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domingo, 21 de abril de 2013

O VELHO SAFADO.


Foto para ilustrar o texto.
Na minha adolescência, conheci um candeense cujo comportamento lhe daria o adjetivo de safado, ou melhor, de safadão. Para as pessoas que gostam de colocar as palavras no diminutivo, uma característica dos membros da família Alvarenga, por exemplo, ele, com certeza, seria chamado de safadinho. Tinha, mais ou menos, setenta anos de idade, do tipo manguarão, pescoço comprido, uma boca grande apresentando uma dentadura que exaltava os dotes profissionais do dentista, Boanerges Pacheco, feitas em uma única forma. Possuía o cabelo branco, cortado à moda Príncipe Danilo além de uma voz mole que dava a aparência de pensar palavra por palavra sobre o que ia falar. Creio que seu nome deveria ser Alexandre, mas, todo mundo o tratava e o conhecia por Xande. Quando ele vinha ao encontro de uma turma, as pessoas já se preparavam para identificá-lo: - “Lá vem o velho safado!

Chamava todo mundo de "bem" ou de "menino" fosse homem ou mulher. As mulheres nunca conversavam com ele porque se assim fizessem, levavam na cara certos elogios que as deixavam envergonhadas ao extremo. Fosse velha ou fosse nova, fosse criança ou adolescente, o tema das suas conversas era sempre considerado indecente.

Se a mulher fosse velha, ele, descaradamente, dizia:

--- Ocê ainda dá uma brincadeira boa, meu bem! Galinha véia dá cardo grosso! E como dá! Cê guenta muito bem uma meia sola, sô! Ocê, minha fia, dá uma requenta de bacaiau muito boa que dá pá inchê o pandu até num querê mais.

Se era um tipo balzaquiana, ele diria com a cara mais lambida:

--- Sá sinhora, minha fia do céu! Ocê tá cuma tanajura apititosa dimais, sô! Agora que intendi purque qui o zôto fala qui come tanajura. Ocê prá mim é uma janta de natal, daquelas qui a gente vai cumeno, cumeno até dá indigistan.

Se a mulher era uma mocinha nova, uma adolescente, aí fazia um comentário sucinto:

--- Êh, minina, ocê tá do jeito que eu penso! Deve tá iguar uma ispiguinha de mio verde discascada. Cabilim marilim. Inda num pode cumê purque num granô direito.

O seu grande amigo de conversa e de safadeza era o Dé Cassiano. Eles estavam sempre conversando. Comumente, eram vistos em um banco da praça, em frente ao Bar Piloto. E para cada mulher que passava, eles tinham um comentário a fazer. Despiam-nas em pensamento, imaginavam-nas ensaboadas, tomadas e penetradas, totalmente isentas de vestes e pudor. Xande dava tanta ênfase ao assunto e parecia até que iria sentir um orgasmo imaginário. O que fazia muita gente crer se tratar de um tarado. Mas, nunca passou de pura conversa. Nunca se teve notícia de que tivesse passado da conta com alguma mulher.

Dentre os poucos homossexuais que havia em Candeias, naquele tempo, Renê nunca escondeu isso de ninguém. Todo mundo sabia disso e o aceitava em virtude da sua lealdade consigo mesmo porque, desde criança, expunha não uma opção sexual como muitos dizem, mas sim, a sua condição sexual. Ele dizia que era homossexual porque se sentia assim e não porque teria optado para isso. Afinal, essa condição lhe custava certos problemas, inclusive, dentro da própria família e ele sempre as encarou sem escândalos, sem brigas e com muita dignidade.

Estávamos no carnaval de 1961 e Renê era um grande animador da folia em Candeias. Sempre inventava uma fantasia inteligente. Naquele ano, ele retratou o cosmonauta russo, Iuri Gagarin o primeiro homem a viajar pelo universo em uma espaçonave. Era o assunto do momento. O mundo se preparava para assistir à primeira missão espacial tripulada da história.

Renê fez a sua fantasia demonstrando, sucintamente, as vestes de Gagarin: um macacão de astronauta. E para uma ênfase maior, usou um capacete como uma pequena réplica da espaçonave com as suas antenas o que lhe dava uma aparência de quem portava enormes cornos.
 Empanado naquela alegoria, Renê desce a avenida e, ao passar em frente ao Bar Piloto, cai sobre os olhos da dupla de comentaristas indiscretos: Xande e Dé Cassiano:
 Sabendo que iria temperar o angu daquela panela que fermentava a vida alheia, Renê parou de repente, deu uma rabanada feito um pavão enfeitado ou de um ganso que saiu da água e seguiu o seu caminho ficando a mercê do julgamento daqueles juízes carnavalescos.

---Minino do céu!? Cê viu, Dé? O que qui é isso, criatura?

---Esse é aquele fio do Chico de Assis, o Renê.

---O que qui é aquilo na cabeça dele? Tá pareceno chifre! Tá doido, sô?! Tá iscambado dimais da conta, uai!

----Uai, Xande, com esse trem na cabeça, tá pareceno que ele reganhô de veis.

----Ocê parece, Dé, que porva dessas  fruta encaroçada?

----Cê é doido, Xande! Fruta que dá no esgôto é veneno. No meu cardápio, eu prifiro um den de aio, ou intão, um pastilinho.

Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos


Um comentário:

Anônimo disse...

Amei ......Parabéns