E esse circo que já chegou perdendo o folego financeiro, viu a sua
situação agravar tanto que de uma só vez levou a sua companhia abandona-lo e
voltar para as suas origens. Ficara apenas o palhaço, preso por laços de
amizade com o proprietário, e por ter o pai que o acompanhava pelo mundo, idoso
e doente. Até que ele, o palhaço, do mesmo modo, vendeu o seu rádio “rabo
quente” para o meu tio Wantuil Delminda e regressou à sua terra no interior de
São Paulo. Após a partida do palhaço, que era a melhor atração do circo, o
proprietário do itinerante ficou de pernas e mãos atadas. Assim, a sua
companhia se resumiu numa irmã, dois filhos adolescentes, um cunhado domador de
cachorros e a sua esposa, uma mulher realmente bonita e que tinha um
corpo de chamar a atenção. ---- Com a aquela história que a luz vem hoje
ou vem amanhã, a situação deles foram se agravando.
A irmã do dono, que era uma balzaquiana pra piscar o olho, encanou a sua perna com o Dite Freire, que era meio tarado com as mulheres de circos e ciganos que se armavam ali na Praça Antônio Furtado. Ele estava sempre beirando essas mulheres e às vezes saia contando as vantagens, os preços, mas nunca contava onde teria sido a alcova ou o leito de onde teria acontecido a barganha com a laranja, os gritinhos e os gemidinhos...
Enfim, a luz voltou vinte dias depois.
Esta soca da companhia não era de artistas eram apenas participantes do espetáculo. e ele que era o “escada” do palhaço daí então, se transformou, às pressas, em um palhaço sem graça tendo por escada a sua própria esposa. Os seus dois filhos, ainda adolescentes e inexperientes, faziam, precariamente, uma apresentação improvisada sem nenhuma atração. --- Outro número que ainda restou foi o do domador de animais que era seu cunhado, consequentemente, da família e que fazia uma apresentação com os cachorrinhos, formando dois times de futebol, sempre vestindo camisas de times variados. Realmente, essa era a única atração que interessava a uns poucos expectadores. E como a situação financeira do circo deixava a vida dos cachorrinhos periclitante, não faltava quem ajudasse na alimentação dos animais. Os açougueiros davam pontas de carnes e supunha-se que o pessoal do circo se tornava convidados dos cachorros. Aliás, num tempo de carne barata era comum os açougueiros dar pontas de carne para os animais
O dono do circo, que de artista nada tinha, teria sido um aventureiro que saiu do interior de São Paulo, após comprar esse circo de um proprietário idoso sem filhos que tivera que abandonar o ramo por ter sido falecida a sua esposa. Esse proprietário aventureiro teria saido pelo mundo, vindo parar em Candeias.
O circo que antes não era bom quase sem atrações, agora teria ficado pior. A verdade é que era uma plateia minguada, composta, em sua maioria, pelo sexo masculino e que ia ao espetáculo apenas para ver a sua esposa de maiô. A coroa era, realmente, muito bonita e em uma cidade sem piscina, sem praça de esporte, sem mar, e naquele tempo, bem atrasada, ver uma mulher de maiô era somente em um circo. E a turma babava assistindo, ao vivo, àquela cena que apenas se via nas telas dos cinemas. E o pobre dono do circo, sem alternativas, presenciava a sua mulher ser chamada de “avião gostoso” "trem bão" " quanto quer" sem poder falar nada.
Na ânsia de atrair algum expectador, em prol da própria sobrevivência, o
proprietário circense já não tinha mais o que inventar, portanto, fez-se a
tentativa de montar espetáculos com recursos gratuitos da cidade: foi luta de
boxe, em um ringue improvisado; foi luta livre; ( Nisso eu me lembro do Dico do
Josias, quando ele levou um soco no rosto que saiu todo ensaguentado) Com essa
sena acabou esse tipo de atração. --- Dai surgiu o programa de calouro,
orquestrado por músicos da cidade que colaboravam com o modesto coliseu. Nisso
eu me lembro de uma tal de Ivanilda, que quando ela começava a cantar a plateia
caia na gargalhada, de tão desafinada
que era.
