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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O MENTIROSO ZÉ DO CIRINO.

Foto para ilustração do texto.

José do Cirino nasceu em algum lugar no Bairro da Gruta em Candeias. Foi considerado, em seu tempo, por seus amigos, o homem mais mentiroso do Brasil. Ninguém acreditava em uma só palavra do que ele dizia. As pessoas gostavam de conversar com ele para ver a criatividade de sua mente que gerava mentiras recheadas de detalhes as quais levavam o ouvinte novato a se parecer com uma lebre de frente a um lobo faminto ou, melhor dizendo, fazendo-lhe vítima de uma crença perversa. 

De estatura mediana, forte, meio calvo, boca grande, dentuço e, quando ria, parecia que havia uma serra articulada na boca. Portanto, ao mastigar e articular sua boca, parecia uma tremonha que transformaria uma rapadura dura em pó. Era do tipo enrolado. Como diz o jargão popular: "Mais enrolado do que pau de fumo". Não parava em serviço algum. Foi servente de pedreiro, capinador, apanhador de café, ajudante de caminhão e mais uma série de serviços. O que aparecia na frente, ele fazia. 

Apesar de ser considerado um homem trabalhador, era sem persistência. Não sabia esquentar o lugar no qual estava. E, assim, acabou sendo levado, por um de seus filhos, para a cidade de Ferraz de Vasconcelos no Estado de São Paulo. Por lá morreu e foi enterrado. 

O outro personagem de nossa história é outro Zé.   ----    Zé Barbeiro foi um barbeiro de meia tesoura, morador da Rua Coronel João Afonso. Seu salão ficava situado onde se encontra, atualmente, a residência da Marisa, filha do Milton Alves. Um solteirão desses que a gente não sabe o porquê de não ter se casado. Se, se foi por isso ou por aquilo, ou ainda, por não gostar “daquilo”. Um cidadão um tanto esquisito, desses que ao ser contrariado dá chiliques e usa e abusa de trejeitos. Possuía uma voz mole, bem preguiçosa. Cabelinho bem aparadinho, barbinha bem escanhoadinha, sapatinho bem engraxadinho, dentes bem escovadinhos, unhas bem aparadinhas, calça e camisa muito bem passadinhas e um passo bastante balangado parecido com aqueles de modelos em passarelas.

Zé Barbeiro ficava o dia todo empanado em um jaleco branco, todo alvejado, parecendo um enfermeiro de uma clínica de luxo. Gostava muito de prosear com a rapaziadinha. Para mim, particularmente, o Zé barbeiro era o Zezé daquela música carnavalesca: “Olha a cabeleira do Zezé”. Só lhe faltava à cabeleira. Eu penso até que ele teria sido um enviado para servir a sua comunidade, mas resolveu ficar escondido nos fundos do armário.

No natal de 1959, Zé Barbeiro ganhou um leitão do seu padrinho fazendeiro. Naturalmente, o porquinho lhe foi presenteado para ser comido assado durante as festas. Era um gesto comum, naquele tempo, o povo da roça dar um leitão ou um frango de presente para um amigo ou afilhado da cidade. Todavia, o barbeiro inventou de dar o porquinho à meia para ser engordado, tendo em vista a falta de espaço para um chiqueiro no seu quintal. Como regra, ele entregaria o animal a alguém para criá-lo e o criador, naturalmente, lhe devolveria metade do bicho por ocasião do abatimento.

E para tal sociedade, Zé Barbeiro convidou o seu xará Zé do Cirino, a os quais não eram bem conhecidos e nem bem indicados para um pacto porqueiro. Isso porque um era muito certinho e o outro era muito “erradão”

Para quem não se conheciam muito bem um especialista em mentiras, enrolado e grande militante na arte da enganação esse tipo de sociedade costumava dar em briga na hora da partilha, ou seja, um queria um determinado corte do porco que o outro, por sua vez, também o tinha como preferência. E o criador do porco sempre levava a vantagem na óptica do dono do animal. -----Zé do Cirino, que não enjeitava nada, aceitou de cara o que lhe seria um grande negócio.

Naquela época, era um fato normal as pessoas criarem porcos na cidade, em chiqueiros de seus quintais. Isso gerava muito problema porque o mau cheiro incomodava os vizinhos e muitos viviam em litígio por causa da criação de porcos neste estilo até que uma lei foi feita para acabar com essa prática. Contudo, até então, um chiqueiro em um quintal era coisa comum e sempre se encontrava de preferência um suíno caruncho ou piau sendo criado de forma bem doméstica.

 Era uma peleja criar um porquinho em casa, todavia, quando o matava era uma festa que começava com o choro do bicho de madrugada na hora da morte. A vizinhança que ajuntava à lavagem já ficava na expectativa da dimensão do pedaço que lhe caberia. E se o pedaço não fosse satisfatório, havia quem mudaria o rumo da lavagem para outro criador. (Lavagem, neste caso, trata-se de sobras de comida juntamente com a água da lavação dos utensílios de cozinha).

