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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

PULANDO O MURO PARA COÇAR O INHAME.

Dona Zica era uma mulata de meia idade que morava na Rua José Furtado, no Bairro da Gruta, em Candeias, na época em que fomos vizinhos, no final da década de 50, quando minha família residiu naquela rua até que meu pai construísse a nossa nova casa na minha querida Rua Coronel João Afonso Lamounier.
De estatura média, rosto bem traçado, cabelo hirsuto, ela gostava de uma saia de brim grosso na cor marrom. Dizia que essa cor sujava pouco, portanto, era a sua preferida e na parte superior do traje usava sempre uma blusa de algodão encardida. Tinha uma falha no dente da arcada superior que jamais lhe intimidou na hora de dar uma de suas boas gargalhadas. Possuía, ainda, os traços bem feitos, contudo, faltava-lhe um bom trato.
Seu marido era um desses chamados “brancão”. Olhos esbranquiçados, cabelos amarelados, sujos, mal cuidados e a barba por fazer. Parecia ser bem devagar  ou bem pachorrento. Não parecia ser um homem do padrão agradável para uma mulher. Quando passava perto da gente, exalava um forte cheiro de gambá morto. Dava a impressão que fazia uso da água somente para beber. Eu suponho que ele nunca teria usado um desodorante na vida.
Suely, a filha caçula do casal, tinha 16 anos de idade. Era uma donzela de encher os olhos de qualquer adolescente. Tinha a bundinha estufada, a cintura fina, com pernas grossas e gostosas, o cabelo liso, os dentes perfeitos e uma voz doce. Tudo na Suely era de tirar o chapéu.
Raimundo, o filho mais velho, era a cara do pai. Os dois viviam pelas roças e, somente nos fins de semana, estavam em casa. Dona Zica, que mandava e desmandava na família, dizia que aqueles dois homens que Deus lhe pusera na vida eram dois pamonhas e que seriam capazes de pedir tempo a Deus para morrer de repente.
Eu gostava muito de dona Zica. Eu, com os meus 12 anos, era bobo feito um tatu de galocha e respondia, quase sempre, somente as perguntas que me faziam. Sentia-me muito inibido para puxar um papo com alguém, dando a aparência que tinha vergonha, inclusive, da minha voz. Mas eu tinha uma coisa comigo: pensava mais do que todo mundo. Aliás, como diz o provérbio árabe: “Alá fez o homem com dois ouvidos e uma só boca para que este falasse menos e ouvisse mais”. Conseqüentemente, dado ao meu jeito de ser, eu falava pouco e ouvia muito, muito mais. Além disso, eu via muita coisa boa lá na casa da dona Zica. Como eu estava entrando na adolescência e apesar de ser mais novo do que a sua filha Suely e como ela era muito fresca, dada feito uma franga de galinheiro se enfeitando pra botar começava a brotar em mim aquela sensação de um frango querendo virar um galo. Ela, com certeza, pressentia que eu gostava de encarar as suas belas pernas desnudas, assim, salientava-as sem muito pudor para mim. Logo, a minha vergonha era incubada e os meus instintos obedeciam aos meus olhos que catavam toda a safadeza da Suely.
Mas, como eu ia dizendo, eu gostava muito de dona Zica. Talvez, por eu ser um menino tímido, ela me dava muita atenção e eu acabei ficando cativo dela. Ela ria, contava caso e xingava ao mesmo tempo. Brigava todos os dias com a sua filha e, aos fins de semana, com a família toda.
Certo dia, por volta da meia noite, quando a rua estava silenciosa, deu-se a impressão que uma bomba havia caído na casa de dona Zica. A Suely passou mal, teve enjôo e foi chamado, imediatamente, o médico da cidade, o Dr. Daniel Barbato. Ele, após medicá-la, comunicou aos familiares que a menina estava grávida. O médico saiu corrido da casa de dona Zica imaginando, naturalmente, que o mundo estava acabando.
O rol de palavrões saiu quase que num tempo só da boca de dona Zica, referindo-se ao suposto pai da criança, Roberto, filho de um empregado da Ferrovia. O rapaz andava manso, bem solto dentro da casa de dona Zica, prometia casamento e agora se descobria que ele estava, silenciosamente, era sangrando a coruja bem devagarzinho e, com isso, vinha ao mundo, agora, mais um candeense, um mineiro e um brasileiro.
