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domingo, 3 de março de 2013

UM CANDEENSE MALOGRADO.


Vista parcial de Candeias - Minha terra querida.
É lamentável que existam pessoas que não saibam assumir os seus problemas, os seus defeitos, as suas fragilidades ou, ainda, as suas incompetências. Essas pessoas acham que é mais fácil culpar alguém, até mesmo a sociedade, omitindo, assim, os seus erros quando seria muito mais elegante, comprovando maturidade, elas admitirem as suas responsabilidades diante dos seus fracassos. É sinal crasso de imaturidade buscar subterfúgios na ânsia em se defender do indefensável. Um exemplo emblemático disso, encontramos naquela conhecida alegação de quem diz que não melhorou de vida porque nunca soube puxar o saco de ninguém. As vítimas dessas perturbações morais causadas por indignação, aversão, por vezes, até repulsa se tornam pessoas chatas e pedantes diante do seu egocentrismo. Neste contexto, temos que admitir que se tratam, na realidade, de vítimas de um conflito social.

Há alguns dias, quando eu estacionava o carro na praça, defronte ao Banco do Brasil, encontrei-me com um conterrâneo e amigo meu que há muito não o via. Fazia tanto tempo que a gente não se encontrava que já éramos quase que desconhecidos, tendo em vista as alterações que o tempo promoveu em nossos físicos. Desconfiados, nós nos identificamos e nos vimos abraçados depois de uns quarenta anos, mais ou menos. Após alguns minutos, próximos da Igreja do Bom Jesus, a igreja na qual frequentamos as aulas de catecismo, nós trouxemos, à tona, a nossa infância e a nossa juventude. Dado ao desenrolar da sua história eu não direi o seu nome e o tratarei aqui apenas por meu amigo.

 Meu amigo que tem a idade caminhando junto a minha, dizia, em uma constante exaltação, que hoje se encontra, financeiramente, muito bem de vida. Todavia, em crescente lamúria, ressalvava que para isso não devia nada a “esta terra”, na qual passou até fome, nunca tendo lhe acolhido como um filho. Parece que me escolhera para um desabafo ao denegrir, desnudar e desmoralizar o local no qual nasceu. Trazendo, no fundo da sua alma, insistente mágoa de quem um dia foi ludibriado pela sorte diante de uma vida que ofereceu muito a uns e quase nada para outros.

 Eu, ao contrário dele, amo a minha terra. Se Deus me colocou aqui, não foi por acaso. E se tive de sair para ganhar a vida fora, isso jamais foi e será motivo para que eu venha a desnudar, denegrir ou desfazer daquilo que o Criador me deu o direito de falar: MINHA TERRA. É como dizia o meu amigo, Rômulo Nardi: “A palavra minha é uma grita ao olho.”. Entendo que devemos florescer o lugar em que Deus tenha nos colocado, mesmo que venha a ser sobre uma pedra, um rochedo. Quantas pessoas nasceram ricas aqui em Candeias e hoje estão pobres? E, contrariamente, quantos nasceram pobres e que agora estão ricos? Se fizermos a nossa parte, não precisaremos ficar em um autêntico vale de lágrimas para justificarmos aquilo que não conseguimos fazer. Aquele que planta, colhe. Falar mal do lugar em que nascemos é repudiar aquilo que Deus nos determinou. É, também, desconhecer os critérios lógicos da Obra da Criação de Deus. Eu sempre vivi e ainda vivo fora de Candeias. Entretanto, estou sempre aqui comungando a mesma hóstia com a minha mãe em seus oitenta e cinco anos de idade.

 Dizia, o meu amigo, de uma forma pouco elegante, que aqui é terra de um povo atrasado, de cabeça fechada e que só estaria aqui em visita a um amigo doente que lhe teria matado a fome, algumas vezes, durante a sua infância. Exaltava que é uma cidade que não favorece ninguém, que não há emprego, é sem cultura, enfim, sem nada.

 Diante daquela postura, que, sob os meus olhos de bairrista, já me deixava um tanto desconfortável, eu fiz questão de ouvi-lo, atentamente, para depois me manifestar, emitindo minha opinião e fazendo meus comentários. E , assim, ele continuava: “Eu nunca entrei naquele clube ali (indicando o atual Fórum, sede do antigo Clube Recreativo Candeense). Emprego aqui para mim só foi de servente de pedreiro ou de ajudante de caminhão. Hoje, eu tenho um apartamento muito bom em São Paulo. Tenho duas casas de aluguel na Vila Sabrina e ainda tenho uma mercearia que me dá uma renda muito boa e serviço para os meus dois enteados. Minha mulher é enfermeira aposentada e ganha uma nota. Eu não sou ainda aposentado porque o tempo que eu fiquei aqui, nesta merda, eu o perdi.”

 Com essa última informação, eu pude sentir que o meu interlocutor papudo começava a declinar perante os meus ouvidos aquilo que me fazia compreendê-lo. Entre mim e ele, a diferença de idade é muito pequena e, então, porque ele ainda não teria se aposentado? Ele foi para São Paulo na mesma época em que eu fui. Lembro-me, enquanto tínhamos contado, sei que fora cobrador de ônibus em São Paulo. Entretanto, eu já me encontro aposentado há dezessete anos!...

