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terça-feira, 20 de abril de 2010

UM FRANGO PARA GALO


---No principio da década de 60, em Candeias, ao lado onde atualmente funciona o Restaurante da Cidinha, na Avenida 17 de dezembro, existia uma Barbearia de propriedade dos barbeiros, Srs. Arquimedes Viglioni (Midinho) e Pedro do Candola (Pedrinho). --- Junto à barbearia, de propriedade dos mesmos donos, havia uma tabacaria a qual lhe foi dado o nome de Tabacaria BB (Tabacaria Brigitt Bardot) numa referência à famosa atriz francesa, então, no auge da fama.

---Além da barbearia, e a tabacaria, num apêndice da área, foi montado um pequeno estúdio fotográfico do Sr. Cândido Roberto Teixeira, o Candinho do Vico, onde havia, também, um cubículo designado ao laboratório fotográfico. Tudo junto, na mesma área.

 ---Ali me foi dado um dos meus primeiros empregos. Eu ganhava em termos do dinheiro antigo, trezentos cruzeiros por mês. Se minha mãe tivesse conhecido o ambiente, naturalmente iria achar que não seria apropriado para o filho dela. Um salão de barbeiro naquele tempo era um ambiente informativo de tudo que acontece numa cidade.

 ---A praxe de vender cigarros despertou em mim o entusiasmo para adquirir o hábito de fumar. Fumava escondido -- Comecei a fazer parte da confraria do fumo, nessa época e somente fui abandonar o vício no ano dois mil após quarenta anos.

 ---Eu era um menino bobo criado na barra da saia, mas o meu cérebro já começava a fermentar a maldade, como se dizia; da adolescência. Uma maldade gostosa de sentir; uma mente ansiosa; fantasiosa, imaginosa...  Eu já começava dar a maior atenção aos assuntos diferentes das pessoas que frequentavam ali como fregueses, aguardando a sua vez e ou visitando.  Era um ambiente masculino e aquilo para mim era um mundo diferente. Era a escola da vida. E eu completamente cego diante da vida, não sabia um palavrão, nem uma piada; mas o pecado e os erros naturais do homem já começavam aflorar o meu cérebro inocente.

---Sabe-se que o jovem aos treze anos já começa a entrar para a adolescência. E aí está uma fase confusa da vida... O adolescente sente-se inseguro; carente de afeto e é inconstante. O mundo vai mudando e com ele vai o adolescente deixando as gerações mais conservadoras em total desacordo. Começa a fermentar o líquido da contradição; das coisas condenadas e pecaminosas... Daí entra nos caminhos pouco transitados da vida, hora em que coloca sua alma sob a disputa entre anjos e demônios.

Nesse caso, trabalhar num salão de barbeiro, seria muito interessante para um adolescente que inicia o descobrimento das reações do corpo até então desconhecidas...

---Sendo o homem um produto do meio, aquele ambiente favoreceu para que eu começasse a despertar nas células do meu cérebro os mais íntimos pensamentos; mesmo porque, é de todo sabido que antigamente, num salão de barbeiro, rolavam piadas sobre sexo, revistas pornográficas importadas da Noruega, (no Brasil essas edições eram proibidas) além dos comentários sobre a vida alheia... Mulher do fulano, do beltrano, do sicrano.

---Enfim, ali se tomava conhecimento de tudo e de todos. Não porque o dono da casa queria, mas, como segurar a língua do freguês?... E depois o ambiente era favorável em virtude de que os salões de barbeiros e cabeleireiras eram frequentados por pessoas do mesmo sexo. Não existiam esses salões unissex; favorecendo, então, a liberdade de expressão. Tratava-se de uma questão cultural, bastante escrupulosa. Uma mulher fumante não entrava numa tabacaria para comprar cigarros e nem num salão de barbeiros para bater papo. ---

---Eu, na faixa dos meus quinze anos, ali presente, tomando aulas o dia todo, após uns três meses já poderia receber um diploma em conhecimentos sobre a vida dos outros: Já sabia o que era uma prostituta e quem era prostituta; sabia dos podres dos padres; o corno e o que ser cornudo. Sabia quem pulava muros à noite para comer a fruta do vizinho sem pomar. Sabia o que era uma camisinha de “vênus” e para o quê servia. Sabia quem era o Zé Bolinha e o que vendia no seu tipo de comercio, um cabaré. Sabia o porquê de o galo arrastar as asas para as galinhas; quais as mulheres casadas que deixavam cair água fora da bacia... Enfim eu sabia o porquê do meu sangue ferver dentro de mim quando via a Fi-inha do Xande, uma jovem prostituta, que bebia, se embriagava e se assentava de qualquer jeito pelas portas, mostrando aos passantes o seu instrumento de trabalho totalmente desprotegido.

---Esse emprego na tabacaria teria mudado a minha vida. Fumava escondido e bebia escondido. Imaginava já, dar uma chegadinha pelas bandas do Zé Bolinha, situado na rua do capim, lá naqueles fundões da cidade, donde viria posteriormente o seu sucessor, Pedro Pitanga. Pensava tudo, mas me faltava coragem porque eu ainda não teria conseguido afastar o bobo do meu âmago.

