nossas residências, na Rua Coronel João Afonso Lamounier. O meu tio Wantuil Delminda que também era meu padrinho de crisma, trabalhava na Manteigueira do Bonaccorsi, no Beco do Botafogo, Hoje, Rua André Pulhes. Todos os dias quando ia ou vinha do trabalho ele passava ali na sapataria, para aquele contato de irmãos. E no dia 16 de janeiro de 1951, quando eu dele tomei a bênção, minha mãe por perto disse: “Hoje é aniversário do Armando compadre, 5 anos já”. Ele me abençoou, me deu um abraço e enfiou a mão no bolso pegou 5 notas de um cruzeiro e disse: “ Olha aqui Armando, é uma nota para cada ano.

Se eu com 15 anos fui um menino tímido e acanhado, imagine com 5? Disse-lhe apenas obrigado porque a minha mãe logo determinou: “ Diga obrigado ao padrinho”. Fiquei com aquelas notas na mão sem saber o que fazer com aquilo. A minha cabeça rodopiou de todo jeito. Eu não entendia nada de dinheiro e nunca sequer havia visto uma nota em minhas mãos. A vida, era ainda para mim, uma incógnita.

Eu fico impressionado de ver como os meninos de hoje são ativos, diferentes, da criançada do meu tempo. É por isso que eu sempre falo, eu nasci adiantado. Gostaria de estar nascendo agora. Apesar dos pesares, hoje o mundo é muito melhor.

Depois minha mãe me explicou dizendo que com aquelas notas, o meu pai iria sair comigo e troca-las por uma coisa muito gostosa. E assim aconteceu. A noite, meu pai, me levou até ao Bar Piloto. Eu nunca havia entrado lá. Vi aquele povão assentado às mesas tomando bebidas. E um rádio falando alto, quando fomos atendidos pelo Sr. Afonso, o gerente do bar. Numa cena que jamais esquecerei, quando ele disse. “Esse é o melhor chocolate” E me entregou aquela maravilha de presente que as notas me deram. Meu pai, para aumentar a minha alegria comprou cinco balas compridas, e me disse esse é o meu presente. E o Sr. Afonso, ao saber que era o meu aniversário, deu-me um punhado de balas “nata”. E eu sai dali na maior felicidade. Eu não sabia então, o que era aniversariar. Foi um dia maravilhoso, pois eu tive contato com o dinheiro, ganhei abraços, fiquei conhecendo o chocolate, vi aquele movimento dos fregueses nas mesas. E jamais esqueci o gesto carinhoso do Sr. Afonso, espichando o braço para fora do balcão e me dando um saquinho da bala nata.

Eu comi aquele chocolate degustando aquele sabor até então desconhecido. Era um chocolate grande, pena que não sei o nome dele. Aliás os chocolates antigos eram grandes e não essas miniaturas de hoje. E o dia que ele acabou eu passei a esperar o próximo aniversário que só viria no dia 16 de janeiro do próximo ano.

Muitos anos depois, o Sr. Afonso Ferreira de Oliveira, assentado num banco dos jardins, já aposentado eu lhe disse: “ Das boas lembranças que eu tinha dele, o saquinho de balas, no dia do meu aniversário de cinco anos; a primeira água tônica que tomei na vida; o primeiro picolé, o primeiro sorvete, tantas coisas que eu experimentei a primeira vez servidas por ele. E ele com aquela sua elegância de homem sério, deu um sorriso e disse: “Você não sabe o quanto fico feliz por você me contar isso.”

Essa é a parte da minha infância que continua criança dentro de mim. É a parte que não cresceu e não envelheceu em mim. Esse dia foi tão feliz que consigo lembra-lo e reviver aquele momento. Busco-o como isca para me apoderar daquele mesmo sentimento que conta hoje 71 anos, ou seja, 16 de janeiro de 2022.

Armando Melo de Castro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lembranças ótimas.