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segunda-feira, 22 de março de 2010

O MEU AMIGO ZINHO BORGES

                                                                               Zinho Borges
Comumente faço uma viagem pelas estradas da minha memória para buscar o exercício devido aos meus neurônios a fim de não tê-los atrofiados. E hoje, numa viagem dessas, tive a satisfação de me encontrar com o meu bom amigo Zinho Borges, já falecido, meu irmão do mesmo signo de capricórnio, pois nascemos no mesmo dia 16 de janeiro. Ele no ano de 1926 e eu 1946. ---  Casou-se com Dona Terezinha Salviano Borges, dessa união nasceram oito filhos: Franz, Wagner, Clara, Nicodemos, Cidelius, Rosária, Vivaldi e Poliana.

Zinho tinha a profissão de São Geraldo, ou seja, era ele um competente alfaiate. Candeias, no passado, teve diversos alfaiates e muitas costureiras. Era um tempo em que as roupas industrializadas ainda não existiam como nos dias atuais. Hoje não sei se ainda existe algum alfaiate em Candeias, mas no meu tempo eram vários. Entre eles: Abelino Salviano; Chiquinho Alfaiate; Chiquinho do Galdino; Lei Careta; Domiciano Pacheco; Miguel Pacheco; Zé Pacheco; Zé Perola; Zé Viroto; Zico de Souza e o meu amigo Zinho Borges, sem contar os mais antigos.

Zinho foi, também, músico da Banda Nossa Senhora das Candeias e participava sempre nos conjuntos musicais formados para os carnavais. --- Minha amizade com Zinho nasceu em virtude de meu pai ser seu amigo e companheiro da musica, arte que os dois muito apreciavam e estiveram juntos em diversos carnavais na formação do Jaz Tiro e Queda, do Sr. Américo Bonaccorsi. Meu pai tocava violão e Zinho o seu trombone.

O bombardino como se sabe é o instrumento que tem o som mais charmoso de uma Banda musical e, do qual, o maestro está sempre observando por ser o instrumento que mais movimenta a sua batuta. Durante anos, o nosso amigo Zinho foi o comandante desse instrumento de solo, que exige talento,

Há muitos anos, eu deveria contar os meus 16 anos, quando houve um movimento na cidade para se reabrir a escola de musica do maestro Belmiro Costa. --- Nesta reabertura da escola, estabelecida no andar superior do Cine Circulo Operário São José, foram matriculados diversos alunos. Entre esses alunos eu ainda posso recordar do Alceu Pacheco, Marly do Piruca, Olinto Langsdorff, Zé Delminda meu pai, eu e outros. 

E nessas aulas estavam sempre presentes alguns dos músicos da Corporação Musical N.S. das Candeias como apoio a musica e ao Maestro Belmiro Costa. E Zinho Borges sempre se fazia presente estando ali mais com o proposito de sapear e ajudar o maestro. Era atento e não perdia nada de vista. ---- A minha presença ali era apenas para atender ao meu pai. Eu me comportava absorto durante as aulas. Afinal eu não tinha interesse e nem vocação para a música. Eu ficava o tempo todo rabiscando o caderno que continha comigo.

Eu empanado nos meus 16 anos, numa transição conflitante da adolescência; tímido, mais bobo do que tímido, numa idade que a cabeça fermentava mais que uma dorna do mosto de vinho.  E eu não me escapei da observação do Zinho Borges. E entre mim e ele num certo dia aconteceu um fato que durou anos dentro da nossa amizade.

O Olinto Langsdorff tinha uma cunhadinha cujo nome, se não me engano, era Alice. --- Certo dia o Olinto chegou e me disse: “Armando, estou com um recado para você...” Assustei-me! Recado para mim? De quem meu Deus! Pensei... E Olinto me disse todo sorridente, como era o seu jeito, que a sua cunhadinha estava doida por mim e que me havia mandado lembranças. (Coisas de adolescentes) Era assim que os jovens se manifestavam interesses.

Eu, um garotão bobo feito um jacu; acanhado feito um cubículo de convento, nem sei como respondi para o Olinto. Devo ter ficado tão impotente; tão frouxo que o meu rosto deve ter se policromado diante daquele susto. --- Às vezes eu chegava a ficar com raiva de mim, por ser tão bobo, por ser tão tímido; parece que eu queria ser sem vergonha... Ameaçava-me prometia aos céus um dia perder essa maldita vergonha.

Nessa mesma época alguém teria me ensinado uma forma que, então, os jovens da época usavam para se comunicarem entre si numa forma de esconder os seus segredos. Namoradinhos escondidos dos pais usavam esse recurso para contar as suas fantasias.  ---- E eu aguardava, com toda a minha timidez, uma oportunidade para usar o então ZENIT-POLAR, que era uma forma de escrever invertendo as letras.

