Rua Coronel João Afonso no princípio da década de 50.
A galinha caipira surgiu de uma mistura de raças introduzidas no Brasil, desde a época do seu descobrimento. Veio de pontos diferentes do mundo, por isso, apresenta cores das penas diversificadas, o porte e o comportamento distintos. A verdadeira galinha caipira, além de ter estas características, é criada solta, nos quintais, ciscando à procura de alimento, ou seja, de insetos, minhocas, etc. É mais resistente às intempéries e às doenças. Seus ovos e sua carne são muito mais saborosos que os produtos de granja. As pessoas mais velhas dão inteira preferência à galinha caipira porque foram criadas comendo esse tipo de ave. Isso porque o surgimento das granjas, produzindo galinhas, em alta escala, não faz muitos anos. A galinha caipira, devido a sua baixa produtividade, tem o seu custo bem mais alto.
As primeiras galinhas chegaram ao Brasil por volta de 1530 e foram trazidas por Martim Afonso de Souza para a Capitania de São Vicente.
Consta, na história do Brasil, que os índios morriam de medo desses animais.
E por falar em galinha caipira, dou uma remexida nos guardados da minha memória e encontro a Rua Coronel João Afonso, na década de 50. A minha rua era um verdadeiro galinheiro coletivo de quatro moradores, nossos vizinhos do quarteirão entre a Rua Professor Portugal e a Rua Belmiro Costa. Eram eles: Henrique Sotero, Dona Joana Gorda, Dona Joana do Galdino e Dona Marica e como naquele tempo não existiam essas aposentadorias e nem os empregos de hoje, muita gente criava galinha, nos quintais, para que, com a venda de ovos e frangos, pudessem complementar os seus orçamentos. A vida, naquele tempo, era mais difícil do que nos dias atuais.
Logo pela manhã, já soltavam os seus bandos para a rua, através de um buraco que ligava o quintal à rua. E aí, elas se misturavam, cruzavam, os galos brigavam e, vez por outra, sumia uma ave. Diante dessa farra das galinhas, os seus proprietários viviam sempre encrencados.
Naquele tempo, o lixo doméstico não era como hoje, cheio de vidros, de latas, de plásticos, etc. Quase nada era embalado nas fábricas. O lixo se limitava a papel de embrulho que era queimado no fogão à lenha, ao desembalar os produtos comprados a granel. Plástico não existia e nem produtos de geladeira. As pessoas tinham, por hábito, levarem as suas sacolas às compras. De outra forma, o que se comia era o chamado “basicão”. Arroz, feijão, gordura de porco, macarrão, etc. O freguês comprava o quanto queria. Meio quilo, duzentos gramas, etc. Os fazendeiros produziam grande parte dos seus produtos. Além disso, muita coisa era comprada às portas como o leite, a farinha, frangos, ovos, arroz, feijão, verdura, etc. Os roceiros traziam de tudo para vender na cidade, aos fins de semana. Hoje é o contrário: eles levam tudo e não trazem nada.
Se para os ricos não havia essa chusma de produtos que existem hoje, imaginem para os pobres?! Às vezes, a pessoa tinha o dinheiro, entretanto, não tinha o que comprar. O pior é que existem pessoas que ainda tem coragem de dizer que o mundo antigo era melhor... Isso é o que se pode chamar de masoquismo.
Assim sendo, o lixo era pouco. Não havia nenhum tipo de coleta de lixo pela Prefeitura local e os restos de comida, quando não se tinha uma lata de lavagem encomendada por algum criador de porco, eram jogados, tranquilamente, na rua para serem aproveitados pelas galinhas dos vizinhos. Afinal, aí estava uma forma de diminuir o custo de manutenção das aves. Além disso, a rua era cheia de mato e a pastagem para as galinhas, também, favorecia. Apenas para galinhas presas é que seria difícil. Não podemos deixar de contar que essas galinhas comiam muita porcaria também. Mas nesse tempo parece que o povo não era tão preocupado com isso.
