Foto para ilustrar o texto.
Na minha adolescência, conheci um candeense cujo comportamento lhe daria o adjetivo de safado, ou melhor, de safadão. Para as pessoas que gostam de colocar as palavras no diminutivo, uma característica dos membros da família Alvarenga, por exemplo, ele, com certeza, seria chamado de safadinho. Tinha, mais ou menos, setenta anos de idade, do tipo manguarão, pescoço comprido, uma boca grande apresentando uma dentadura que exaltava os dotes profissionais do dentista, Boanerges Pacheco, feitas em uma única forma. Possuía o cabelo branco, cortado à moda Príncipe Danilo além de uma voz mole que dava a aparência de pensar palavra por palavra sobre o que ia falar. Creio que seu nome deveria ser Alexandre, mas, todo mundo o tratava e o conhecia por Xande. Quando ele vinha ao encontro de uma turma, as pessoas já se preparavam para identificá-lo: - “Lá vem o velho safado!
Chamava todo mundo de "bem" ou de
"menino" fosse homem ou mulher. As mulheres nunca conversavam com ele
porque se assim fizessem, levavam na cara certos elogios que as deixavam envergonhadas
ao extremo. Fosse velha ou fosse nova, fosse criança ou adolescente, o tema das
suas conversas era sempre considerado indecente.
Se a mulher fosse velha, ele, descaradamente, dizia:
--- Ocê ainda dá uma
brincadeira boa, meu bem! Galinha véia dá cardo grosso! E como dá! Cê guenta
muito bem uma meia sola, sô! Ocê, minha fia, dá uma requenta de bacaiau muito
boa que dá pá inchê o pandu até num querê mais.
Se era um tipo balzaquiana, ele diria com a cara mais
lambida:
--- Sá sinhora, minha
fia do céu! Ocê tá cuma tanajura apititosa dimais, sô! Agora que intendi purque
qui o zôto fala qui come tanajura. Ocê prá mim é uma janta de natal, daquelas
qui a gente vai cumeno, cumeno até dá indigistan.
Se a mulher era uma mocinha nova, uma adolescente, aí fazia
um comentário sucinto:
--- Êh, minina, ocê tá
do jeito que eu penso! Deve tá iguar uma ispiguinha de mio verde discascada.
Cabilim marilim. Inda num pode cumê purque num granô direito.
O seu grande amigo de conversa e de safadeza era o Dé
Cassiano. Eles estavam sempre conversando. Comumente, eram vistos em um banco
da praça, em frente ao Bar Piloto. E para cada mulher que passava, eles tinham
um comentário a fazer. Despiam-nas em pensamento, imaginavam-nas ensaboadas,
tomadas e penetradas, totalmente isentas de vestes e pudor. Xande dava tanta
ênfase ao assunto e parecia até que iria sentir um orgasmo imaginário. O que
fazia muita gente crer se tratar de um tarado. Mas, nunca passou de pura
conversa. Nunca se teve notícia de que tivesse passado da conta com alguma
mulher.
Dentre os poucos homossexuais que havia em Candeias, naquele
tempo, Renê nunca escondeu isso de ninguém. Todo mundo sabia disso e o aceitava
em virtude da sua lealdade consigo mesmo porque, desde criança, expunha não uma
opção sexual como muitos dizem, mas sim, a sua condição sexual. Ele dizia que
era homossexual porque se sentia assim e não porque teria optado para isso.
Afinal, essa condição lhe custava certos problemas, inclusive, dentro da
própria família e ele sempre as encarou sem escândalos, sem brigas e com muita
dignidade.
Estávamos no carnaval de 1961 e Renê era um grande animador
da folia em Candeias. Sempre inventava uma fantasia inteligente. Naquele ano,
ele retratou o cosmonauta russo, Iuri Gagarin o primeiro homem a viajar pelo
universo em uma espaçonave. Era o assunto do momento. O mundo se preparava para
assistir à primeira missão espacial tripulada da história.
Renê fez a sua fantasia demonstrando, sucintamente, as
vestes de Gagarin: um macacão de astronauta. E para uma ênfase maior, usou um
capacete como uma pequena réplica da espaçonave com as suas antenas o que lhe
dava uma aparência de quem portava enormes cornos.
Empanado naquela alegoria, Renê desce a avenida e, ao passar
em frente ao Bar Piloto, cai sobre os olhos da dupla de comentaristas
indiscretos: Xande e Dé Cassiano:
Sabendo que iria temperar o angu daquela panela que
fermentava a vida alheia, Renê parou de repente, deu uma rabanada feito um
pavão enfeitado ou de um ganso que saiu da água e seguiu o seu caminho ficando
a mercê do julgamento daqueles juízes carnavalescos.
---Minino do céu!? Cê
viu, Dé? O que qui é isso, criatura?
---Esse é aquele fio do
Chico de Assis, o Renê.
---O que qui é aquilo na
cabeça dele? Tá pareceno chifre! Tá doido, sô?! Tá iscambado dimais da conta,
uai!
----Uai, Xande, com esse
trem na cabeça, tá pareceno que ele reganhô de veis.
----Ocê parece, Dé, que porva
dessas fruta encaroçada?
----Cê é doido, Xande!
Fruta que dá no esgôto é veneno. No meu cardápio, eu prifiro um den de aio, ou
intão, um pastilinho.
Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos
Um comentário:
Amei ......Parabéns
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