Certa vez
apareceu em Candeias um cidadão que atendia pelo nome de Joaquim. Ninguém ficou
sabendo se Joaquim de quê ou de quem... Sabe-se que “nas Candeias” é de bom
hábito as pessoas serem chamadas pelo seu nome acrescido do nome do pai, da
mãe, ou do cônjuge. Assim por exemplo:
João do Nestor, Zé do Ângelo, Carlinhos do Emílio, Luzia do Vico, Maria do Vete, Pedro da
Dalva, Doca do Carneiro, Maria do Antero e por ai vai. Acontece às vezes que
esse tipo de cultura pode até causar constrangimento como “Rola do Estevão...
Rola do Norberto”. Isso aconteceu certa vez quando alguém perguntou à esposa do
Norberto Cordeiro como se chamava e ela tranquilamente disse: “Eu sou a rola do
Norberto” E o cara começou a rir sem parar deixando a pobre senhora toda sem
graça.
Mas, voltando
ao assunto do Joaquim de ninguém, esse não era candeense. Teria chegado a Candeias trazido por um amigo chamado Eduardo, que tinha um armazem, na Rua Professor Portugal, onde hoje reside a família do Nenem da Zenóbia. Supõe-se, portanto que o ilustre desconhecido fosse de Itapecerica, também, como o comerciante Edudardo.--- Ninguem tinha certeza de onde ele saiu. Uma hora alguém dizia que ele era de Formiga, outra vez diziam de Itapecerica. O João Cambota que era viajante, disse que já o teria visto na cidade de Oliveira.
Itapecerica e outra de Campo Belo. E às vezes até de cidades distantes. Talvez
tenha vindo através das águas, e com certeza águas de enxurradas, isso porque
no pouco tempo em que se estabeleceu na cidade foi o suficiente para dar o cano
na venda do Antônio do Orcilino, e aprontar com outras pessoas, inclusive com
uma senhora distinta, como a Dona Lica do João Passatempo, que vendeu 2 feixes de lenha para ele e não recebeu. O bichão era escolado para passar a conversa nos outros.
E o meio que ele escolheu era de pessoas humildes, carentes, desprovidas de
tudo... Logo, logo, ele já foi fazendo, como se diz no linguajar do futebol:
foi fazendo o seu meio de campo.
Era um
camarada baixo, cabeça grande, cabelo na nuca, tinha uma meia calva, tipo testa
longa que lhe ia até ao meio da cabeça; cavanhaque e bigode bem aparados, olhos
fundos e boca grande; nariz avantajado cujas ventas cabeludas pareciam que iam
aspirar o mundo. Tinha uma voz macia e agradável. Ouvia atentamente as pessoas
para depois dar a sua opinião. Estava sempre trajando calça de brim e camisa de
mangas compridas, branca e de colarinho preso. Contava uns quarenta anos mais
ou menos e não tinha família. Bom, ele dizia que não tinha família, mas ele logo se ajeitou com uma candeense que morava lá pelos fundos do Bairro da Gruta e acabou engravidando a moça e depois disso ninguém nunca mais o viu. E a coitada ficou na rua da amargura.
O tal de Joaquim,
logo que aportou em Candeias alugou uma casa velha que existia nas
imediações da Praça Geraldo Cândido da Costa, e montou ali um tipo de clinica
de charlatanismo e saiu anunciando que era benzedor, curador, raizeiro, pai de
santo, quiromante e cartomante. Enfim, ele era tudo só não falou que era pai do
diabo. Apresentado aos primeiros adeptos por um tal de Eduardinho, de
Itapecerica, vendeiro estabelecido, onde hoje reside a família do Neném da
Zenóbia. Diziam-se amigos e como Eduardinho era chegado nessas crenças poderia
ter sugerido ao Joaquim, vir para Candeias.
Joaquim de ninguém, logo conseguiu formar um
pequeno rebanho de idiotas já envolvidos na sua conversa fiada; que sob um
efeito placebo, começou acreditar naquele elemento para o qual só faltava estar
escrito na sua testa: “Eu sou um malandro”.
