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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O FISCAL DA PREFEITURA.

                                                              Foto para ilustração do texto.

Um dos trabalhos mais difíceis de ser executado por um servidor de prefeitura de interior é o de fiscal. --- Aquele que se dispuser a ser um fiscal de prefeitura e estiver disposto a cumprir o cargo com lealdade ser-lhe-á necessário um preparo psicológico vigoroso para estar preparado de forma mental e comportamental. Terá que estar preparado para ouvir os discursos da ignorância e da intolerância; da impaciência e da incoerência. Desaforos não vão lhe faltar.

 --- O fiscal é sinônimo de cobrança e quando se trata de pagar algo para o Estado já existem as resistências, agora o que vem a ser cobrado por um fiscal chega a ser recebido como um castigo injusto. E esse angu de imposto e política é cheio de caroços. Afinal, ninguém concorda com Jesus Cristo quando disse: “Dai a César o que é de César”.

Evidentemente o fiscal ao atuar o infrator ele o faz baseado nas leis. No entanto o fiscalizado quer sempre que o fiscal faça vista grossa. Se o prefeito foi eleito com o seu voto, ele se acha injustiçado em ser multado; se é oposição ai então o blábláblá é bem mais agressivo. O infrator, normalmente quer ser o juiz da sentença para ser absorvido. ---Ser fiscal de prefeitura, em pequenas cidades, é, sem dúvida, nadar contra a correnteza, é fazer chover num veranico, é lamber os próprios cotovelos, é beliscar azulejo ou, ainda reciclar papel higiênico. --

 O fiscal tem que enfrentar vereadores, secretários do prefeito, o prefeito e o pior: toda a população da cidade. Isso porque cada um está olhando somente para o seu lado e o fiscal terá que olhar o lado de todos. Quanto menor for a cidade, maior será o número de eleitores exclusivistas.

  
E por falar em fiscais de prefeitura, busco bem no fundo do lago da minha memória um caso que houve entre o meu Tio João Delminda e o fiscal da Prefeitura de Candeias na década de 50: JOÃO ALVARENGA.

Cumpre-me, comentar que as pessoas da linhagem Alvarenga, de nossa cidade de Candeias, são pessoas educadas, doutrinadas, lecionadas e gentis. E João Alvarenga era um legítimo Alvarenga: respeitoso, prestativo, atencioso, explicado e obsequioso. Parece até que teria sido escolhido a dedo para a função de fiscal.

Magro, alto, pouca barba, chapéu de lebre e paletó de brim; sempre tragando um cigarro de palha e visto rodando a cidade buscando os infratores como chiqueiros de porcos e galinheiros fétidos. Nesse tempo não era proibido criar um porco na cidade, mas se o cheiro do chiqueiro fosse denunciado por um vizinho, lhe seria devida uma multa. Construções fora do alinhamento da rua e emplacamento de carroças de tração animal e bicicletas. Tudo isso eram as principais causas das infrações a cargo do fiscal da prefeitura.

Os proprietários de bicicletas desse tempo pagavam o imposto de emplacamento. As bicicletas eram emplacadas pela prefeitura e lembro-me que o preço era Cr$ 30,00 (trinta cruzeiros) por ano, incluindo a placa que era afixada entre os raios de uma das rodas ou na ponta do para lama traseiro. A placa tinha o tamanho de uma tampa de apagador e continha o ano, as iniciais da P.M.C (Prefeitura Municipal de Candeias) e o número.

Meu tio tinha uma bicicleta, marca Phillips pela qual ele tinha um luxo danado. Entretanto, sempre fugia do João Alvarenga para não pagar o imposto. Achava que pelo fato de usar a bicicleta apenas para andar pelas roças não precisava pagar o emplacamento. Quando o fiscal descobriu que ele fugia da raia da sua fiscalização, passou a frequentar a sua selaria que existia na Rua Coronel João Afonso. Meu tio era seleiro fazia e consertava selas. Num tempo que grande parte das do pessoal da zona rural andava à cavalo.