Passado o susto, assentado no ultimo banco, o que, aliás, é uma característica ficar nos fundos quem não quer aprender ou ouvir. Enquanto a turma prestava a atenção ao maestro, eu me concentrava no meu mundo adolescente.  Ali comecei a rabiscar o caderno quando resolvi satisfazer o meu ego escrevendo frases, versos da literatura de cordel e um pequeno texto dando inicio a uma suposta carta de amor. ---- Palavras bonitas e românticas, dignas de um dom Juan pachola e no mesmo tempo em que expressava a minha maldita timidez. Enfim, aquilo que pudesse retratar na minha intimidade de adolescente fechado em si. Era como se fosse um treinamento. Tipo de um frango quando começa a cantar e fica buscando o seu espaço no galinheiro. E durante essa minha concentração na carta, o meu amigo Zinho, se concentrava em mim sem que eu notasse.

E como eu admirei a coragem daquela menina meu Deus! Como gostaria de poder lhe mandar lembranças e um beijo de agradecimento. Mas cadê coragem? Era eu brigando comigo mesmo, considerando-me um covarde, um medroso, vergonhoso; um indolente querendo ser um dom Juan pachola escondido dentro de si. O tribunal da minha consciência me acusava de covarde. E no combate a esse espírito de coisas, eu fui escrevendo no meu caderno o que pintava no meu cérebro. E após encher duas páginas do caderno, certo de que depois de ler e reler aquilo seriam rasgadas e jogadas fora num lugar bem escondido. Precisei ir ao banheiro. E assim, deixei o caderno exposto no banco onde eu estava afinal, tudo escrito ali seria no ZENIT-POLAR, o que já vinha há dias sendo treinado por mim, aquele idioma fantástico que alimentava as minas fantasias. Eu jamais iria imaginar que ali tivesse alguém que sabia o que era aquilo escrito naquele caderno. Assim imaginou o meu cérebro inocente.

Fui ao banheiro que ficava na parte de baixo do prédio do cinema. No banheiro postei-me frente ao espelho de propaganda da Alfaiataria Francisco Carlos (Chiquinho Alfaiate) olhei-me, apreciei-me e procurei em mim o que aquela menina teria visto de bonito em mim: Dei uma penteada no cabelo, pois tinha comigo um pente flamengo. Olhei-me de perfil e me senti como um Narciso melhorado. E com isso demorei um pouco a subir de novo para a aula.

E quando voltei achei o Zinho rindo sorrateiramente como quem teria feito a maior descoberta do mundo e veio dizendo: "Aí Armando! Está apaixonado hein? Vou contar para o Olinto que você quer ser concunhado dele”. E eu num desajeito total fiquei danado da vida porque não imaginara jamais, que alguém ali, soubesse ler aquilo.

A violação do meu segredo fez com que eu perdesse todo e qualquer interesse pela moça. Fui tomado por um susto que custou a libertar-me. Duas pauladas no mesmo dia. --- O Zinho não imaginou e jamais teria imaginado o aperto que ele me passou. Cheguei a considerar-me a pessoa mais azarada do mundo... Somente anos depois quando eu já teria me tornado adulto e consequentemente saído das algemas da timidez e da vergonha as coisas se esclareceram. Mas sim sempre, até depois que eu já teria me casado Zinho, (meu querido Zinho) encontrava comigo e dizia: Eu sei dos seus segredos! Era a nossa forma de nos cumprimentar e eu respondia: Seu bisbilhoteiro! ---- Grande amigo.

A última vez que o vi, estava assentado à porta de sua residência na Rua Zoroastro Passos. Eu passei e ele com aquele seu sorriso sorrateiro, disse: Eu sei dos seus segredos. E eu pela última vez disse-lhe bisbilhoteiro! Sorrimos juntos foi a ultima vez que nos vimos ---- Meu amigo Zinho Borges, você me deixou como presente a amizade com os seus filhos. Obrigado e onde quer que esteja receba o meu abraço o meu grande abraço, e obrigado pela bisbilhotice. Ela só fez me ajudar.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.





Um comentário:

Unknown disse...

Mesmo não conhecendo o Zinho Borges, quero aqui deixar "in memoriam" no dia de hoje, os meus parabéns aquele que foi pai dos meus amigos virtuais: Clara, Franz e Nicodemos. Hoje ele estavia comemorando 85 anos.
E a você também Armando os meus parabéns pela passagem de seu aniversário.