Em certas épocas do ano, esse mato crescia tanto que dava para as galinhas fazerem os seus ninhos por ali mesmo ou nos lotes vagos que existiam por perto. Aí, então, era aquela malquerença. Vi, por muitas vezes, brigas por causa de um ninho de galinha. Dona Marica saía sempre à porta, às pressas, quando via uma galinha fazendo aquele escândalo cacarejante por ter botado um ovo. Galinhas de donos diferentes botavam no mesmo ninho. Não havia transito de veículos na rua Coronel João Afonso nesse tempo.
Dona Marica, a mais bem de vida, dos vizinhos criadores, conseguiu, não sei de onde, um casal de galinha leghorn. Uma galinha branca que diziam ser boa poedeira. Isso aconteceu logo quando essa raça chegou ao Brasil. Ela resolveu acabar com as galinhas misturadas e criar apenas essa nova raça. Fez empada do seu velho galo e deixou o frangão leghorn para assumir o comando das suas frangas. Assim, soltava o casal promitente pela rua apenas na parte da manhã, na hora em que pudesse vigiá-lo para que não fosse enfadado pelos irmãos de raças impuras. Posteriormente, ficava pastorando o seu casal de branquinhos e, se algum mestiço aproximasse, já era atacado com uma pedra, previamente, preparada para espantá-lo. Caso o dono daquele galináceo visse aquela agressão, já fazia desencadear uma grande discussão.
Henrique Sotero criava a raça de galinha índia. Ficava macho quando via um galo vizinho cruzar com as suas galinhas. Dizia ele, no seu termo, que aquilo “despurava” a raça de suas galinhas. Todavia, o pau comeu feio e a língua rolou solta foi quando o Donizete, um neto de dona Joana Gorda, vizinha de porta do Henrique Sotero, ganhou um casal de galinha garnizé e o soltou em meio aos demais. O galinho era um verdadeiro diabinho. Brigava com os marmanjos, e passava a galinhada toda na cara. Estava sempre em cima de uma. E aquilo foi o suficiente para o Henrique ficar intrigado com o galinho. Ficava brabo e dizia que aquele maldito galinho ia “despurar” as suas galinhas de raça índia e que ia matar aquele capeta que acabou com o sossego das galinhas da rua.
Certo dia, quando o galinho dava uma deliciada sobre uma de suas índias, com as suas esporas bem engalfinhadas, as asas bem centradas, o bico bem atracado e algo mais ajuntado o que lhe fazia sentir um orgasmo duplo, o bichinho foi surpreendido com uma vassourada sendo atirado longe, o que lhe fez soltar um cacarejado triste e desesperado. Salvo por alguém que ia passando no momento, em um estado de morre ou não morre, o galo mirim foi acudido pelos seus donos com uma poção açucarada e uma mistura de arnica com pinga para desinfetar os ferimentos.
O galinho não morreu, contudo, ficou quebrado. Tereza que era separada do marido e já era famosa na rua por suas implicâncias e metida a moralista com os vizinhos, vendo o seu filho chorar por causa do garnizé, foi até a porta do Henrique no momento em que ele, calmamente, consertava uma bicicleta. E ela, armada de uma vassoura, começou a insultá-lo:
---Vagabundo! Ocê bate é num coitadinho dum galinho. Eu quero vê é ocê batê nimim, seu cachorro!
---Sorta ele de novo que agora eu vô é matá de verdade! Galinho nojento! Inchertano as minha galinha índia.
----Só pur causa de uma cruzadinha atôa, nessas galinha preta e feia....
----Igual aquelas que o açogueiro te dá de madrugada, ali no fundo do quintal, né, sua galinha, sem vergonha! Ou cê pensa que eu num vejo ocê abri o portão pra ele?? Hein!
E Tereza tirou seu time de campo na hora. Acontece que, na realidade, ela tinha um caso com um açogueiro das proximidades que adentrava o quintal de sua casa na calada da noite. E o Henrique estava com essa carta na manga porque sabia que a parceira era dura.
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos
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