O malandro
trouxe na sua tralha um secretário, um tal de Joãozinho, um mulato bem
apessoado de cabelos lisos amarelados; magro, bem lavado, anca de mulher, andar
de mulher, voz meio a meio. Ele orientava às pessoas a chamar o charlatão de “Pai
Joaquim”, marcava consultas, recebia pelos serviços, vendia as garrafadas,
inventava histórias e observava os homens que por ali passavam principalmente
os mais jovens, robustos e viris.
E essa
malandragem chegava a ultrapassar fronteiras, começou a vir gente de Campo Belo
e Formiga e de outros lugares. Na quarta e sexta feira eram dias de
incorporação. Na quarta o malandro incorporava um espírito de um tal Padre Jaci,
que resolvia os problemas de relacionamento, amores desarrumados, brigas de
casais etc. E nas sextas feiras ele recebia o espírito de um suposto Dr. João
Napoleão, um médico que curava até câncer, apesar de que naquele tempo câncer
era chamado de doença ruim. Nos demais dias ele dava passes e exercia as outras
especialidades. Atendia, também, em domicilio. Dava para ver que a fonte
monetária do Pai Joaquim começava a fluir ouro.
Um belo dia aparece
à porta desse mundo de soluções, um carro com placa da cidade Belo Horizonte.
Era um carrão. Desce ali um casal dando-se a entender tratar-se de pai e filha.
O motorista corpulento, já de cabelos grisalhos, rosto bem escanhoado, trajando
um terno de casimira. E a moça toda enfeitada como se tivesse vindo para um
desfile de modas, deveria contar uns vinte e cinco anos. O jeito de ambos expressava
tratar-se de gente inteligente e aristocrata.
Quando o
Joãozinho viu aquela gente adentrar aquele ambiente totalmente desconforme para
o seu porte, quase sentiu um orgasmo e lhes ofereceu um tratamento
diferenciado, levando-os para um cômodo da casa onde diziam ser o escritório do
“Pai Joaquim”, que naquele momento estaria em concentração, pois, entraria em transe
dentro de alguns minutos. Naturalmente estaria se preparando para atender
individualmente a cada um, sob o pagamento de “cinco cruzeiros” mais a venda da
água energizada por ele, seguido de uma prevista garrafada que ele fabricava
cujas raízes só Deus poderia dizer quais. Apenas os passes espirituais e as bênçãos
eram gratuitos.
A sala cheia
de gente aguardando ser chamada pelo Joãozinho, empanado num jaleco branco
parecendo um enfermeiro do Hospital da Clinicas. E de repente: “---Dona
Jussara, pode entrar, sem acompanhante”!
Depois de
aproximadamente quinze minutos sai correndo e aos gritos lá de dentro a Dona
Jussara: Ele me deu uma água para beber!!!... Ele me amoleceu... Ele me passou a
mão!!!...
E o pai da
moça, vai lá dentro, pega esse Pai Joaquim, dá nele uns sopapos e o nome mais
bonito que saiu lá de dentro foi FDP. Nada restou ao Joaquim de ninguém, a não
ser dizer que aqueles dois estavam encarnados no diabo.
É isso ai, nem todo aquele que vem em nome do Senhor, merece entrar no reino de Deus. E quem acredita em desconhecido, corre esse risco de ao invés de encontrar um pai de santo,
encontrar um pai de diabo.
Pai Joaquim desapareceu
no outro dia: não pagou a sua conta na venda do Antônio do Orcilino, não pagou
o aluguel, afiançado pelo Eduardinho. Mais tarde chegou a notícia em Candeias
de que o malandro estava em Goiás, com outro nome.
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos
Um comentário:
O tempo já passou, mas até nos tempos de hoje ainda tem gente fraca que sustentam esses charlatões meia tigela ou tigela cheia, como queiram.
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