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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

MARIA DO FIRMINO

Praça Antonio Furtado (Foto Carlos Melo)


Atualmente, eu não seria capaz de descrever um dia de domingo em Candeias. Tudo foi mudado em comparação ao meu tempo de criança. Agora, a cidade cresceu e com ela a população. Mesmo, ainda, sendo uma cidade de pequeno porte, perdeu aquela característica de vila. Hoje, se encontra com as ruas, praticamente, todas pavimentadas. Possui outros recursos como hospital, diversas farmácias, produção de granito, pequenas indústrias, um comércio mais amplo, e, também, uma zona rural mais desenvolvida com mais mão-de-obra e produção de alimentos; educação, etc. Tudo isso afora aquilo de que não tenho informação.

É inegável, portanto, que a cidade melhorou muito. Embora o seu progresso seja prejudicado pelas cidades de Campo Belo e Formiga, tendo em vista que é muito facilitado o meio de transporte que liga a essas duas cidades. Isso tudo, com certeza, faz com que o território da nossa paróquia fique parecendo uma periferia, principalmente, na visão dos candeenses mais bairristas, assim como eu, que sempre faço do coração um cofre para guardar as minhas lembranças.

Dizem que Deus fez o mundo em seis dias e descansou no sétimo. Mas, em Candeias, antigamente, era o contrário. O sétimo dia era dia de labuta para Deus e todos os santos. O Padre, durante a semana, celebrava uma missa rápida de manhã para uma meia dúzia de fiéis e depois ia descansar o resto do dia. Mas, aos domingos,*o seu batente era pesado.

Começava com a primeira missa às seis horas, depois a das oito para as crianças e, logo, a missa das dez. À tarde ia pelas roças e à noite a bênção do santíssimo. Todas essas missas tinham a freguesia certa. Eu sempre ia pela última, juntamente com o meu pai. Não gostava de ir à missa das crianças porque esta era administrada pelas professoras e, aos domingos, eu queria me livrar delas. E depois, a companhia do meu pai me era muito agradável.

Após a missa, comumente, passávamos na venda do Inácio Pacheco Lopes, situada ali, onde, atualmente, encontra-se um escritório de contabilidade, no sobrado que foi do Levy da Farmácia. O comércio do Inácio era uma mistura de armazém com bar. Tinha lá um violão que o Alceu, seu filho, gostava de pontear e que o meu pai, por vezes, após ter tomado algumas biritas e esquentado as turbinas, tomava do instrumento e mostrava algumas do seu repertório como: Cabocla Bonita, A Moda da Mula Preta, Noite de Reis, etc.

Havia um varal, num canto do estabelecimento, no qual permaneciam, constantemente, aquelas linguiças mistas tratadas de salsichões, normalmente, feitas de subproduto bovino e suíno. Era comum essa iguaria naquele tempo. Um tipo de embutido, pré-cozido, ficava exposto à ação do tempo e das moscas. E a freguesia, recém saída da missa, queria benzer o santo, bebia cachaça e comia aquele tira-gosto insalubre.

Eu que ainda não degustava a bebida alcoólica, de posse de uma pequena garrafa de guaraná, da marca MONTESE que, popularmente, era chamado de "água de rapadura" tomava de um bom pedaço daquela linguiça e dava uma festa para os ascarídeos que, com certeza, habitavam os meus intestinos. Devo confessar que havia uma sintonia tão grande de minha boca com os meus intestinos que aquilo nunca me fez mal. Até hoje, eu gosto daquela carniça como se fosse uma excelente iguaria, apesar de que, atualmente, são fabricados com maior esmero.

Dali, íamos para casa, onde, normalmente, nesse dia, um franguinho nos esperava, devidamente distribuído de acordo com a fórmula estipulada, ou seja, cada um com o seu pedaço especificado.

Logo após o almoço, era a vez do catecismo. A minha catequista era a Maria Brasileira, filha do João do Padre e neta do Padre Américo. Terminado o catecismo, era distribuído o chamado "bom ponto" uma espécie de senha que proporcionava à criançada pagar meio ingresso na matinê do cinema.

O resto do dia não tinha mais o que fazer. À noite, voltava à igreja para rezar mais. Não havia televisão. Era então hora de ouvir as histórias da carochinha contadas por meu pai e depois ir para a cama.

De quando em vez, aparecia na cidade um circo de tourada e ou de cavalinhos, como era chamado, e, também, alguns parques de diversões. Essas atrações eram verdadeiros atestados de pobreza, mesmo porque, a cidade não comportava uma companhia requintada. Mas, aquilo para a meninada era uma verdadeira alegria. O local designado para a armação desses itinerantes era a Praça Antônio Furtado.

Lembro-me que, certa vez, um circo ficou abandonado por falta de artistas. A companhia abandonou o dono do circo, por falta de pagamento, e a prefeitura foi quem teve de transportá-lo para a cidade de seu proprietário. Era, realmente, um tempo de vacas magras. Mas, por falar em circos e parques de diversões, remexo no fundo do baú das minhas recordações e encontro à tarde de um domingo quando vi, pela primeira vez, uma cena obscena e isso se dera em um momento que chegava à praça um parque desses bem mixos.

Maria do Firmino foi uma pessoa que eu considero ser das reminiscências mais marcantes das minhas curiosidades de menino e, talvez, ainda possa estar vivendo, com o mesmo aspecto na memória, também, dos meus colegas daquela época.

Figura corpulenta, barriga um pouco crescida, seios enormes, cabelos crespos, rosto isento de dotes femininos. Enfim, uma estatura longe de ser desejada para um afago.
Sofria das faculdades mentais e andava a cidade toda a passos largos. Era sempre vista falando em voz alta pela rua afora. Às vezes, rindo e, às vezes, xingando. Era aquela loucura zanzando para baixo e para cima. Apesar de ser ainda uma criança eu tinha muita pena daquela senhora.

Quando vinha se aproximando, a meninada já lhe provocava dirigindo-lhe uma pilheria ou emitindo assovios a sua passagem.

Em uma tarde, quando a meninada estava reunida aguardando a hora do funcionamento do parque que ficava perto de minha casa vem se aproximando a Maria do Firmino falando e gesticulando, como sempre fazia.

De repente, um dos meninos, em um gesto de incitação, grita: "Maria, mostra o pastelão!" e foi, nesse momento, que a pobre infeliz suspende o seu vestido, acima da cintura, e mostra aos presentes toda a sua intimidade. Não havia nada por baixo. Mostrou detalhadamente e ainda falando alto: "mostro, mas não dou". Virou-se e deu uma tapa nas suas nádegas volumosas e bradou: "Não dou! E não dou. Nem isso, aqui"!...

E eu encalistrado e totalmente bloqueado, vendo aquele baita órgão vulvuterino envolvido num chumaço de pelos crespos e aquele traseiro disparatado parecendo um holofote causando uma tremenda tempestade eufórica na turma, deixando-me totalmente atordoado, em uma completa desordem emocional. Naquele momento, eu acabava de doar ao mundo uma dose da ingenuidade e ilusão da minha infância, ainda sem pecados...


Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos 

Um comentário:

Unknown disse...

Ana Ferreira Villela era minha bisavó e José Primeiro Villela meu tataravô.

Tenho uma viagem marcada para perto de Braga/Portugal e aproveitarei para conhecer a região das Palmeiras onde viveu Custódio.

Será que ainda tenho parentes lá? Ou documentos da família para serem pesquisados lá?

Mariana (oliveiramariana@yahho.com)