Francamente, eu chego a pensar que certas coisas só acontecem
comigo! Eu não sou muito chegado em viagens; canso-me por pouco. Dirigindo
então, nem se fala. E nas viagens de ônibus dou sempre um azar danado. Morando
em Juiz de Fora, vou todo mês a Candeias visitar minha mãe e meus amigos. Estando
sozinho prefiro viajar de ônibus por ser mais seguro e menos cansativo. Desço
em Campo Belo, onde o ônibus da viação Gontijo me deixa no horário noturno
através da linha que liga Juiz de Fora a Uberlândia. E nessas viagens, sempre
nessas viagens, tem sido comum algo a me incomodar. Parece que sou azarado quando
viajo de ônibus, sempre me defronto com alguma coisa que me desassossega
durante a minha viagem feita normalmente durante a noite.
Entre tantos incômodos proporcionados por parceiros de
poltronas, já tive como, espirros fétidos, pés chulezentos, desodorante
vencido, punzinho, punzão, ou seja, pum silencioso ou estrondoso, fétido ou
não, roncos, celular dando notícia integral da vida do seu titular e outras
coisas mais... Quando penso que não há mais nada para acontecer dentro de um
ônibus onde estou viajando, sou surpreendido com algo novo. É de impressionar o comportamento humano e suas variedades.
Quando o coletivo tem poltronas vagas é fácil, pois, conforme o dito popular,
os incomodados que se afastem. Mas e quando ele está cheio?! Ai é que o bicho
pega. Quero ver se doravante não viajo mais às vésperas de feriados. É terrível!
Dizem que feriados que caem no sábado ou no domingo são como olhos verdes no
rosto de gente feia. Mas que nada. O feriado de 15 de novembro caiu num sábado
e o ônibus estava cheio.
Eram mais de 2 horas da manhã, quando tomo o “bus” na
rodoviária de Campo Belo, esperando que logo fosse puxar uma palhinha; isso
porque sou bom de cama dentro de um ônibus, mas, eu não sabia o que me
esperava. No coletivo lotado fui encontrar a minha poltrona de número 21, cuja
passagem teria sido previamente comprada, tomada por alguém que teria sido
mulher e fora transformada numa jamanta de mais ou menos uns cento e oitenta
quilos. Com o ônibus lotado eu não tive alternativa a não ser chamar a invasora
do espaço alheio a desocupar a área. Mas quando ela se levantou e se posicionou
assentada, metade da minha poltrona continuou ocupada. E a minha era do lado da
janela, Quando analisei o incômodo propus a troca de assentos, porque assim eu poderia
tomar um “arzinho”.
De forma sorrateira, tentei abrir a divisória das poltronas,
mas como? Não tinha como?! Quando eu me assentei, eu senti que a minha lateral
esquerda estava entrando na sua lateral direita. Mas eu não teria alternativa a
não ser ficar de pé. Portanto fiquei assentado e espremido. Daí começou o meu
suplício.
Na penumbra do ambiente eu pude ver que se tratava de uma
mulher que teria comido, durante toda a sua vida tudo que a natureza lhe proporcionara.
A sua estatura era de chamar a atenção. Um rosto cheio e grande; um nariz
parecendo que iria aspirar todo o oxigênio local. Olhos miúdos quase fechados;
a boca mostrando uns lábios enormes e vermelhos; uns cabelos curtos e pintados
de roxo quaresmal e um corpo todo moldado em toucinho. E eu ali, que já não sou
magro, espremido feito um limão. Parecia até uma guerra de corpos. Um querendo
engolir o outro.
Assim que chegamos à cidade de Perdões, ponto de apoio da
empresa Gontijo, eu desci tomei um café e comprei uma água mineral, porque
sempre tenho sede durante as viagens e a próxima parada para lanche seria
somente na cidade de Barbacena, a mais de 150 quilômetros dali. Fora disso só
embarque e desembarque. Quando voltei a tomar o meu lugar, dada à partida do
ônibus, a passageira minha parceira já teria tomado de novo o meu espaço.
Começamos tudo de novo. E só me restou rezar para que a sua viagem não fosse
terminar no fim da linha como a minha; que ela viesse a descer numa das
próximas paradas, quando ela me pergunta que lugar era aquele de onde estávamos
partindo. Perdões, disse-lhe. E numa nova pergunta, se Juiz de Fora ainda
estava muito longe. Nesse momento eu pensei: Meu Deus! Qual o mal que Lhe fiz?
Eu nesta situação só pode ser castigo. Eu ir daqui até Juiz de Fora nesta
situação?! Clamei por Jesus! --- E a inconveniente passageira deu de querer
conversar quando senti um terrível mau hálito vindo das profundezas do seu
organismo. E eu pensei: Agora estou frito! Não dei papo porque o aroma do ar
aconselhou-me silêncio total. Inclusive fingir de morto.
A próxima parada seria a cidade de Lavras, mas infelizmente
desceram apenas três passageiros e outros três entraram para tomar os seus
lugares. Continuou a viagem e a próxima parada seria São João Del Rei. E eu
ali, apertado, mal acomodado com aquela invasão de espaço, um ar impuro que me
confundia o bafo de onça com odor de jaratataca.
Eu com a minha garrafinha d´água me preparando para toma-la
quando ela tranquilamente disse: ----“O senhor pode me dar um pouquinho da sua
água para eu tomar um comprimido?”.
Passei-lhe a garrafa d’água no que ela tomou a metade e
devolveu-me o resto. Agora eu com sede e sem água. Claro eu não beberia aquele
resto.
Felizmente, em São João Del Rei, desceram dois filhos de Deus
que deixaram as suas poltronas de herança para mim. Eu não sei o que seria de
mim se eu tivesse que ir até ao fim da viagem espremido daquele jeito. A sede
eu fui mata-la somente na cidade de Barbacena.
Em Juiz de Fora ao desembarcar, pude me ver cara a cara com aquela
pobre mulher, naturalmente cheia de problemas de saúde devido à sua obesidade mórbida
e que toda a inconveniência a mim causada não lhe teria sido por sua vontade.
Talvez isso lhe tivesse deixado chateada, pelo olhar humilde e desajeitado que
teria me lançado. Nesse momento doeu em mim. Senti remorsos e o tribunal da
minha consciência, me condenou como filho de Deus. Eu via naquele momento o que
eu deveria ter visto durante a viagem e não vi. Ela não se comportou mal. Ela
apenas era uma pessoa fora dos padrões normais e que não cabia a mim julga-la a
não ser sendo egoísta como teria sido.
Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos.
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