Imediatamente, Zé do Cirino foi preparado o chiqueiro no fundo do quintal de sua casa e, logo, saiu procurando fornecedor de lavagem bem como farelo de arroz na máquina do Emídio Alves que seriam pagos com carne de porco. Foi, ainda, até à Manteigueira do Bonaccorsi para pedir alguns litros de soro que lhe seriam fornecidos diariamente. Os funcionários da Manteigueira, Chico e Expedito, foram também prometidos a ganhar um bom pedaço do suíno. Os casqueiros para o chiqueiro foram conseguidos, gratuitamente, na Serraria do Dé Cassiano que, também, recebeu a promessa de ganhar um pedaço do bicho. E assim, Zé do Cirino em tudo prometia ou se comprometia com um pedaço do porco ou com uma linguiça. No fim, prometia até chouriço, um tira-gosto de sarapatel e assim por diante. Enfim, o porco do Zé do Cirino, ao que se via, quando morto não daria para saldar os compromissos. Parecia que ele teria adquirido uma manga de porcos.

O Leitãozinho foi trazido e colocado no chiqueiro. Porém, ele era tão pequeno que não foi fácil imaginar o que seria tratá-lo até vê-lo gordo ao ponto do abate. Com certeza, aquilo deu ao Zé do Cirino um desânimo danado. Ele pensou que o leitão já seria de meia ceva e, de repente, aparecem com aquele filhote.

Algum tempo depois, foi chamado o Zé Capador que, ao examinar o animal, deu a triste notícia de que o bicho era roncolho e, assim, lhe foi dito que porco roncolho é de difícil engorda. Não tem serventia para cachaço, enfim, o melhor seria matá-lo ao invés de engordá-lo. Palavra de um especialista em porcos. 

O que fazer, então? Naturalmente, esta foi a pergunta que Zé do Cirino fez a si mesmo diante da afirmação do capador. Entretanto, e os compromissos assumidos anteriormente? A situação ficou um tanto complicada. Demonstrou-se muito entusiasmo e de repente...

Numa noite, para piorar, o porco sumiu do chiqueiro do Zé do Cirino. E agora? Mais essa! A verdade é que todo mundo foi ludibriado. Todavia, o Zé Barbeiro não aceitou o argumento de que o porquinho dele foi subtraído sem mais e sem menos.

Ele que era um cidadão comportado, mas, quando ficava nervoso quase saía do armário. E, naquele tempo, para sair do armário tinha que ser muito macho. Ao receber a notícia de que o animal havia sumido, imbuiu-se em todos os seus jeitos e trejeitos e começou:

---Oia aqui Xará, ocê é um iscumunguento, sabia? Sumir com o meu leitãozinho, uai. Ganhado do meu padrinho de batismo. Ele ia virar um lindo capado se ocê tivesse tido cuidado. Eu tô achano que ocê robô o meu leitãozinho, seu danado. Eu nunca vi falá que leitão saisse de chiqueiro sem ser visto e sem gritar.

---Oia, aqui, Izé. Eu num robei leitão ninhum, viu. Se ocê perdeu a parte do leitão, eu perdi a pensão que eu dei pra ele. Pensa o qui ocê quisé e tiau e bença. E dispois tem mais: o seu leitão tinha só um grão. Leitão de um grão só num produz porque é porco viado.

---Some daqui, Izé! Senão eu te matooooooooooooo.

Era o que ele mais queria. Sair dali e dar o assunto por encerrado.

Dois dias depois, Zé do Cirino com a cara cheia de pinga, no Bar do Ermino, onde, nos dias de hoje, funciona o Bar do Vicentinho Vilela, na Rua Professor Portugal, estava convidando os seus amigos para ir à sua casa comer um pedaço de leitão que ele havia ganhado por ocasião de seu aniversário.

Armando Melo de Castro
Candeias casos e acasos MG

Um comentário:

sebastião alves ferreira sobrinho disse...

Armando, esse Zezé barbeiro a quem você se refere, tem todas as características de ser meu primo legítimo. Não seria esse “persoiola” (personagem boiola), irmão de Maximino e filho de Dona Joana? Se confirmado, é o próprio. Tia Joana era irmã de meu pai Acacio.
Não tenho uma memória tão prodigiosa quanto a sua, e ainda tenho que conviver com seu desgaste paulatino, que inexoravelmente nos é imputado pelo tempo de uso. O fato é que eu não me lembro desse Benê do Cirino e muito menos dessa passagem. Eu me isentaria dessa omissão, se na época eu já estivesse morando em São Paulo, ou caso você tenha usado uma data aleatória ou aproximada. Mas a contar com o rigor da data aludida, eu ainda residia em Candeias, uma vez que Vim para SP em 1965. Também é certo que nossa permanência na rua Professor Portugal, em sociedade com o Erminio (hoje Praça Antonio Furtado), teve pouquíssima duração. Construimos uma casa nessa praça, atualmente do sr.Alberto, onde tocamos um bar por um longo período. A propósito, Dalva Alves Lima, minha irmã, é vizinha do mesmo e sogra do Paulinho, (que trabalha na Prefeitura), que inclusive me indicou o site do ” Candeias mg casos e acasos”.
Tenho muita coisa para comentar, mormente sobre os personagens de suas crônicas, mas isso fica para outra oportunidade.
Um abração.










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