Dona Zica ficou tão furiosa que ordenou ao seu marido que matasse o garanhão, pai da criança, no caso dele não assumir o casamento. Afinal, ela não queria ter um neto posto no mundo através de uma filha, tipo mosca varejeira. E o seu marido, coitado, que estava acostumado a obedecê-la em tudo, ficou bravo pela primeira vez na vida:
Cê tá doida, Zica! Onde já se viu matá um home! Eu nunca matei nem uma galinha, vô, agora, matá um home!? Sô cê ocê quizé matá! Eu não! Dijeito nium!...”
E o rapaz, irmão da moça, chamado Raimundo, para não dizer que não opinava, gritou do canto da sala, em apoio ao pai:
---Quem mandou ela se arreganhá! Agora, tem qui guentá!
E assim, o rapaz, pai da criança, debaixo daquele frege todo devido à gravidez da moça, sumiu, escafedeu-se, cascou fora como diziam os comentaristas do alheio.
A casa de dona Zica era uma bagunça danada. Parece que via vassoura uma vez por semana. Os utensílios de cozinha eram mal lavados em uma bacia no terreiro sobre um pequeno estaleiro feito por ela mesma, não havia água corrente em casa, o urinol ficava sempre cheio debaixo da cama, existia um gato no canto do fogão, era cachorro apostando comida e a água usada na casa era colhida na cisterna do vizinho. Naquele tempo, nem todas as casas possuíam água corrente e nem luz elétrica. Todo mundo que passava pela rua escutava, naturalmente, a falazada de dona Zica no interior da sua casa:
---Se eu morrê, oceis tá é  frito, cambada de pamonha! Aqui, tudo puxou a lesma do pai. Aquele já nasceu com a bunda caída e os óio branco. Eu bem que divia era de tê arrumado pá casá um criolo com mais sustância.
Diziam as más línguas que dona Zica era bem chegada a um negão das bandas do Juca do Nico. Muitas pessoas já o teriam visto pular o muro do fundo do quintal para sangrar a coruja às altas horas da noite. Outras vezes, viam-no em visita durante o dia, quando dona Zica dizia que se tratava de um primo por parte de mãe. Todavia, ninguém acreditava nesse suposto parentesco. A verdade é que os dois coçavam o inhame, tranquilamente, quando o marido e o filho estavam para as roças e a filha na aula de costura.
Certo dia, dona Zica que já falava alto, começou o dia falando mais alto ainda. O motivo era que o pai do rapaz que engravidara sua filha apareceu em sua casa tentando fazer um acordo com ela, uma vez que o filho ainda estava foragido devido àquela situação, saindo da cidade com medo que lhe acontecesse algo de ruim, pelo fato de ter engravidado a moça com quem prometera casamento, mas que não estava disposto a cumprir tal promessa:
---Bom dia, dona Zica!
---Bom dia, mas, se o sinhor tá vino aqui pá pidi pinico, pode é tirá o cavalo da chuva e dipindurá os arreio.
---Eu vim aqui, dona Zica, é porque nóis precisa intrá num acordo, sô. Vamo isperá o minino nascê prá nois vê o que nois fais, uai. Se ele fô paricido com o meu fio, eu sô o primeiro a fazê ele casá, nem qui seja na marra. Agora, se num parecê, aí a senhora vai me discurpá, mais num vai tê casório não.
----Some daqui, seu disgraçado! Ocê tá pensando que a minha fia é dessas vagabunda, tá?
---Eu num tô pensano nada, dona Zica! É que o meu fio falô que só deu umas pincelada na sua fia e pincelada num dá pá fazê fio, não? E dispois já tá na boca do povo que ela é iguarzim a mãe! É chegada num neguinho. A senhora já oviu falá num cabritão, chamado Zico Barba das banda do Juca do Nico? Pois é! A sinhora diz que ele é primo da senhora, Dona Zica, acuntece que ele é muito amigo meu e eu sei de tudo da vida dele e o meu fio tamém sabe. O que a senhora acha então de aceitá o meu acordo, dona Zica?!
Assim, dona Zica, teve que se render e acabou assentando em seu próprio rabo.
Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos mg
 
 
 
 

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