O conflito de
gerações existe e há de sempre existir. Ele faz parte da Obra da Criação de
Deus. Contudo, as pessoas que vivem a vida toda na mesma casa, na mesma cidade,
rezando para o mesmo padroeiro, comendo da mesma comida, cozinhando nas mesmas
panelas, com certeza, irão condenar os meninos de hoje pela mudança de
comportamento. Para essas pessoas as novas gerações não tomam a bênção; não
sabem brincar de amarelinha e nem de passar anel ou de roda. e por isso são diferentes. Eu gostaria de ter sido um dos meninos de hoje. Eles são mais ativos, mais alegres, mais afoitos e têm muito mais conforto.
.Eu posso até não ter mudado muito,
mas acho que me transformei à vista do que fui quando menino. Fico por vezes
recordando desse tempo e sinto como eu era bobo! Não simplesmente bobo e sim um bobão,
como diz a minha mãe, até hoje, quando dou uma recaída no ambiente familiar. Era
natural chamar alguém de “bobão”. Este seria àquele que dá trabalho para criar,
mas depois de criado dá gosto, porque baba de todo jeito e ri à toa. E se eu
não tivesse caído no mundo ainda muito jovem, estaria babando até hoje. Vejam,
por exemplo, uma passagem da minha vida quando eu tinha já os meus oito
anos de idade:
Minha avó materna, Olinda Gomide, que era viúva, a exemplo de outras pessoas, ganhou para morar de graça, uma casa na Praça Antônio Furtado, de propriedade do Sr. Antônio Carrilho. Enquanto ela morasse lá a casa seria cuidada, vigiada, e o seu dono poderia ficar sossegado lá na roça. Era uma casa grande, onde fora reservados dois quartos para o proprietária. Quando vinha na cidade, trazia como presente, arroz, feijão, ou seja, produtos de sua produção. De vez em quando pintava até um franguinho. Ali comiam juntos e essa parceria era sempre muito bem vinda para uma idosa sem marido e sem aposentadoria. Afinal, minha avó tinha que tricotar e criar galinhas no quintal para sobreviver, contando ainda com a ajuda dos meus pais, cuja renda também já era bastante comprometida.
Eu o neto mais velho, mais
agarrado com a avó, ficava mais na sua companhia do que na companhia dos meus pais. E quando apareciam os donos da casa Sr.
Antônio Carrilho e sua esposa Dona Guinha, fato raro, eu ficava todo acanhado
quieto num canto, contudo, sem deixar de ser curioso. Mas, uma coisa sempre me
chamava à atenção e eu nunca tivera coragem de perguntar à minha avó, nem aos
meus pais.
Toda vez que o Sr. Antônio vinha da roça eu já
ficava a espera e aguardando o momento em que ele terminava de almoçar, dai tomava-se de um caneco com água e ia até ao quintal nas proximidades
de uma moita. Ali me parecia estar lavando uma coisa que não dava
para eu ver direito o que era devido a distância; além de encontrar-se numa posição meio
de costas ou de lado, parecendo querer ocultar algo. O máximo que eu
conseguia ver era quando ele comia rapidamente aquilo que teria lavado. Depois disso tomava um pouco de
água e jogava o resto na moita, e voltando ao interior da casa, sem mastigar
aquilo que comera.
Isso me deixava intrigado porque não dava para ver direito e
a impressão que eu tinha é de que ele não queria que o seu ato fosse visto. Até
que um dia eu o vi tirar algo da boca, lavar aquilo e retorna-lo à boca.
Fiquei ainda mais intrigado. E tão logo ele partira de volta para a roça criei
coragem e perguntei à minha avó o que seria aquilo que o Sr. Antônio tirava da
boca, lavava e tornava a colocar.
Minha avó sem uma explicação consistente me deixou completamente aturdido quando dissera tratar-se de uma dentadura postiça. Diante daquela informação mal explicada eu fiquei ainda mais confuso, e os meus neurônios começaram a fermentar no meu cérebro.
Agora, o difícil foi o bobão aqui
entender o que era dentadura; o que era postiça... Tirar os dentes e coloca-los novamente como num toque de mágica? Pois
acreditem se quiser: eu tentei várias vezes tirar os meus dentes, escondido da minha
avó, mas nunca consegui é claro, até que fui entender isso mais tarde foi difícil, como
uma pessoa poderia tirar e colocar novamente os seus dentes. Mas eu era bobo, tanto quanto àqueles
da corte do rei.
Tem tantas outras coisas...Ah meu Deus! Que vergonha do mundo de hoje!
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.
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