CANDEIAS-MG: Casos e acasos

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quarta-feira, 15 de maio de 2013

O CONTADOR DE PIADAS.


Na década de 50 Candeias servia-se da eletricidade fornecida pela Empresa Força e Luz Candeense, de propriedade do Sr. Celestino Bonaccorsi. --- Essa usina, já bastante antiga e sem nenhum investimento estava constantemente dando problemas, quando deixava a cidade no escuro por até mais de 15 dias, naturalmente voltada aos tempos da lamparina. ---  E numa dessas crises, chega um circo de cavalinhos desses do tipo mixuruca. Não continha bons números variados e a melhor atração era o palhaço. Quando um circo tinha uma situação sólida, trazia consigo um motor gerador de energia para um caso desses, mas esse ai não teve saída a não ser esperar a energia voltar e nunca se sabia quando.

E esse circo que já chegou perdendo o folego financeiro, viu a sua situação agravar tanto que de uma só vez levou a sua companhia abandona-lo e voltar para as suas origens. Ficara apenas o palhaço, preso por laços de amizade com o proprietário, e por ter o pai que o acompanhava pelo mundo, idoso e doente. Até que ele, o palhaço, do mesmo modo, vendeu o seu rádio “rabo quente” para o meu tio Wantuil Delminda e regressou à sua terra no interior de São Paulo. Após a partida do palhaço, que era a melhor atração do circo, o proprietário do itinerante ficou de pernas e mãos atadas. Assim, a sua companhia se resumiu numa irmã, dois filhos adolescentes, um cunhado domador de cachorros e a sua esposa, uma mulher realmente bonita e que tinha um

corpo de chamar a atenção. ---- Com a aquela história que a luz vem hoje ou vem amanhã, a situação deles foram se agravando.

 A irmã do dono, que era uma balzaquiana pra piscar o olho, encanou a sua perna com o Dite Freire, que era meio tarado com as mulheres de circos e ciganos que se armavam ali na Praça Antônio Furtado. Ele estava sempre beirando essas mulheres e às vezes saia contando as vantagens, os preços, mas nunca contava onde teria sido a alcova ou o leito de onde teria acontecido a barganha com a laranja, os  gritinhos e os gemidinhos...

 Enfim, a luz voltou vinte dias depois.

Esta soca da companhia não era de artistas eram apenas participantes do espetáculo. e ele que era o “escada” do palhaço daí então, se transformou, às pressas, em um palhaço sem graça tendo por escada a sua própria esposa.  Os seus dois filhos, ainda adolescentes e inexperientes, faziam, precariamente, uma apresentação improvisada sem nenhuma atração. ---  Outro número que ainda restou foi o do domador de animais que era seu cunhado, consequentemente, da família e que fazia uma apresentação com os cachorrinhos, formando dois times de futebol, sempre vestindo camisas de times variados. Realmente, essa era a única atração que interessava a uns poucos expectadores. E como a situação financeira do circo deixava a vida dos cachorrinhos periclitante, não faltava quem ajudasse na alimentação dos animais. Os açougueiros davam pontas de carnes e supunha-se que o pessoal do circo se tornava convidados dos cachorros. Aliás, num tempo de carne barata era comum os açougueiros dar pontas de carne para os animais

O dono do circo, que de artista nada tinha, teria sido um aventureiro que saiu do interior de São Paulo, após comprar esse circo de um proprietário idoso sem filhos que tivera que abandonar o ramo por ter sido falecida a sua esposa. Esse proprietário aventureiro teria saido pelo mundo, vindo parar em Candeias. 

O circo que antes não era bom quase sem atrações, agora teria ficado pior.  A verdade é que era uma plateia minguada, composta, em sua maioria, pelo sexo masculino e que ia ao espetáculo apenas para ver a sua esposa de maiô. A coroa era, realmente, muito bonita e em uma cidade sem piscina, sem praça de esporte, sem mar, e naquele tempo, bem atrasada, ver uma mulher de maiô era somente em um circo. E a turma babava assistindo, ao vivo, àquela cena que apenas se via nas telas dos cinemas. E o pobre dono do circo, sem alternativas, presenciava a sua mulher ser chamada de “avião gostoso” "trem bão" " quanto quer" sem poder falar nada.

