Dona
Zica era uma senhora de meia idade que morava na Rua José Furtado, no Bairro da
Gruta, em Candeias, na época em que fomos vizinhos, no final da década de 50,
quando minha família residiu naquela rua até que meu pai construísse a nossa
nova casa na minha querida Rua Coronel João Afonso Lamounier.
De
estatura média, rosto bem traçado, cabelo castanho claro, ela gostava de uma saia de
brim grosso na cor marrom. Dizia que essa cor sujava pouco, portanto, era a sua
preferida e na parte superior do traje usava sempre uma blusa de algodão
encardida. Tinha uma falha no dente da arcada superior que jamais lhe intimidou
na hora de dar uma de suas boas gargalhadas. Possuía, ainda, os traços bem
feitos, contudo, faltava-lhe um bom trato.
Seu
marido era um desses chamados “brancão”. Olhos esbranquiçados, cabelos
amarelados, sujos, mal cuidados e a barba por fazer. Parecia ser bem devagar ou
bem pachorrento. Não parecia ser um homem do padrão agradável para uma mulher.
Quando passava perto da gente, exalava um forte cheiro de gambá morto. Dava a
impressão que fazia uso da água somente para beber. Eu suponho que ele nunca
teria usado um desodorante na vida.
Suely,
a filha caçula do casal, tinha 17 anos de idade. Era uma donzela de encher os
olhos de qualquer adolescente. Tinha a bundinha estufada, a cintura fina, com
pernas grossas e gostosas, o cabelo liso, os dentes perfeitos e uma voz doce.
Tudo na Suely era de tirar o chapéu. Era uma cabritinha pra ninguém botar defeito. Safadinha como ela só.
Raimundo,
o filho mais velho, era a cara do pai. Os dois viviam pelas roças e, somente
nos fins de semana, estavam em casa. Dona Zica, que mandava e desmandava na
família, dizia que aqueles dois homens que Deus lhe pusera na vida eram dois
pamonhas e que seriam capazes de pedir tempo a Deus para morrer de repente.
Eu
gostava muito de dona Zica. Eu, com os meus 15 anos, era um adolescente bobo
feito um tatu de galocha e respondia, quase sempre, somente as perguntas que me
faziam. Sentia-me muito inibido para puxar um papo com alguém, dando a
aparência que tinha vergonha, inclusive, da minha voz. Mas eu tinha uma coisa
comigo: pensava mais do que todo mundo. Aliás, como diz o provérbio árabe: “Alá
fez o homem com dois ouvidos e uma só boca para que este falasse menos
e ouvisse mais”. Consequentemente, dado ao meu jeito de ser, eu falava pouco e
ouvia muito, muito mais.
Além
disso, eu via muita coisa boa lá na casa da dona Zica. Como eu estava entrando
na adolescência e apesar de ser mais novo do que a sua filha Suely e como ela
era muito fresca, dada feito uma franga de galinheiro se enfeitando pra botar o
primeiro ovo, começava a brotar em mim aquela sensação de um frango querendo virar
um galo. Ela, com certeza, pressentia que eu gostava de encarar as suas belas
pernas desnudas, assim, salientava-as sem muito pudor para mim.
Logo, a
minha vergonha era incubada e os meus instintos obedeciam aos meus olhos que
catavam toda a safadeza da Suely.
Mas,
como eu ia dizendo, eu gostava muito de dona Zica. Talvez, por eu ser um menino
tímido, ela me dava muita atenção e eu acabei ficando cativo dela. Ela ria,
contava caso e xingava ao mesmo tempo. Brigava todos os dias com a sua filha e,
aos fins de semana, com a família toda.
Certo
dia, por volta da meia noite, quando a rua estava silenciosa, deu-se a
impressão que uma bomba havia caído na casa de dona Zica. A Suely passou mal,
teve enjoo e foi chamado, imediatamente, o médico da cidade, o Dr. Daniel
Barbato. Ele, após medicá-la, comunicou aos familiares que a menina estava
grávida. O médico saiu corrido da casa de dona Zica imaginando, naturalmente,
que o mundo estava acabando.
O rol
de palavrões saiu quase que num tempo só da boca de dona Zica, referindo-se ao
suposto pai da criança, Roberto, filho de um empregado da Ferrovia. O rapaz
andava manso, bem solto dentro da casa de dona Zica, prometia casamento e agora
se descobria que ele estava, silenciosamente, era coçando o inhame bem devagarzinho
e, com isso, vinha ao mundo, agora, mais um candeense, um mineiro e um
brasileiro sem ser chamado.