Finalmente, ele resolveu fazer um concurso de piadas e convocou a se
inscreverem pessoas da cidade para contá-las. Havia, todavia, uma importante
recomendação de que nas anedotas não poderiam conter palavrões. Seriam apenas
piadas de salão que pudessem ser entendidas por crianças, jovens, moças e
senhoras. Não, poderia, consequentemente, faltar com o respeito ao público.
Balbino, o cortador de pedras que já foi personagem de um caso contado neste blog, DOCE DE BICHO DE GOIABA, se inscreveu para contar suas piadas no dia do espetáculo marcado.
Não existia qualquer assistente nas arquibancadas. A assistência presente se limitava a um preço único que era promocional para as cadeiras que rodeavam o picadeiro. O concurso de piadas ia, até então, muito mal, não causando tanto interesse na plateia. Afinal, piada para ser engraçada tem que ter malícia, palavrão e tudo que retrata coisas proibidas de falar. Poucos são aqueles que conseguem fazer um humor sem maldade. Finalmente, chegou a vez do Balbino:
Logo, na hora “H”, ele é chamado ao picadeiro e se apresenta todo sorridente, como se fosse um arlequim famoso, mostrando as suas presas superiores e o céu aberto da sua boca. Ele não possuía os dentes da frente, o que deixava à vista a vermelhidão de sua úvula palatina, sem nenhum exagero.
Começa o Balbino:
--- Oh, Gente! Buanoiti! No dia qui eu iscutei essa piada, eu ri até fazê xixi
nas carça. Daí, eu passei a contá ela pusôto. No dia qui eu contei pu
Gerardo Dorcilino, pur pouco, ele num feiz cocô nas carça. Ele arriu, arriu,
arriu, até num querê mais. É uma piadinha boba, mais, ela é bem ingraçada. Eu
quero oferecê ela pus vereadô da cidade que gosta de gozá os rocero. E quem
pensa que rocero é bobo, tá inganado.
A piada é assim:
Um cabôco ganhô a eleição de vereadô e ficô mitido dimais da conta. Ele
tinha um carro, aí, arrumô um mutorista particulá pá dá un’has vorta pas roça
afora. Sentou atrais no carro, como se fosse o Presidente do Brasir ou um
deputado famoso. Ele era mitido dimais, sô. Mais dimais memo.
Quando foi passano
perto de uma roça de mio, viu um véio capinano num solão danado de quente. Ele
que divia ficá cum dó do véio, mandô pará o carro, abriu a ginela do carro e gritô:
--Oh, caipira! Prá dondé qui eu vô, fica longe?
E daí, o pobre do
véio incostou no cabo da inchada, pensô, pensô e falô prele:
---Óia, moço! Aí, vai dependê, sô. Se ocê tá indo vê aquela vaca que te pois no
mundo, já ficô lááá atrais; --- Se tá indo atrais daquilo que todo
mundo joga na privada, tá lááá na frente; agor’a se ocê tá quereno levá no
trasêro no lugá que a galinha toma, é aqui no meu colo, uai.
E ninguém riu. Ninguém achou graça. Ninguém entendeu o sentido da piada e,
assim, Balbino apelou:
--- Uai parece qui ninguém achô graça, sô! Tamém a gente contá piada sem
podê falá: vá pá puta que te pariu, vá pá merda e vá tomá
no rabo... Não dá né...Aí, ninguém ri, uai. E a gente fica com cara de fejão
sem sale.
Assim que ele disse isso a turma caiu na risada e não parava de rir. Agora ele
teria sido muito, muito engraçado.
Finalmente, foram
todos embora. O circo ficou abandonado por muito tempo. Até que um dia foi
levado embora. Lembro-me de Dona Fina Teixeira, com a voz embargada dizendo: “Como
é triste a vida de artista”.
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e
Acasos
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