Praça Antonio Furtado (Foto Carlos Melo)
Atualmente, eu não seria capaz de descrever um dia de domingo em
Candeias. Tudo foi mudado em comparação ao meu tempo de criança. Agora, a
cidade cresceu e com ela a população. Mesmo, ainda, sendo uma cidade de pequeno
porte, perdeu aquela característica de vila. Hoje, se encontra com as ruas, praticamente, todas pavimentadas. Possui
outros recursos como hospital, diversas farmácias, produção de granito,
pequenas indústrias, um comércio mais amplo, e, também, uma zona rural mais
desenvolvida com mais mão-de-obra e produção de alimentos; educação, etc. Tudo
isso afora aquilo de que não tenho informação.
É
inegável, portanto, que a cidade melhorou muito. Embora o seu progresso seja
prejudicado pelas cidades de Campo Belo e Formiga, tendo em vista que é muito
facilitado o meio de transporte que liga a essas duas cidades. Isso tudo, com
certeza, faz com que o território da nossa paróquia fique parecendo uma
periferia, principalmente, na visão dos candeenses mais bairristas, assim como
eu, que sempre faço do coração um cofre para guardar as minhas lembranças.
Dizem que
Deus fez o mundo em seis dias e descansou no sétimo. Mas, em Candeias,
antigamente, era o contrário. O sétimo dia era dia de labuta para Deus e todos
os santos. O Padre, durante a semana, celebrava uma missa rápida de manhã para
uma meia dúzia de fiéis e depois ia descansar o resto do dia. Mas, aos domingos,*o
seu batente era pesado.
Começava
com a primeira missa às seis horas, depois a das oito para as crianças e, logo,
a missa das dez. À tarde ia pelas roças e à noite a bênção do santíssimo. Todas
essas missas tinham a freguesia certa. Eu sempre ia pela última, juntamente com
o meu pai. Não gostava de ir à missa das crianças porque esta era administrada
pelas professoras e, aos domingos, eu queria me livrar delas. E depois, a
companhia do meu pai me era muito agradável.
Após a
missa, comumente, passávamos na venda do Inácio Pacheco Lopes, situada ali,
onde, atualmente, encontra-se um escritório de contabilidade, no sobrado que
foi do Levy da Farmácia. O comércio do Inácio era uma mistura de armazém com
bar. Tinha lá um violão que o Alceu, seu filho, gostava de pontear e que o meu
pai, por vezes, após ter tomado algumas biritas e esquentado as
turbinas, tomava do instrumento e mostrava algumas do seu repertório como:
Cabocla Bonita, A Moda da Mula Preta, Noite de Reis, etc.
Havia um
varal, num canto do estabelecimento, no qual permaneciam, constantemente,
aquelas linguiças mistas tratadas de salsichões, normalmente, feitas de
subproduto bovino e suíno. Era comum essa iguaria naquele tempo. Um tipo de
embutido, pré-cozido, ficava exposto à ação do tempo e das moscas. E a
freguesia, recém saída da missa, queria benzer o santo, bebia cachaça e comia
aquele tira-gosto insalubre.
Eu que
ainda não degustava a bebida alcoólica, de posse de uma pequena garrafa de
guaraná, da marca MONTESE que, popularmente, era chamado de "água de
rapadura" tomava de um bom pedaço daquela linguiça e dava uma festa para
os ascarídeos que, com certeza, habitavam os meus intestinos. Devo confessar
que havia uma sintonia tão grande de minha boca com os meus intestinos que
aquilo nunca me fez mal. Até hoje, eu gosto daquela carniça como se fosse
uma excelente iguaria, apesar de que, atualmente, são fabricados com maior
esmero.
Dali,
íamos para casa, onde, normalmente, nesse dia, um franguinho nos esperava,
devidamente distribuído de acordo com a fórmula estipulada, ou seja, cada um
com o seu pedaço especificado.
