Foto para ilustração do texto.
Zeferino
veio da zona rural para tentar viver na cidade. Ele era uma
verdadeira pamonha. Se
não fosse a sua mulher se matar na lavação de roupa, na cata de
café e na venda de coisas de porta em porta, o filho Pedrinho nem
teria o que comer.
Não
possuía uma profissão. Para a labuta de roça, ele não prestava.
Morou de agregado em uma fazenda pelos lados da cidade de Camacho e,
segundo contavam, era do tipo Jeca Tatu, o famoso personagem de
Monteiro Lobato. A diferença é que Zeferino não tomava
lombrigueiro e nem Biotônico Fontoura, portanto, era pior que o
próprio Jeca, haja vista ter ficado a vida inteira como um
lombriguento dizendo que isso ou aquilo não valia a pena. Até que
um dia se viu sem qualquer expectativa de trabalho no campo e
resolveu ir para a cidade. Mal sabia ele que na cidade a
sobrevivência seria muito mais difícil, isso porque na cidade há
gastos como casa para morar, consumo de luz, leite, água, verduras e
outras coisas mais que empregado de fazendeiro, às vezes, não
compra e nem paga.
O
único serviço que Zeferino arrumou foi o de servente de pedreiro.
Todavia, chegou um determinado momento que nenhum pedreiro o queria
como seu ajudante. Ele era mole demais, reclamava de tudo, chegava
atrasado ao serviço e era sempre escravo do relógio. Vivia se
queixando de ser pobre e era, demasiadamente, invejoso. Para ele,
Deus não era justo porque uns tinham carro e outros, como ele, não
tinham. Alguns possuíam casa para morar e outros, como ele, não
possuíam. Além disso, ele reclamava de não poder comer carne todos
os dias, uma vez que esta era a iguaria que Zeferino mais gostava.
Galinha
que caísse em seu terreiro entrava na sua panela. O mandiocal no
lote vizinho do Antônio do Bastião quase acabou. Zeferino estava
tão à vontade para roubar as mandiocas do Antônio que chegava a
arrancá-las para vender.
Zeferino
era um sujeito bem feio. Ele era baixo, cheio, cabelo amarelado com a
forte aparência de sujo, com barba de bode, tinha apenas o queixo e
o bigode, com dentes mal cuidados e uma grande pinta junto ao pé do
cabelo e ainda uma grande verruga no alto da orelha esquerda
parecendo um brinco de cabeça para baixo. Com uma voz mansa, muitas
vezes, precisava pedir para repetir o que dizia. Devia ter uns trinta
anos, mais ou menos. Era casado com uma mulher completamente avessa a
ele, pois ela era trabalhadeira e muito bonita. Quando passava
notava-se o seu corpo balançando dentro do vestido e os apreciadores
comentavam: “O que essa mulher viu naquele
Zeferino? Isso é um bife na boca de um
cachorro!”
Eles
tinham apenas um filho. Pedrinho com apenas seis anos de idade, era
como diziam: “O pai escarrado”. Dava
para ver que o filho seria no futuro o espelho do pai.
Era
tipo de marido que não aborrecia a mulher. Vivia elogiando a patroa
e, constantemente, dizia que se tratava de uma mulher honrada, que
não o traía e que, ao final, teria dado muita sorte ao encontrá-la
na vida. O vizinho dos fundos, que também era dono do barraco em que
vivia Zeferino, criava galinhas soltas e, às vezes, passava para o
pequeno quintal de Zeferino um frango ou uma galinha que nunca mais
voltavam. Ele, cuidadosamente, furava um buraco e enterrava as penas
do galináceo. Gostava bastante de uma galinha feita à moda
cabidela, com quiabo e angu, acompanhados de arroz e uma caprichada
garrafa de pinga e, para isso, era esperto.
O
vizinho senhorio descobriu que as suas galinhas estavam vasando no
buraco da cerca, contudo, não disse nada. Certo dia, ele chegou a
ver quando Zeferino, cuidadosamente, jogava milho para atrair a
galinha a fim de subtraí-la de seu dono.