 --No reduto do Zé Bolinha, além de umas casinhas de aluguel para as meretrizes, havia, também, uns cômodos de aluguel que ficavam nos fundos. Somados ao bar, perfaziam o meio da zona boêmia. Lá era um céu cujo deus era o diabo. Não havia naqueles tempos essas liberdades de hoje. Sexo de graça era coisa de gostosão. Caso uma namorada lhe abrisse mão da sua virgindade, para o namorado, o romance costumava ter um final dramático.

 --Afinal, eu estava naquela fase de achar que as coisas inventadas pelo diabo eram mais atraentes...

---O pequeno estúdio fotográfico do Candinho ficava junto à barbearia, porém separado por uma divisória precária e um portal prendendo uma cortina de chita. Assim, para se chegar ao estúdio era necessário passar entre a barbearia e a tabacaria.

---Das damas da noite que prestavam os seus serviços ao vulgar empresário Zé Bolinha, havia uma morena, tipo “mulata do Sargentele”, contando mais ou menos uns trinta anos de idade e teria vindo dos Baiões, uma comunidade ligada a Candeias, porém, pertencente ao município de Formiga.  --- Ela passava todos os dias à porta da barbearia, e logo os fregueses ali presentes faziam os seus comentários sobre os bons serviços prestados por aquela mariposa. Como diziam: “Essa nega tá abafando”.

---Certo dia, num horário de almoço, quando eu me via sozinho no recinto, chega àquela cabrita e assenta-se numa das cadeiras aguardando a chegada do fotógrafo Candinho, que aparecia naquele local só diante de alguma encomenda.

---A sensação de me ver sozinho junto àquela mulher pecadora me fez sentir os arrepios mais emocionantes do meu corpo sem pecados. Senti naquele momento que o diabo não era tão feio como o pintam. --- Eufórico, mas desajeitado, não sabia como puxar conversa. Fiquei na expectativa enquanto os meus olhos buscavam o que o pensamento já via.

---De repente, aquela mulher, causa de desejo que proporciona o efeito do prazer remunerado, pergunta-me se havia estado por ali um cidadão chamado Zazá, para o qual iria tirar uma foto para lhe dar de presente. --- De súbito, quase que num desespero, quando deveria estar vermelho como um tomate, todo encalistrado, soltei a voz e lhe perguntei:

---Você não daria um retrato para mim também?

No que ela sorrindo, mostrando uma janela entre os dentes, me disse:

--Para você eu dou é eu mesma se você me der dois maços de cigarros por mim escolhidos...

---Naquele momento o meu sangue ferveu. Senti-me apatetado, eufórico, pasmado, desorientado, assustado, abobado, como se tivesse ganhado o grande premio de uma loteria. --- Era a inexperiência batendo contra a experiência. Dera-lhe a liberdade de escolher e a rameira não pensou duas vezes ao escolher o cigarro mais caro da época: “Columbia". --- Naquele momento eu pedi a Deus, para que ninguém chegasse ali, pois era o momento de marcar o horário e o local onde estaria a minha espera o meu leito de verdura... Mas se o diabo, realmente, tem poder foi ele quem ajudou.

---Naquela noite às oito horas o mundo estaria de cabeça para baixo para mim. Meu sangue fermentava. Minha cabeça não pensava em outra coisa. Havia tomado de dois maços de cigarros, caros, num tipo de apropriação indébita... As horas não passavam. Finalmente o relógio deu seis horas. Era hora de ir para a casa.

---Tomei um belo banho de bacia sob o interrogatório de minha mãe. Lambuzei-me do perfume Madeira do Oriente; lambuzei o cabelo de Brilhantina Glostora e passei perfume até no sovaco da perna... Vesti-me da minha camisa de missa e da minha calça de festa. Quando o relógio marcava sete e meia da noite eu estava atrás de uma mangueira nos fundos do Cemitério São Francisco, a poucos metros dali seria o encontro fatal. 

---Minha cabeça zunia tal qual uma cabaça de abelhas. Eu imaginava uma alcova branca, especialmente preparada para a minha virgem inocência.

---Foi chegada a hora. Cheguei à porta do casebre. Bati suavemente; meu coração batia e rebatia com força. ---- Uma voz de homem foi ouvida lá de dentro. Tremi num desespero total. Abriu-se a janela era o Baltazar, um pedreiro conhecido pelo nome de Zazá, aquela o qual ela havia procurado lá na barbearia.

--“O que quer aqui moleque?”.

--Nada não Senhor...

Aparece, também, na janela, ela, a minha “donzela,” toda sorridente e diz:

---“Amor, eu acho que esse menino é meio doido”...

E o Zazá como velho galo do terreiro bradou:

--Some daqui moleque!

---Sumi e humilhado. Nunca mais apareci por lá. Eu não era um galo, mas era um frango para galo que ainda não sabia cantar. Era um menino bobo que não conhecia o mundo e me encontrava, ainda, sem formação, na escola da vida. Eu continuava bobo, bem bobo um frango para galo ainda sem esporas, sem saber cantar e nem arrastar as asas.

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos

 

--------------------------------------------NB) O dia que recebi o pagamento eu coloquei na gaveta o dinheiro dos dois maços de cigarros. E ainda fiquei em debito com a minha consciência.

   


Um comentário:

José Pedreira da Cruz disse...

Quem não gosta de ler um CAUSO como este? Qual sujeito nunca passou por tal qual momento? A gente viaja na história como se estivesse vivendo as peraltices da personagem principal: um adolescente querendo se desfazer da sua virgindade e na hora H ele se depara como um grande obstáculo; a idade.