Certa vez,
assistindo o programa Fantástico da Rede Globo de Televisão, eu vi o repórter
Zeca Camargo em uma excursão pelo mundo, experimentando as iguarias pelos
países em que passava. Chegando às Filipinas, ele tentou comer um ovo cozido,
após dezoito dias de incubação, ou seja, o denominado ovo choco para nós
brasileiros.
O rapaz apesar de ser um repórter experiente e de estar imbuído da
missão jornalística de mostrar aos brasileiros os variados costumes alimentares
de outros países e mesmo, ainda, sendo um cidadão viajado e de ter
experimentado os diferentes e exóticos tipos de alimentação de outros povos,
não deu conta de comer o tal ovo galado e encubado por dezoito dias. Ele
tentou, contudo, por mais que se esforçasse não conseguia provar aquele tipo
alimento de aparência horrível que para nós brasileiros seria, simplesmente,
uma coisa repugnante.
Eu que, então, residia na cidade de Lagoa da Prata e tinha como vizinha
uma irmã de caridade filipina, corri para comentar, com a mesma, sobre a
referida reportagem em que um repórter brasileiro não teria suportado sequer
sentir o cheiro daquela “coisa”. A freira que, também, assistira o
dito programa, disse-me que teria ficado com água na boca e que desejou muito estar
ao lado daquele jornalista para que não fosse desperdiçada aquela delícia.
Naquele momento, comentou que aquele tipo de ovo era uma das iguarias
mais apreciadas em sua terra natal. Repetiu com ênfase os termos da reportagem,
dizendo ainda, que tanto o ovo incubado de pato quanto o de galinha tinha a
mesma aceitação entre a população. Mencionou que aquele alimento pode ser
adquirido em qualquer feira das cidades e que é chamado, por lá, de “balut”.
Continuou explicando que quando o ovo completa dezoito dias de incubação
está no ponto ideal, pois o pintinho já se encontra cabeludinho, o que fica uma
delícia. Concluiu dizendo que, infelizmente, desde que viera para o Brasil não
tivera como degustar tal acepipe tão comum em sua terra, tendo em vista se tratar
de um petisco impossível de ser conseguido no nosso meio.
Eu que criava galinhas, em meu quintal, e no intuito de agradar a minha
vizinha estrangeira, resolvi lhe prometer colocar alguns ovos sob uma galinha
para que, após os dezoito dias ideais, ela pudesse se deliciar com uma iguaria
tão difícil de ser conseguida aqui no Brasil.
Diante dessa promessa, a freira deu até pulos de alegria. Logo, preparei
uma galinha e a coloquei para chocar quinze ovos, cuidadosamente, escolhidos e
já comecei a aguardar o dia de fazer a entrega para a pretendente.
Chegado o dia “D”, preparei os ovos em um tacho de água fervente e, após
cozinhá-los, os entreguei à freira que os recebeu na maior felicidade. E eu,
feito uma besta, lhe disse que gostaria de vê-la experimentar um ovo daqueles
visando confirmar a minha cortesia. E ela, em um verdadeiro orgasmo, tomou-se
de sal e pimenta do reino, quebrou um ovo daqueles e começou a comê-lo na minha
presença. Aquele pinto peludo exalando um cheiro horrível e a velha senhora comendo
aquilo como que se estivesse degustando o alimento mais saboroso do mundo.
Diante daquilo, apressei-me em me retirar dali haja vista que, por mais
um pouco, eu teria vomitado na presença dela. Foi uma coisa horrível ver aquela
freira comer aquele ovo mal cheiroso, além de acumular em mim o remorso de ter
cozinhado vivo os pobres viventes que estavam para nascer. Todavia, como eu fiz
aquilo com a melhor das intenções, acredito que fui perdoado ao pedir perdão
aos céus diante daquela extravagância.
No dia seguinte, a minha mulher que estava cheia de curiosidade quis
saber da irmã o que teria achado do agrado que eu lhe teria proporcionado e a
velha freira toda empolgada, parecendo uma nubente na noite de núpcias, disse
sem titubear:
--- Pintinho cabeludinho munto gotoso! Delicioso! Adorê e comê
tudo!..
Armando Melo de Castro