 E como já se encontrava um tanto cansado de esnobar os seus méritos, culpando Candeias por seus fracassos, resolveu, num estalo, demonstrar a sua capacidade financeira quando me convida para ir com ele até ao Bar Piloto para tomarmos Uísque. Eu notara que ele já havia ingerido bebida alcoólica, dado ao forte cheiro que exalava sobre o meu rosto enquanto falava. Dispensei o convite e, neste comenos, eu me preparava para me despedir, contudo, ele teria dado um nó em minha garganta que necessitava de ser desatado. E, assim, comecei:

 A vida é assim, meu amigo:

 Às vezes, as pessoas se revoltam com a vida, com o meio em que nasceu, todavia, sem maiores motivos. Mas, isso é compreensível. Procure colocar a sua cabeça no lugar. Você cobra de Candeias o fato de ser filho de um conflito. Parece que está aqui para se vingar. Porém, enfim, o que você fez por Candeias? Parece que você nunca amou a sua terra, nem mesmo quando criança. Você já falou de uma porção de gente, inclusive alguns mortos e que a meu ver eram boas pessoas.

 Lembra-se quando fomos colegas de escola? Você era muito revoltado e um dia que a professora pediu o nome de seus pais você disse que era filho de uma puta. A turma fez um olé e você saiu rogando praga em todo mundo.

 Você era criado por sua avó. Certa vez, deu de querer saber quem era o seu pai e, como a sua avó não sabia nem do paradeiro de sua mãe, você ameaçou a pobre velha com um disparate de palavrões.

 Você se lembra do engenheiro espanhol que construiu a praça central de Candeias, o Dr. Juan Fabra Romero? Eu e você éramos serventes de pedreiro na construção da praça central. Você, por muitas vezes, faltava do serviço sem mais e sem menos. O engenheiro lhe dispensou dos serviços e você o mandou tomar não sei aonde, na frente de todo mundo!?

 Lembra-se, também, daquela vez que você roubou umas garrafas vazias e as vendeu para comprar cigarros. E, por falar em cigarros, você ainda menino fumava. Você deve ainda se lembrar de quando enfiou um cigarro aceso no braço do Marcio da Quinha do Dedé, somente porque ele comentou que você estava fumando no banheiro da escola? Nossa! Aquela, talvez, seja a pior de todas as suas...

 Olha, meu amigo, eu me recordo muito bem de você. Fomos, no mesmo tempo, meninos e também colegas. Você não era flor que se cheirasse. Chamava as professoras de puta. Era levado, quase sempre, ao gabinete da diretora e, só não foi expulso da escola, porque o sistema daquela época era muito contemplativo, em termos de expulsão. Entretanto, como naquele tempo permitia-se às professoras baterem nos alunos, você vivia debaixo de vara.

 Eu sei que você melhorou de vida porque herdou da sua mulher, em São Paulo, uma pequena mercearia. Mas, quem manda por lá é ela e os filhos de seu primeiro casamento, os seus enteados. Sei que você não tem filhos. Eu conheço a sua história porque assim me disse o seu primo, Toninho. Você teve a sorte de se casar com uma mulher afortunada. Dessa maneira, o patrimônio que você diz lhe pertencer não foi resultado de seu trabalho. O seu parente que você maldiz me disse que você ganhou na loteria ao ter casado com uma viúva e que você a obedece por se tratar da sua galinha dos ovos de ouro. Causa-me, contudo, estranheza o fato de você não ter, ainda, se aposentado.

 Eu quero lhe dizer, meu amigo, que as pedras que nos atiram pela vida a fora merecem uma reflexão se a merecemos ou não. Uma autocrítica, de quando em vez, nos faz bem. No meu modesto entendimento, essas dores que dormem dentro de você, durante tantos anos, são dores de uma doença que só você pode curar. Você não perdoa nem a sua mãe que foi uma sofredora. O que ela fez hoje é comum. Foi uma mãe solteira que acreditou em um rapaz sem fibra e que sumiu e a abandonou na rua da amargura. Seu avô, muito ignorante, como a época em que vivia, a expulsou de casa. Tão logo ela deu a luz a você, ela sumiu e, também, nunca mais foi vista por aqui. Você sabe disso porque já lhe foi contado. Esse ódio que você transporta dentro de seu peito e de sua alma, o faz pobre, muito pobre. O torna mais pobre do que quando saiu daqui porque agora você é um homem maduro e tem o dever de pensar melhor...

 E, com um sorriso amarelo, me disse:

“É, Armando! Você não sabe o que está falando!”

 Desencantados, um com o outro, despedimo-nos. Eu entrei no Banco do Brasil e ele seguiu para o Bar Piloto.

A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida (Vinícius de Morais).

 Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Ac

Um comentário:

Bruno Gomide disse...

Por mais sofrida que a nossa vida seja. Devemos amar nossas raízes, poi é delas a luz de nosso viver.