Semana passada, quando eu dava uma volta nas ruas de Candeias para
recordar a minha infância nessa terra abençoada por Deus e tão mal cuidada
pelos políticos, passei pela Rua José Furtado, no Bairro da Gruta, quando veio
à tona de minha memória uma história que o tempo deixou longe.
No final da década de 50, próximo do ano de 1960, minha família morou
por um curto espaça de tempo nessa rua, enquanto o meu pai construía a nossa
nova casa na minha querida Rua Cel. João Afonso Lamounier, onde nasci.
Tivemos como vizinhos uma família composta por quatro pessoas: O casal
Pedro e Zica e os filhos, Raimundo e Suely.
Pedro era um desses chamados “molengão” pele clara, olhos esbranquiçados,
cabelos amarelados, sujos, mal cuidados e a
barba por fazer. De estatura baixa e fala mansa. Parecia ser bem devagar ou
bem pachorrento em tudo na vida. Não parecia ser um homem do padrão agradável
para uma mulher. Quando passava perto da gente, exalava um forte cheiro de suor
vencido. Dava a impressão de que fazia uso da água somente para beber. Eu
suponho que nunca teria usado um desodorante em toda a sua vida.
O filho Raimundo, que contava os seus dezoito anos
era muito parecido com o pai em tudo. Os dois viviam pelas roças trabalhando e
só apareciam na cidade nos fins de semana.
Dona Zica era completamente diferente. De estatura
média, morena, rosto bem traçado, cabelo hirsuto, gostava de uma saia de brim
grosso na cor marrom. Dizia que essa cor sujava pouco e não precisava ficar lavando.
Portanto, era a sua preferida e na parte superior do traje usava sempre uma
blusa de algodão encardida. Tinha uma falha de dente na arcada superior que
jamais lhe intimidou na hora de dar uma de suas boas gargalhadas. Possuía,
ainda, o corpo bem feito, contudo, faltava-lhe um bom trato.
Suely, a filha caçula do casal, tinha 17 anos de
idade. Era uma donzela de encher os olhos de qualquer adolescente. Tinha a
bundinha estufadinha, a cinturinha fina, com pernas grossas e gostosas, o
cabelo liso, os dentes perfeitos e uma voz doce. Tudo na Suely era de tirar o
chapéu; era de agradar.
Dona Zica, que mandava e desmandava na família, com
aquela circunlocução familiar dizia que aqueles dois homens que Deus lhe pusera
na vida, eram dois pamonhas e que seriam capazes de pedir tempo a Deus para
morrer de repente. E ainda fazia uma ressalva sobre o marido, o Pedro é mole em
tudo, tudo mesmo... E dava aquela risada safada.
Eu gostava muito de dona Zica. Contava os meus 14
anos e era bobo feito um tatu de galocha e respondia, quase sempre, somente as
perguntas que me faziam. Sentia-me muito inibido para puxar um papo com alguém,
dando a aparência que tinha vergonha, inclusive, da minha voz. Mas os olhos via
tudo e o cérebro pensava a jato.
E diante do meu silêncio eu vivia voando na imaginação.
Aliás, como diz o provérbio árabe: “Alá fez o homem com dois ouvidos e uma só boca para que este falasse menos e ouvisse mais”. Se hoje falo bastante,
naquele tempo não falava quase nada.
Como eu estava entrando na adolescência e apesar de
ser mais novo do que a sua filha Suely e como ela gostava de esnobar os seus
dotes naturais, parecendo uma franga de galinheiro se enfeitando para botar o
seu primeiro ovo, ela fazia brotar em mim aquela sensação de um frango querendo
virar um galo. E com certeza, notava que eu gostava de encarar as suas belas
pernas desnudas, assim, salientava-as sem muito pudor para mim.
Logo, a minha vergonha era incubada e os meus
instintos obedeciam aos meus olhos que catavam toda a safadeza da Suely.
Sendo vizinhos, sempre eu estava por ali e gostava
muito de dona Zica. Talvez, por ser eu um menino tímido e bobo, ela me dava
muita atenção e eu acabei ficando cativo dela. Era o tipo da pessoa extrovertida;
ria, contava caso e xingava ao mesmo tempo. Brigava todos os dias com a sua
filha e, aos fins de semana, com a família toda.
Certo dia, por volta da meia noite, quando a rua
estava silenciosa, deu-se a impressão que uma bomba havia caído na casa de dona
Zica. A Suely passou mal, teve um desmaio e enjoo e foi chamado, imediatamente,
um jovem médico, que havia recentemente chegado à cidade, o Dr. Daniel Barbato,
que atendia a qualquer hora do dia ou da noite em domicílio. (Tempo em que os
médicos eram mais médicos) Ele, após medicá-la, comunicou aos familiares que
seria bem certo a menina estar grávida, contudo isso deveria ser confirmado
através dos exames de laboratório.
O médico saiu assustado da casa de dona Zica imaginando,
naturalmente, que o mundo estava se acabando. O rol de palavrões saiu quase que num tempo só da
boca de dona Zica, referindo-se ao suposto pai da criança, um jovem chamado Tonico,
que trabalhava nas pedreiras de paralelepípedo, quando o calçamento da cidade
estava a todo vapor.
O rapaz andava manso, bem solto dentro da casa de
dona Zica, prometia casamento e agora se descobria que ele estava,
silenciosamente, era sangrando a coruja bem devagarzinho e, com isso, vinha ao mundo,
mais um candeense trazido pelo “falo” amaldiçoado de um campo-belense. "Esse praga apareceu para lambrecar
a honra da nossa família", ---- dizia Dona Zica alto e em bom som.
Dona Zica ficou tão furiosa que chegou a ordenar ao
seu marido que procurasse o “garanhão” e o matasse caso se negasse a se casar
no cartório e na igreja. E o seu marido, coitado, que estava acostumado a
obedecê-la em tudo, ficou bravo pela primeira vez na vida:
---”Cê tá é
doida, Zica”! Onde já se viu matá um home pur causa disso! Dexa vim, esse
minino... onde come quato come cinco, é só botá água no feijão muié... Eu nunca
matei nem uma galinha, vô, agora, matá um home!?
E o Raimundo, o irmão, para não dizer que não
opinava, gritou do canto da sala, em apoio ao pai e usando do seu estilo chulo
de falar:
---Quem mandou
ela se reganhá! Agora, tem qui guentá! Eu num tô nem ai pa essa poca vergonha
se furô ou num furô!
E assim, o rapaz, pai da criança, debaixo daquele
frege todo devido à gravidez da moça, ao tomar conhecimento sumiu-se, escafedeu-se, cascou fora
como diziam os comentaristas do alheio.
E o tempo foi passando, e nada de barriga crescer.
Não sentia enjoo, não desmaiava mais, e a barriga no mesmo lugar. E o namorado
sumido. E a coitada da Suely nada de conseguir outro namorado. E Dona Zica não
parava de comentar:
---O Dotô errou mais nós discubriu que Suely
num é moça mais porque aquele safado trapoiô ela. Dizia Dona Zica... Agora tai
óh! Nem êra e nem bera!
E o que tinha de marmanjo querendo beliscar
na Suely, não estava no Giby...
E encostado no muro de entrada da casa, coçando a
barba por fazer, com aquela cara de quem quer que o mundo acabe em muro para
que morra encostado, Pedro dizia:
“Se eu mato o rapaz eu tava na bosta, pior
que uma lumbriga”.
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.
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