Dona
Zica ficou tão furiosa que ordenou ao seu marido que matasse o garanhão, pai da
criança, no caso dele não assumir o casamento. Afinal, ela não queria ter um
neto posto no mundo através de uma filha, tipo mosca varejeira. E o seu marido,
coitado, que estava acostumado a obedecê-la em tudo, ficou bravo pela primeira
vez na vida:
“Cê tá
doida, Zica! Onde já se viu matá um home! Eu nunca matei nem uma galinha, vô,
agora, matá um home!? Sô cê quizé cê mata, eu não! Dijeito nium!...”
E o
rapaz, irmão da moça, chamado Raimundo, parecia ser filho de pai e mãe só do
pai. Para não dizer que não opinava, gritou do canto da sala, em apoio ao pai: ---Quem
mandou ela reganhá o rabo! Agora, tem qui guentá!
E
assim, o rapaz, pai da criança, logo que soube da notícia que o seu nome estava
debaixo daquele frege todo devido à gravidez da moça, sumiu,
escafedeu-se, cascou fora como diziam os comentaristas do alheio.
A casa
de dona Zica era uma bagunça danada. Parece que via vassoura uma vez por
semana. Os utensílios de cozinha eram mal lavados em uma bacia no terreiro
sobre um pequeno estaleiro feito por ela mesma, não havia água corrente em
casa, o urinol ficava sempre cheio debaixo da cama, existia um gato no canto do
fogão, era cachorro apostando comida e a água usada na casa era colhida na
cisterna do vizinho.
Naquele
tempo, nem todas as casas possuíam água corrente e nem luz elétrica. Todo mundo
que passava pela rua escutava, naturalmente, a falazada de dona Zica no
interior da sua casa:
---Se
eu morrê, oceis tá é frito, cambada de pamonha! Aqui, tudo puxou a lesma
do pai. Aquele já nasceu com a bunda caída e os óio branco. Eu bem que divia
era de tê arrumado pá casá um criolo com mais sustância.
Diziam
as más línguas que dona Zica era bem chegada a um negão das bandas do Juca do
Nico. Muitas pessoas já o teriam visto pular o muro do fundo do quintal para
sangrar a coruja às altas horas da noite. Outras vezes, viam-no em visita
durante o dia, quando dona Zica dizia que se tratava de um primo por parte de
mãe. Todavia, ninguém acreditava nesse suposto parentesco.
A verdade é que os
dois coçavam o inhame, tranquilamente, quando o marido e o filho estavam para
as roças e a filha ausente.
Certo
dia, dona Zica que já falava alto, começou o dia falando mais alto ainda. O
motivo era que o pai do rapaz que engravidara sua filha apareceu em sua casa
tentando fazer um acordo com ela, uma vez que o filho ainda estava foragido
devido àquela situação, saindo da cidade com medo que lhe acontecesse algo de
ruim, pelo fato de ter engravidado a moça com quem prometera casamento, mas que
não estava disposto a cumprir tal promessa:
---Bom
dia, dona Zica!
---Bom
dia, mas, se o sinhor tá vino aqui pá pidi pinico, pode é tirá o cavalo da
chuva e dipindurá os arreio.
]---Eu
vim aqui, dona Zica, é porque nós precisamos entrar num acordo. Vamos esperar o
menino nascer para tomarmos um decisão. Se ele for parecido com o meu fio, eu
serei o primeiro a fazê-lo casar.
Quando
o pai do rapaz acabou de falar isso, quase tomou uma paulada na cabeça.
----Some
daqui, seu disgraçado! Ocê tá pensando que a minha fia é dessas vagabunda, tá?
--Eu
não estou pensando nada, dona Zica! É que o meu filho disse que só deu umas
pinceladas na sua filha e pincelada não faz filho.
----
Sai daqui cachorro sem dono!
----Cachorro
sem dono! Eu? Cachorro sem dono é o negão que vive pulando o muro do fundo do
seu quintal altas horas da noite. A senhora já viu falar num negão chamado Zico
Barba? A senhora garante que a sua filha é filha do seu marido? O seu filho é
um brancão e a sua filha é bem morena. A senhora já ouviu a história do
tico-tico e o chopim? Falou e saiu.
Final
da História:
Sueli
não ficou grávida. Diziam que o médico teria errado no diagnóstico, mas diziam
também, que ela teria feito aborto. ---
E eu
babava com as pernas da Suely. E perguntava a mim mesmo: Será verdade que o Roberto
viajou nesse avião??!! Ah! Que inveja!
Armando
Melo de Castro
Candeias
Casos e Acasos MG
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