Na ânsia de atrair algum expectador, em prol da própria sobrevivência, o proprietário circense já não tinha mais o que inventar, portanto, fez-se a tentativa de montar espetáculos com recursos gratuitos da cidade: foi luta de boxe, em um ringue improvisado; foi luta livre; ( Nisso eu me lembro do Dico do Josias, quando ele levou um soco no rosto que saiu todo ensaguentado) Com essa sena acabou esse tipo de atração. --- Dai surgiu o programa de calouro, orquestrado por músicos da cidade que colaboravam com o modesto coliseu. Nisso eu me lembro de uma tal de Ivanilda, que quando ela começava a cantar a plateia caia na gargalhada, de  tão desafinada que era. 

Finalmente, ele resolveu fazer um concurso de piadas e convocou a se inscreverem pessoas da cidade para contá-las. Havia, todavia, uma importante recomendação de que nas anedotas não poderiam conter palavrões. Seriam apenas piadas de salão que pudessem ser entendidas por crianças, jovens, moças e senhoras. Não, poderia, consequentemente, faltar com o respeito ao público.

Balbino, o cortador de pedras que já foi personagem de um caso contado neste blog, DOCE DE BICHO DE GOIABA, se inscreveu para contar suas piadas no dia do espetáculo marcado.

Não existia qualquer assistente nas arquibancadas. A assistência presente se limitava a um preço único que era promocional para as cadeiras que rodeavam o picadeiro. O concurso de piadas ia, até então, muito mal, não causando tanto interesse na plateia. Afinal, piada para ser engraçada tem que ter malícia, palavrão e tudo que retrata coisas proibidas de falar. Poucos são aqueles que conseguem fazer um humor sem maldade. Finalmente, chegou a vez do Balbino:

Logo, na hora “H”, ele é chamado ao picadeiro e se apresenta todo sorridente, como se fosse um arlequim famoso, mostrando as suas presas superiores e o céu aberto da sua boca. Ele não possuía os dentes da frente, o que deixava à vista a vermelhidão de sua úvula palatina, sem nenhum exagero.

Começa o Balbino:

--- Oh, Gente! Buanoiti! No dia qui eu iscutei essa piada, eu ri até fazê xixi nas carça. Daí, eu passei a contá ela pusôto. No dia  qui eu contei pu Gerardo Dorcilino, pur pouco, ele num feiz cocô nas carça. Ele arriu, arriu, arriu, até num querê mais. É uma piadinha boba, mais, ela é bem ingraçada. Eu quero oferecê ela pus vereadô da cidade que gosta de gozá os rocero. E quem pensa que rocero é bobo, tá inganado
.
A piada é assim:

 Um cabôco ganhô a eleição de vereadô e ficô mitido dimais da conta. Ele tinha um carro, aí, arrumô um mutorista particulá pá dá un’has vorta pas roça afora. Sentou atrais no carro, como se fosse o Presidente do Brasir ou um deputado famoso. Ele era mitido dimais, sô. Mais dimais memo.

Quando foi passano perto de uma roça de mio, viu um véio capinano num solão danado de quente. Ele que divia ficá cum dó do véio, mandô pará o carro, abriu a ginela do carro e gritô:

--Oh, caipira! Prá dondé qui eu vô, fica longe?

E daí, o pobre do véio incostou no cabo da inchada, pensô, pensô e falô prele:

---Óia, moço! Aí, vai dependê, sô. Se ocê tá indo vê aquela vaca que te pois no mundo,  já ficô lááá atrais; --- Se tá indo atrais daquilo que todo mundo joga na privada, tá lááá na frente; agor’a se ocê tá quereno levá no trasêro no lugá que a galinha toma,  é aqui no meu colo, uai.


E ninguém riu. Ninguém achou graça. Ninguém entendeu o sentido da piada e, assim, Balbino apelou:

--- Uai parece qui ninguém achô graça, sô! Tamém a gente contá piada sem podê falá:  vá pá puta que te pariu,  vá pá merda e vá tomá no rabo... Não dá né...Aí, ninguém ri, uai. E a gente fica com cara de fejão sem sale.

Assim que ele disse isso a turma caiu na risada e não parava de rir. Agora ele teria sido muito, muito engraçado.

 

Finalmente, foram todos embora. O circo ficou abandonado por muito tempo. Até que um dia foi levado embora. Lembro-me de Dona Fina Teixeira, com a voz embargada dizendo: “Como é triste a vida de artista”.

 

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos

 


Postado por Armando Melo de Castro às 18:55

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Vista a partir da Igreja Matriz com destaque para a belíssima praça circundada pela Avenida 17 de Dezembro (dia da cidade).

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Autor: Armando Melo de Castro




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