Logo após
o almoço, era a vez do catecismo. A minha catequista era a Maria Brasileira,
filha do João do Padre e neta do Padre Américo. Terminado o catecismo, era
distribuído o chamado "bom ponto" uma espécie de senha que
proporcionava à criançada pagar meio ingresso na matinê do cinema.
O resto
do dia não tinha mais o que fazer. À noite, voltava à igreja para rezar mais.
Não havia televisão. Era então hora de ouvir as histórias da carochinha
contadas por meu pai e depois ir para a cama.
De quando
em vez, aparecia na cidade um circo de tourada e ou de cavalinhos, como era
chamado, e, também, alguns parques de diversões. Essas atrações eram
verdadeiros atestados de pobreza, mesmo porque, a cidade não comportava uma
companhia requintada. Mas, aquilo para a meninada era uma verdadeira alegria. O
local designado para a armação desses itinerantes era a Praça Antônio Furtado.
Lembro-me
que, certa vez, um circo ficou abandonado por falta de artistas. A companhia
abandonou o dono do circo, por falta de pagamento, e a prefeitura foi quem teve
de transportá-lo para a cidade de seu proprietário. Era, realmente, um tempo de
vacas magras. Mas, por falar em circos e parques de diversões, remexo no fundo
do baú das minhas recordações e encontro à tarde de um domingo quando vi, pela
primeira vez, uma cena obscena e isso se dera em um momento que chegava à praça
um parque desses bem mixos.
Maria do
Firmino foi uma pessoa que eu considero ser das reminiscências mais marcantes
das minhas curiosidades de menino e, talvez, ainda possa estar vivendo, com o
mesmo aspecto na memória, também, dos meus colegas daquela época.
Figura
corpulenta, barriga um pouco crescida, seios enormes, cabelos crespos, rosto
isento de dotes femininos. Enfim, uma estatura longe de ser desejada para um
afago.
Sofria
das faculdades mentais e andava a cidade toda a passos largos. Era sempre vista
falando em voz alta pela rua afora. Às vezes, rindo e, às vezes, xingando.
Era aquela loucura zanzando para baixo e para cima. Apesar de ser ainda uma
criança eu tinha muita pena daquela senhora.
Quando
vinha se aproximando, a meninada já lhe provocava dirigindo-lhe uma pilheria ou
emitindo assovios a sua passagem.
Em uma
tarde, quando a meninada estava reunida aguardando a hora do funcionamento do
parque que ficava perto de minha casa vem se aproximando a Maria do Firmino
falando e gesticulando, como sempre fazia.
De
repente, um dos meninos, em um gesto de incitação, grita: "Maria,
mostra o pastelão!" e foi, nesse momento, que a pobre infeliz suspende o
seu vestido, acima da cintura, e mostra aos presentes toda a sua intimidade.
Não havia nada por baixo. Mostrou detalhadamente e ainda falando alto:
"mostro, mas não dou". Virou-se e deu uma tapa nas suas nádegas
volumosas e bradou: "Não dou! E não dou. Nem isso, aqui"!...
E
eu encalistrado e totalmente bloqueado, vendo aquele baita órgão
vulvuterino envolvido num chumaço de pelos crespos e aquele traseiro
disparatado parecendo um holofote causando uma tremenda tempestade eufórica na
turma, deixando-me totalmente atordoado, em uma completa desordem emocional.
Naquele momento, eu acabava de doar ao mundo uma dose da ingenuidade e ilusão
da minha infância, ainda sem pecados...
Armando
Melo de Castro
Candeias
MG Casos e Acasos
Um comentário:
Ana Ferreira Villela era minha bisavó e José Primeiro Villela meu tataravô.
Tenho uma viagem marcada para perto de Braga/Portugal e aproveitarei para conhecer a região das Palmeiras onde viveu Custódio.
Será que ainda tenho parentes lá? Ou documentos da família para serem pesquisados lá?
Mariana (oliveiramariana@yahho.com)
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