O
vizinho chamava-se Geraldo e vivia da renda de uns barracos alugados
e de um sítio em que produzia alguns litros de leite, uns porquinhos
e outras coisas mais. Contava, mais ou menos, com uns quarenta anos e
se encontrava, portanto, na idade do lobo. Tinha a estatura mais que
média, a cabeça sempre coberta por um chapéu cowboy, a cara
redonda, a barba bem feita e um bigodão de sopa. O pescoço era
curto e as roupas bem aprumadas. Quando passava, exalava um cheiro
forte de perfume de feira e o seu porte traduzia um tipo de Dom Juan
barato. Enviuvou-se há algum tempo, acabando por morar sozinho e
vindo a cozinhar a sua própria comida. De vez em quando, aparecia
uma mulata para lavar a sua roupa e limpar a sua casa. Diziam as más
línguas que a cabrocha também lhe prestava outro tipo de serviço.
Zeferino
recebia, de vez em quando, a visita do vizinho que, às vezes, tomava
com ele um gole de pinga, comia um pedaço de mandioca frita como
tira-gosto e comendo, por muitas vezes, até mesmo um pedaço de suas
próprias galinhas. Por seu lado, Geraldo também se fazia agradável
trazendo-lhe uma dúzia de ovos, um molho de couves, um pouquinho do
feijão do sítio, um pedacinho de carne etc e tal e, assim, no
beira-beira de vizinho, Geraldo se encontrava, habitualmente,
papeando na cozinha do Zeferino que se sentia muito honrado com
aquela hospitaleira e lucrativa amizade.
Vendo
Zeferino sem trabalho, Geraldo resolveu empregá-lo em seu sítio
cujo trabalho seria tomar conta dos porcos, das galinhas, das poucas
vaquinhas e da pequena horta de couve. O salário era pouco, mas,
para quem estava sem fazer nada foi um verdadeiro achado.
Por
ocasião da visita do antigo Bispo da Diocese de Oliveira, em
Candeias, Dom José Medeiros Leite, era hora de crismar o Pedrinho e
o vizinho, o senhorio, o patrão e amigo de cozinha, se tornaria
agora, também, o seu compadre. Geraldo foi convidado para padrinho
de crisma do Pedrinho. Dessa maneira, foi uma festa a crisma do
menino. O compadre Geraldo presenteou com uma leitoa, duas galinhas e
dez litros de leite para a festa, sem contar o marrão de caruncho
dado de presente para o afilhado. Assim, era cumpá
Gerardo daqui, cumpá Zifirino dali, cumá Maria de cá e, nessa
toada, foi sendo tocada a vida por ali. Cumpá Gerardo já quase não
ia ao sítio. - “Lá, quem
cuida é o cumpá Zeferino! dizia
sempre.
Certo
dia, quando estava no sítio, foi acometido por uma forte dor nos
rins e resolveu ir embora para a casa a fim de cuidar de seu incômodo
problema. Contudo, ao entrar em sua casa, pela cozinha, através de
um pequeno portão ao lado do barraco, escutou uns gemidos de quem
estava subindo a escada de um orgasmo. Ele parou e, cautelosamente,
ficou ouvindo o que se passava no interior do seu quarto e reconheceu
a voz da Maria e do cumpá Gerardo que com voz cansada dizia:
---
Cumá do céu! Ocê sabe fazê o negócio bem
feito, sô! Ocê é muito mió do que eu pensava!
E
ela respondia, candidamente:
---
Ah, cumpá, isso é a sicura que eu tava nela. Eu já tava ficano era
doida.
Diante
disso, Zeferino dá um tempinho e, logo depois, resolve ir até ao
quarto em cuja porta havia somente uma cortina de chita. Neste
momento, ele vê o seu cumpá assentado aos pés da cama sem camisa e
a Maria lhe passando as mãos nas costas, com os cabelos
despenteados, as roupas amassadas e um olhar molengo fluindo orgasmo
como se tivesse se despencado do último degrau de uma escada
orgásmica.
---Uai,
o quê que acunteceu cumpá Gerardo?
---Nada
não, cumpá Zifirino! Eu qui pidi pá cumá Maria tirá um berne nas
minhas costa. O diabo do bicho tava me incomodano.
---Êh,
cumpá Gerardo! Cala a boca, sô! Incomodado tá é eu com uma corca
de rim das braba. Mais qui trem danado, rapaiz!...
E
a vida continuou...
Armando
Melo de Castro.
Candeias
Casos e Acasos
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