João Alvarenga chegava e, na maior educação, cumprimentava o meu tio chamando-o educadamente de Xará e ficava por ali um pouco aguardando o meu tio falar alguma coisa, mas como ele não falava nada, João Alvarenga aguardava o momento de dar o bote:

---Vamos emplacar a bichinha, hoje, Xará?
---Hoje, eu tô meio quebrado, João...
---Não tem importância não Xará, eu passo aqui outra hora, então...

Assim, ia embora e meu tio comentava:

---Eu nunca vi um cabôco mais preguento nesse mundo. Parece que é só eu que tem bicicleta aqui nas Candeia, uai!...

Passaram-se dois ou três dias, vinha lá o João Alvarenga de novo!

---Oi, Xará, como é que vai? Tem trabalhado muito?
---Que nada, João, tem pouco serviço. É por isso que ainda não puis placa na bicicreta.
--- Não, Xará! Não se preocupa, não! Uma hora vai dá certo. Depois, eu passo aqui de novo.

Assim que ele saía o comentário era sucinto:

----Eu num guento esse João Alvarenga! Ele é macio dimais! Manso dimais. Se ele ficasse brabo, ficava mais fácil... A bicicreta é pra eu ir pescá, pra quê que eu vô impracá isso?

Passaram-se mais alguns dias e lá vem o fiscal de novo e, assim, foi um punhado de vezes até que um dia:

---Olá, Xará! Bom dia! Como andam as coisas? E, hoje, nós podemos emplacar a bichinha?

---Óia, aqui, João! Vou falá uma coisa procê. Eu resorvi vendê a bicicreta e, quando eu vendê, quem comprá paga o imposto. Eu tô ficando com vergonha docê, tendo essa trabaiêra de vim aqui quais que todo dia. E, dipois, não tem me sobrado cobre pra eu te pagá. E eu quase não ando nessa bicicreta. E ocê sabe né, trinta conto, nessa pindaíba que eu tenho andado, me faz farta.Eu vindi treis arreio nummeis e num ricibi nem um até agora.

---Xará isso não vai acontecer de jeito algum. Você não vai vender a bicicleta não! Onde já se viu isso: um amigo meu precisar vender a bicicleta para pagar o imposto. ----- Olha, eu vou fazer uma coisa para você que eu nunca fiz para ninguém. Eu tenho visto que os seus serviços aumentaram. Então, vou emplacar a sua bicicleta e você me paga de três vezes, ou seja, Cr$ 10,00 (dez cruzeiros) por mês. Contudo, tem um probleminha, Xará! Eu vou ter que lhe dar uma placa que ninguém está querendo por causa do número.
--- E qualé o número, João?
--- É o 24, Xará...

Diante disso, meu tio enfiou a mão no bolso, pegou três notas de 10 e falou bem alto:

---Impraca logo essa diaba dessa bicicreta, João! Pode impracá sem praca sem, sem número e sem nada!. Só fartava agora me impracá com um número desse.

E João Alvarenga, todo vitorioso, tirou do bolso do paletó uma plaquinha e disse:

--- Veja, Xará! Eu tenho uma aqui que estava até encomendada,  mas ela  vai ficar para você , é o número 33, “Olha só que numerozinho, chique” um palpitão para a cobra.

E meu Tio que era viciado no jogo de bicho, inclusive fazia progressão no touro disse com uma voz pastosa:

---- Eu num jogo em bicho não João!

E João saiu vitorioso e  dizendo:

Muito obrigado Xará, fica com Deus! agora, é só o ano que vem, Xará...

E meu tio João, com a boca totalmente fora de sintonia com a mente, disse:

---Vá ocê tamém com Deus João!

Mas a mente, com certeza, estava dizendo: --- Vá pro inferno, João! E vai correndo! Vai voando!

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos.

Um comentário:

Giuliano de Souza disse...

"...As bicicletas eram emplacadas pela prefeitura...", isso é história!