Esse cara da foto sou eu no ano de1964 quando contava 18 anos. Eu já tinha me curado um pouco da minha timidez e do meu tipão bobo. Eu já podia notar que bobo também era grande parte dos meus contemporâneos. Mas comparando-se com a rapaziada de hoje, eu ainda era um jacu. Pouco antes desse tampo uma vizinha minha me deu uma cantada e eu quase morri de vergonha. Acho que fiquei vermelho igual um tomate. Depois fiquei um bom tempo puto da vida comigo mesmo, por ter perdido uma oportunidade daquelas na vida.
No ano de 1962, aos 16
anos, no auge da adolescência, eu na busca do desconhecido me entusiasmei com o
chamado correio sentimental. Eram endereços que os jovens colocavam nas
revistas, juntamente com os seus dotes físicos a fim de trocarem
correspondência. E diante disso, muitos namorados começavam por ai e muitos
chegavam ao casamento.
Os jovens tímidos e
bobos como eu gostavam muito disso. E eu ao folhear uma revista de fotonovela,
captei um endereço desses e comecei a me corresponder com uma jovem de Belo
Horizonte, residente na Rua Pitangui, 570, Bairro Floresta.
Era uma carta por
semana, uma ia e outra vinha. Quando eu ia até ao correio e tinha carta para
mim era como se fosse um presente dos céus. (Naquele tempo não havia
carteiros.) Foram mais de um ano ano de correspondência; as nossas vidas já
teriam sido destrinchadas. Eu, um rapaz pobre, me preparando para ir embora
para fora de Candeias, esperava apenas a maioridade, ou seja, completar 18
anos. Isso porque não havia para mim, futuro algum na minha tão querida terra. Eu já teria feito de tudo e não via futuro.
E ela, a minha
correspondente, era filha do dono de uma loja de materiais elétricos na Avenida
Olegário Maciel 303 em Belo Horizonte. Sua família gostava muito de viagens por
onde havia balneários. Passeava muito com os pais. Sua mãe, conforme ela dizia,
adorava viajar e conhecer novos lugares. Ela estudava, mas não tinha nenhum objetivo
sobre um curso definido. Às vezes dizia que iria ser médica, outra veze queria
ser dentista. Eu às vezes me sentia tão pobre tão humilhado diante de uma vida
tão rica. Uma vida, talvez sonhada por qualquer pobre. Mas diante das
circunstâncias eu sabia que aquilo não passaria de uma simples amizade. Eu
ainda não entendia que o coração tem certas razões que a própria razão
desconhece. E assim fui levando aquela amizade de sonhos que só transita nas
cabeças dos adolescentes. Até que num belo dia eu me vi em Belo Horizonte, após
uma longa economia para fazer essa viagem.
Comprei uma camisa de
gola rolê vermelha, um par de sapatos brancos; escovei os dentes com creme
dental “kolinos,” usei desodorante Lever, ensopei-me de perfume, "Madeira
do Oriente", besuntei os cabelos com brilhantina glostora, chupei uma bala
de hortelã, treinei um sorriso no espelho de um velho guarda roupa, num hotel
da Rua Curitiba... E assim, quando me senti o homem mais bonito do mundo, mais
sorridente, tentando jogar o acanhamento fora, para bem longe de mim, sai até à
porta daquele pobre hotel e tomei um taxi estacionado bem próximo, e como faz um rei, determinei ao motorista: Rua Pitangui, 570, Floresta...
Eu acho que nunca teria
me sentido tão feliz na vida... O céu mais azul, o sol mais brilhante, quem
sabe iria pintar o meu primeiro beijo? Afinal isso era sábado, eu iria ficar
até no outro dia domingo. Teria economizado para essa aventura, centavo por
centavo, e o bolso estava suprido. Parecia, até que eu estaria a caminho de
receber um prêmio da loteria. O meu coração jovem batia diferente como nunca
houvera batido. A cada metro que o carro rodava ele batia mais forte. De
repente o táxi parou. O motorista morenão, tranquilo com um baita bigode carijó,
estica o peito e diz: Rua Pitangui 570.
O meu coração nesta hora
quase parou. Fui saindo sem pagar; fui chamado pelo taxista e paguei. Esperei o
táxi se afastar. Aproximei-me bastante temeroso da casa do número 570. Tinha
ali uma pequena árvore; fiquei debaixo dela buscando coragem para chamar na
campainha, daquelas de botão preso no portal de entrada. Uma casa antiga, no
alinhamento da rua e sem garagem; portas meio vermelhas; telhas coloniais. Um
portão do lado. Vi sair por ele uma mocinha com uma sacola nas mãos. Ela era morena,
bem morena de cabelo lisos. Após a minha averiguação vi que aquela cabrita
poderia ser a Maria de Lourdes Felisberto... Assim era o nome da minha
ninfa encantada. A cor e os cabelos batiam. Mas foi impossível
identifica-la apenas naquele lance. Finalmente criei coragem. Chamei na
campainha, parece que o meu dedo tremia como se estivesse tomando um choque
elétrico.
A porta se abre. Surge
um senhor idoso de uns oitenta e tantos anos mais ou menos:
---Pois não, disse ele.
E eu meio engasgado,
meio assustado, bobo inteirado, pergunto:
---Aqui mora a Maria de
Lourdes Felisberto?
---Sim... Disse ele...
-
--Ela está?
---Sim, vou chama-la.
O velho adentrou-se para
o interior da casa, e eu ali desesperado, ansioso, curioso, na maior aventura,
então, da minha vida. Agora sim, agora o meu coração não batia ele apanhava. Ia
conhecer a Maria de Lourdes Felisberto, há mais de um ano trocando correspondência,
recebendo dela poesias, palavras carinhosas, elogios; dizia sempre que a minha
boca era linda e que gostaria de beija-la um dia... Que os meus cabelos eram
sedosos e de um castanho maravilhoso... Tudo isso observado segundo ela pelas
fotos preto e branco produzidas por uma velha Kodak, a mim emprestada, pelo
Vicente Melo, quando eu lhe comprava o filme. Ah! e como era bom ouvir aquilo
tudo! Eu recebia aquelas palavras escritas com uma caligrafia meio quadrada,
num tempo em que a letra bonita era chamada de redonda.
Era o momento! Meu Deus!
Será que esse povo vai me convidar para entrar? Pensava eu! E ela será tão
meiga quanto nas cartas, será tão linda como nas fotos. Naquele desespero
emocional, surge uma senhora idosa cabelos brancos, gorda, um vestido preto de
bolinhas brancas com a barra entre a canela e o joelho. Uns olhos esbugalhados,
dentuça igual à Dilma...
---Sim senhor, pois não!
Eu queria falar com a
Maria de Lourdes Felisberto!
---Sou eu, o que o
senhor deseja?
E eu apavorado, disse,
eu queria falar com a moça que me escreveu, com o nome da senhora!
---Ah! Isso é mais uma
arrumação da empregada aqui de casa. Ela saiu agora eu a mandei lá na Olegário
Maciel, na loja do meu filho. Você volta aqui a tarde ela sai do serviço às 4 horas.
Eu pensei cá comigo eu
quero é que ela vai para o meio do inferno. "Égua veia!!!" Naquele
momento eu tive a minha primeira desilusão de adolescente. Um tipo de
sentimento que somente os adolescentes conhecem. Eu estava com raiva e com
vontade de chorar. Agora eu só não sei se era vontade de chorar só de raiva.
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.