----E nunca mais parei de armar, o quê eu não sei. Por estranho que pareça já fui, por diversas vezes, chamado pelos nomes de Marcelo e Arnaldo em circunstâncias inexplicáveis. E isso me leva a pensar naquela famosa frase de Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que possa sonhar a nossa vã filosofia”.
----Eram, na minha juventude, em Candeias, cinco Armandos: Armando da Quinha, Armando Bonaccorsi, Armando da Carolina, Armando da Vivi e eu, Armando do Zé Delminda. Tratávamos uns aos outros de xará e sempre fomos muito amigos. Infelizmente o Armando da Quinha, nos deixou ainda jovem após ser vitimado por um erro médico durante uma cirurgia que o deixou paraplégico e sua vida teria perdido o sentido.
----Antes desse acidente, Armando da Quinha era barbeiro e antes de ser barbeiro teria trabalhado durante algum tempo em São Paulo. Voltou de lá falando num sotaque paulista, pois achava aquilo bonito. Enquanto isso, a língua dos conterrâneos comia em cima dele por causa dessa característica que teria adquirido após uma curta temporada em São Paulo.
----Viera com roupas novas. Gostava muito de calças brancas e camisas estampadas; exibia sempre uma calça de linho branco do que se dizia tratar-se de um puro S, 120 um famoso linho importado, porém os entendidos diziam tratar-se de uma cambraia comum. Muita vez no período do úmido frio de Candeias, Xará da Quinha colocava uma calça branca de linho e se agasalhava com uma japona de lã bem grossa. Aí, a língua do Wanderley Alvarenga comia sem dó e sem piedade: “Veja Armando a cafonice do seu xará; veste roupa de calor com roupa de frio e ainda pensa que está abafando”.
----Alguns dias após ter chegado de São Paulo, Xará da Quinha me convidou a irmos juntos arrumar emprego numa churrascaria na cidade de Oliveira, situada às margens da rodovia Fernão Dias. Ficara sabendo, não sei como, que lá havia vagas para balconistas. Ora, tanto eu quanto ele jamais teria trabalhado num lugar desses. Mas fomos assim mesmo. Fomos colocados dentro de um uniforme tipo jaleco, e determinados a trabalhar dentro do balcão.
---Havia três turnos e em cada turno seis funcionários. Fomos escalados para o mesmo turno. Eu aprenderia a coar café e ele a fazer sanduíche. O primeiro contato dele entre os colegas, que somavam uns trinta, entre quitandeiros, cozinheiros e outros mais, etc. - foi com Dona Diva; uma coroa que contava seus cinquenta anos, que trabalhava na cozinha e vendia produtos de beleza nas horas vagas. Dizia ele que amizade com cozinheiros seria indispensável para se comer bem. Tão logo ficou sabendo do comercio ambulante da sua nova amiga, já fez a encomenda de um perfume, na época muito conhecido, chamado madeira do oriente.
---Morávamos num dormitório nos fundos da churrascaria. Durante as folgas os funcionários da cidade iam para as suas casas e nós, com mais dois colegas, ficávamos por ali ou íamos dar uma volta na cidade, distante a oito quilometos. Nessas oportunidades, Xará da Quinha, ao invés de ir para os seus aposentos ou ir passear na cidade se metia em sua calça branca; numa camisa aciganada, se banhava em perfume e ficava rodopiando por ali, dando palpites, discutindo futebol de dentro do balcão, conversando com as cozinheiras e falando num sotaque paulista: (oiteinta, noveinta, minha calça é de linho cente e vinte etc. e às vezes engolia um R como fazem os paulistas).
---O dono da churrascaria, um cidadão de origem turca, calado quase não falava com os funcionários, chamou o gerente e se queixou do comportamento do Xará da Quinha, que estava por ali parecendo um filho de dono e dando palpites. O gerente que de certa forma já se aborrecia com aquilo chamou o Xará num canto e lhe recomendou não permanecer nos recintos da casa durante as folgas. Aí o pau comeu! Deu uma arrebitada no bigode e já bateu de frente com o gerente.
---Tinha apenas três semanas que estávamos ali. E ele sem nenhum cuidado recomendou ao gerente para deixar de ser puxa-saco e que sendo ele o senhor de seu nariz não iria tolerar que um gerentezinho qualquer fosse lhe determinar onde por os seus pés durante as suas folgas. E ainda ameaçou o gerente dizendo que teria uma carta em sua manga caso este viesse a lhe prejudicar. Foi um escândalo brutal. Ninguém por ali teria, jamais, visto tamanho gesto de indisciplina. Houve bate-boca e o Armando retirou-se rogando pragas e mais pragas.
---No final da tarde o patrão o chamou ao escritório pagou-lhe e lhe deu bilhete azul. Xará da Quinha pegou sua malinha, despediu-se dos colegas, chegou até a porta do escritório e disse:
---Eu estou indo embora por culpa do seu gerentezinho. Eu não fiz nada de errado. Agora ele sim... Ele faz. Portanto, vou lhe contar um segredinho do seu gerentezinho: Ele anda beijando a boca da sua mulher... Eu vi com estes olhos que um dia a terra vai comer... E se beija a boca da mulher do patrão deve estar beijando tudo de cabo a rabo.
---O senhor está com um galho de todo tamanho na cabeça. Todo mundo já sabe só o senhor não sabe. Mas é assim mesmo, marido é o último da fila nesses casos. Saiu olhou para traz e disse:
Armou pra mim, armei pra ele... Graças a Deus deixo esse Inferno danado...
---Parece que Deus, às vezes, se diverte com o homem colocando-o diante de si mesmo. Recentemente estive junto do seu túmulo no cemitério de Candeias. E ao ver ali a sua fotografia salientando aquele baita bigode, lembrei-me das vezes que o vira nervoso, dizendo: quem tem um bigode como o meu não deve levar desaforo para casa.
---Não deu pra chorar, só tive que rir. Afinal o xará era uma piada quando perdia as estribeiras. Meu prezado amigo Xará da Quinha: Onde quer que esteja, receba o meu abraço. Procure se acalmar e não vá brigar com São Pedro; ele pode mandá-lo de volta aqui para o inferno danado de onde você partiu.
Armando Melo de Castro.
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