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segunda-feira, 18 de março de 2013

A ESCADA ROLANTE.

Foto para ilustração do texto.
Semana passada, quando eu circulava pelo interior de um grande shopping em Belo Horizonte, borbulhou, em minha mente, a primeira vez que fui a nossa capital. Eu devia estar com, mais ou menos, dezessete anos. Em meio àquela selva de pedra, eu me senti muito pequeno e, com isso, cheguei a ter medo, sem exageros, de um prédio daqueles cair sobre a minha cabeça.

Eu, como já disse, era um garoto muito bobo. Naquele tempo, não havia essa locomoção de hoje. Não existiam os ônibus. Aqui, em Candeias, passava uma pequena jardineira que demorava um dia para ir de Campo Belo a Formiga e permanecia, por lá, poucas horas. Era uma pequena estrada de terra que vinha pela comunidade dos Arrudas, atravessava a cidade, indo rumo à usina velha, depois os Baiões e, finalmente, Formiga. Essa jardineira que conduzia apenas vinte e cinco passageiros, quase sempre, transportava meia carga. Era de propriedade dos irmãos Antônio e Brás que eram irmãos, também, do Euridinho da Lucy.

O outro meio de transporte da época era o trem de ferro. Existia o misto (carga e passageiro) e, ainda, o noturno que transitava, obviamente, à noite. Nesse tipo de trem havia leitos e um restaurante. O trecho, sem conexão para os candeenses, era de Ribeirão Vermelho a Garças onde se faziam conexões com muitas locomotivas para outras bandas. Era esse o caminho que nos levava até Belo Horizonte que consumia, ao final, um dia de viagem.

Mas, voltando ao início, minha primeira ida a Belo Horizonte foi a viagem mais emocionante que eu fiz na minha vida. Além de Candeias, eu conhecia poucas cidades, como Formiga e Campo Belo. Conhecer Belo Horizonte seria um feito dos mais importantes para satisfazer a minha vontade de conhecer outras terras. E conhecer a capital, então?! Nossa! Esse dia sempre foi esperado por mim como uma bomba a explodir dentro do meu peito.

Em Candeias, havia somente um táxi. Aliás, antigamente, não se falava táxi. Era carro de praça e o motorista era chofer de praça. Esse táxi era do Edson Cordeiro, pai do Ailton Cordeiro. Edson era filho único. Seu pai, bem aquinhoado, teria lhe ajudado a se dar o luxo de dispensar o seu emprego na ferrovia, onde era o mais competente de todos os telegrafistas, pelo fato de ter sido transferido para a cidade de Lavras. Edson comprou um automóvel da marca norte-americana Ford e o colocou na praça. Ter um carro, naquele tempo, era um verdadeiro luxo. Logo, em Candeias, existia apenas um carro de praça que era coisa raríssima nas pequenas cidades.

Edson Cordeiro gostava muito de mim. Apesar de ser uma pessoa extremamente sistemática, eu não sei o porquê, mas, os nossos anjos da guarda se deram muito bem. Assim, em uma viagem que ele contratou para Belo Horizonte, quando foi levar um técnico que teria vindo a Candeias a fim de arrumar o transmissor de radio que existia na Igreja Matriz, ele me levou como caroneiro para lhe servir de companhia.

Esse convite foi o maior presente que eu poderia ter recebido de um amigo. Tomei um banho com sabonete Gessi, usei desodorante até no sovaco das pernas, lambuzei os cabelos de brilhantina Glostora e ensopei o pescoço com perfume Lancaster.

Na hora que entrei no carro, foi um cheiro só e já comecei a bancar o meu mico porque não sabia usar nem Glostora e nem Lancaster. Todavia, como o Edson e o passageiro não possuíam alergia, foram sentindo aquele cheiro misturado que não era nem de brilhantina e nem de perfume.

Eu nunca havia visto asfalto. Quando eu vi aquela rodovia asfaltada, eu já expressei a minha grande admiração como que podia existir uma estrada cimentada. Como se houvesse cimento! E quando eu admirava alguma coisa, eles riam e achavam bom. E eu pensava que estava abafando! Que ingenuidade!

Mais à frente, nós estacionamos em uma parada, à beira da estrada, para tomarmos um café. Em um canto do restaurante, havia uma mulher fritando pastel e todo mundo dando preferência aos seus pasteis quentinhos que estavam sendo feitos na hora. Eu acho que eu nunca havia comido um pastel quente porque quando dei a primeira dentada aquele vapor me fez queimar a boca deixando-me de sentir o gosto de qualquer coisa que viesse a comer posteriormente.

Chegamos a Belo Horizonte. Eu parecia um frango de granja em um galinheiro de galinha índia. Tudo para mim era novidade. Como estava assustado! Após deixar o passageiro no seu destino, o Edson estacionou o carro, no centro da cidade, e fomos até a Galeria do Ouvidor. Aí, então, foi o meu martírio. Depois que desci do carro, em meio aquele movimento todo, eu fiquei transtornado. Na hora de atravessar a rua, o Edson ficava de olho em mim até que entramos na tal Galeria do Ouvidor e paramos em frente a uma escada rolante. Então, ele me disse: você vai à frente porque pode ser perigoso. E eu, meio tonto, consegui agarrar no corre mão. Afinal, eu estava mais assustado do que antes. Ver uma escada subir!? Isso seria coisa de outro mundo! Onde eu poderia ter visto ou, simplesmente, ter pensado nisso antes. Aquilo seria assunto para um mês quando eu voltasse para Candeias. Um corre mão onde a mão não corre. Um degrau que sobe ao invés das pernas. Nem meus pais teriam visto uma coisa tão estranha.

Lá em cima, rodamos as lojas e, logo, voltamos. Na hora de descer a escada, como na subida, teria sido bem sucedida. Como não houve, por parte do Edson, a preocupação em me proteger eu fui afoito, querendo aparecer. Meti o pé entre os dois degraus, dei uma derrapada pela escada abaixo, no que fui socorrido pelos demais usuários que, após verem que nada me tinha acontecido de grave (exceto umas pancadas), riram. Acharam graça do caipira que, depois disso, saiu escalavrado. E essa viagem, que seria um assunto amplo na minha volta, foi silenciosa. Graças a Deus, o Edson nunca contou para ninguém e, até pouco antes de sua morte, eu comentava. “Como eu era bobo, hein, Edson?!”– E ele rindo, dizia: “Toda primeira vez tem um desajeito, Armando.” E eu, cá comigo, pensava:

Ainda bem que eu tenho outras primeiras vezes que ninguém viu.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos

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