Por volta do ano de 1957,
quando eu contava com meus onze anos de idade, minha família teve uma
residência provisória, na Rua José Furtado, que liga a Rua Coronel João Afonso
à Praça Ilídia Cardoso Freire, no Bairro da Gruta. Naquela oportunidade, eu
convivi com um grande pé de goiaba que ficava na divisa entre a nossa morada e
a de um vizinho, chamado Balbino.
Balbino, natural da cidade
de Formiga, teria vindo para Candeias a fim de trabalhar como cortador de
pedras para as obras de calçamento que se iniciavam, então, por ocasião da
gestão do Prefeito José Pinto de Resende.
Viera acompanhado de sua
família: sua esposa Dica, seu filho Idelfonso e suas filhas, Rosa e Maria do
Carmo e a netinha Ingred. ----- Contava uns cinquenta e poucos anos de
idade, mais ou menos. Moreno escuro, alto, cabelo ruim, mal barbeado,
sorridente a mostrar uma falha de dente, no maxilar superior. Falava alto.
Aliás, na sua casa, todos falavam alto. A vizinhança tinha conhecimento de tudo
o que se passava no seio da sua família.
A mulher gorda, cabelos
embaraçados, trajando sempre um vestido cor de terra “bate-e-enxuga” tinha um
problema na visão e estava sempre usando uns óculos escuros. Um dia, eu a vi
sem os óculos e observei que era caolha.
O filho mais velho, o
Idelfonso, era viúvo, tinha perdido a mulher no parto da filha Ingrid. (Não sei
onde arrumaram este nome – Talvez tenha sido uma alusão à Ingrid Bergman...).
Essa netinha era criada pelos avós.
Rosa era gordona. Cabelo curto,
seios enormes, achava graça de tudo e ria alto chamando a atenção dos outros.
Não tinha namorado e já contava a idade das balzaquianas. Dizia sempre que não
era chegada na fruta, chamada homem.
Maria do Carmo, a caçula,
era a mais silenciosa e a de melhor aparência. Tinha um namorado metido a
cantor sertanejo que, de quando em vez, aparecia por lá com um violão e o seu
prefixo musical era a moda de viola “Ciganinha”. A sua voz de taquara rachada,
sem nenhuma tessitura, já andava ferindo os ouvidos de toda a vizinhança,
principalmente, nos dias de bebedeira. Chamava-se Otávio, tinha cara de otário
e era tratado de Tavinho.
Tavinho era uma figura
chocha, sem sal. Gostava de uma camisa vermelha e tinha o cabelo longo coisa,
então, da moda jovem da época. Aos domingos, sempre chegava com uma garrafa de
pinga, algumas de cerveja e um pedaço de carne. Aquilo era como que uma isca
para ganhar o sogro que era demasiadamente avarento, mas gostava de molhar o
gogó com uma pinguinha e estercar-se com um pedaço de carne regado à cerveja.
Mas, isso, naturalmente, quando de graça, porque o velho parecia que mantinha
um escorpião nos bolsos.
E não só ele gostava da
cangibrina, como, também, toda a prole apreciava o bochecho. E quando todos
ficavam embriagados, o velho se danava a falar palavrão e a velha a cantar
desafinada com o genro. ------ A Rosa a dar risada e o Idelfonso a bater no fundo de
uma panela. A única a falar pouco, era a Maria do Carmo, a pretendida do
patrocinador daquele banquete romano.
Balbino era notável pela sua
avareza. Comprava tudo de meio em meio quilo e quando lhe pedia algum dinheiro
estava sempre reclamando:
---“Oceis tá gastano dimais
gente! Os trem tá muito caro sô. É priciso incunumiza muncado, sinão nóis vai é
passá fome. Ocêis tá cumeno fora das midida”.
O velho era bravo e, quando
a mulher arriscava a lhe dizer para deixar de jogar no bicho, ele quase lhe
batia e dizia:
--- Jogo sim! E ninguém tem
nada quisso. Os cobre é meu e pronto...
Voltando ao pé de goiaba, na divisa entre o nosso quintal e o deles, havia um grande pé de goiaba cuja carga, naquele ano, teria sido bastante carregada. O cheiro da goiabeira ia longe e era goiaba para todos os lados. Porém, cheia de bichos.
Certo dia, como as portas
das nossas cozinhas ficavam próximas, ouvi quando a Dica disse para a netinha
Ingrid:
--Hoje eu vou fazê um
poquinho de doce de goiaba procê... Só que ocê vai tê qui me ajudá a catá os
bicho...
Daí a pouco, vem chegando a
Rosa:
--- Que qué isso mamãe, vai
fazê o quê quessas goiaba?
--- Um docinho pá Ingrid...
--- O quê? A siôra ficô
doida? Isso nem é goiaba, é bicho puro...
--- A Ingrid vai me ajudá a
catá os bicho...
Logo depois, vem chegando o
Idelfonso, pai da Ingrid:
---O que é isso mamãe, vai
fazê o quê quessas goiaba, cheia de bicho?
--- Um docinho pá
Ingrid...
---Mas mamãe, isso não é
goiaba. Isso é o puro bicho. É mais fácil comprar um pacotinho de doce pronto...
Quem vai comer isso?
---A Ingrid vai me ajuda a
catá os bicho...
Daí a pouco, vem chegando a
Maria do Carmo:
--Que é isso mãe? Vai fazê o
quê quessas goiaba bichenta?
--- Vou fazê um docinho pra
Ingrid, ela vai gostar...
---Mãe, que ideia ruim, Issso num é goiaba, Isso é o puro bicho e a senhora não enxerga bem...
---A Ingrid vai me ajuda a
catá os bicho...
---Eu não como isso, nem se
me matá...
Finalmente, chega o Balbino:
---Qué isso Dica? Ocê num tá
pensando em fazê doce de bicho de goiaba não, né?
---É só um poquinho, Bino. É
pra Ingrid...
---De jeito ninhum! Açuca tá
custano muito caro e quem compra é eu...
---Tadinha Bino, ela nunca
cumeu e vai gostá...
---E ocê vai dá doce de
bicho pra minina, muié? E dispois isso aí nem é goiaba. É mais bicho do quê
goiaba.
---Tadinha Bino, ela nunca
cumeu e vai gostá...
---Tadinha
Bino... Tadinho do meu borso, com açuca caro pra doce de bicho... E ocê
quessa vista ruim, nem vê os bicho. E quem é qui vai cume, isso?... Eu num
como...
---A Ingrid vai me ajudá a
catá os bicho...
---Cunversa fiada. A minina
tem quato ano e vai catá bicho?!... Deixa de enrolo...
---Eu vou fazé sim, Bino.
Mas, é com o dinherinho que ela ganhô do padrinho dela...
Alguns dias depois:
---Uai, Dica, a Ingrid num
cumeu o doce não?
-- Cumeu só um poquinho, a falazada dos bicho ispantô ela.
--- E ninguém quis cume,
não?
---Não, ninguém quis não...
---Intão eu vô cumê, pra num
perdê...
Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e
Acasos.
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