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sábado, 29 de setembro de 2012

A LINGUA DE DONA ESTER.



                                                             Foto para ilustrar o texto.

No final da década de 50, chegou a Candeias uma mudança oriunda da cidade de Itapecerica, pertencente a uma família de classe média. O homem contanto os seus quarenta e cinco anos anos, mais ou menos; cabelo crespo, moreno, barba cerrada, pescoço curto, nariz achatado, boca de caçapa e cara bem trombuda.---- Chamava-se Gabriel. ---- A mulher tinha uma cor clara, do “corpo cheio”, o cabelo quase louro e muito mal cuidado. Chamava-se Luzia. --- O casal tinha apenas uma filha, a Sueli, com, aproximadamente uns quinze anos de idade; magra, feia, voz de taquara rachada e representava muito bem a miscigenação do pai com a mãe
-----Essa família chegou de uma forma bem sorrateira. Não conhecia ninguém e não tinha qualquer referência com o povo da Rua Coronel João Afonso, onde se estabeleceu morada, em um chalé de aluguel que existia no quarteirão entre as Ruas José Furtado e Professor Portugal.


A chegada desses novos vizinhos agitou a vizinha Dona Ester, a terceira vizinha acima da residência dos recém-chegados. ----


Sendo a minha família moradora do pedaço, eu diria que a família do Sr. Gabriel estava rodeada de bons vizinhos; contudo, para o bem da verdade, todos gostavam de uma fofoquinha. --- Dona Ester, a minha grande amiga Dona Ester, por uma questão peculiar à natureza humana, era como a embaixatriz da rua e, obviamente, auto se incumbiu de fazer os primeiros contatos e, consequentemente, dar as primeiras notícias sobre aquela família incognoscível. E, depois, sairia repartindo de casa em casa as informações.


Dona Ester era muito boa. Muito prestativa, contudo, entrava demasiadamente na vida da vizinhança. Ela era uma verdadeira paroleira daquelas recomendadas na Bíblia por Timóteo (5.13). ----- Assim, tão logo a nova família se estabeleceu, ela já planejou fazer uma visita de cortesia e oferecer os seus préstimos para os novos vizinhos. ----- Gostava de comer o mingau pelas beiradas. Para não queimar a boca, todavia, levava os outros a se queimarem. Mas desta vez o tiro saiu pela culatra.


Especialista em fofocas, ela colocava palavras na boca das pessoas e lhes puxava a língua. Dessa maneira, foi o que aconteceu logo que travou conhecimento com a família do Sr. Gabriel, especialmente, com Dona Luzia já nos primeiros dias.


Dona Ester não tinha filhos, porém, gostava muito de crianças. Naquela época, eu com os meus 13 anos, e sendo nossa vizinha, eu estava sempre na sua casa a seu chamado na boca de espera por seus doces de laranja da terra, de limão china, de figo, etc. Até hoje, eu aprecio muito esses doces que aprendi a saboreá-los com Dona Ester.


Certo dia Dona Ester me chamou para acompanha-la numa visita que faria aos novos vizinhos. ----- E eu, mais do que depressa, a acompanhei até aquela residência. Sem nunca ter imaginado o que iria acontecer lá. ------ Logo que por lá chegamos, ela já começou a dar asas a sua curiosidade:


---Sabe, Dona Luzia, eu tô muito feliz de ter ocêis de vizinho. Espero que goste de nóis.


----Desse modo, Dona Ester começou com a sua investigação. ------


----Seu marido mexe cum quê?


---Óia, Dona Ester. Ele ainda tá sem sabê o que vai fazê aqui, nas Candeia.


---Uai, mais ele veio sem sabê? Intão oceis deve ser forgado! Um home parado e a fumacinha da chaminé subindo com os preço dos trem pra hora da morte...


---Não. Nóis num é forgado, mais nóis é rimidiado. Meu pai morreu e dexô um pedacinho de chão. Aí nóis vendeu e tamo com os cobre, pensano no que qui nóis vai fazê. O Bié ta pensando em abri um vendinha.


---Abri mais venda aqui, nas Candeia? Aqui já tá cheio de venda!...


--É que o Bié cansou de mexê cum roça. Roça, Dona Ester, num dá nada...


---É... Mais quem tá custumado com roça vai quere mexê cum venda? E o fiado!? Venda é um trem danado. Se num vende fiado, num vende nada. Se vende fiado, tá quebrado. E o seu marido sem prática... Será que ele dá conta?! E ôta coisa: inquanto oceis ficá pensano, os cobre vai acabano, né, Dona Luzia.


---É... Isso é. Mais...


---Mais oceis acha que aqui, nas Candeia, é mió do que lá in Tapecerica? Tapecerica é cidade maió. Aqui num tem nada. E o seu marido é rocêro. Ele divia ter ficado quéto lá no pedacinho dóceis. Vim pará aqui, sem sabe o qui vai faze, sei não... Sei não, Dona Luzia! Eu já vi muita vaca ir pu brejo quesse negócio de vendê terra e vim pra cidade.


---É, Dona Ester. Mais a senhora sabe né...


--Será que o seu marido num tinha argum rabo preso não, Dona Luzia? Ocêis tá aqui tem uma semana e ele já foi lá duas vêis! (Falou rindo)


---Bão! Isso eu num sei não, Dona Ester.... Eu acho qui não...


---Ocê acha. Mais esse negócio de acha é onde se perde. Home é tudo safado. Ninguém conhece home mais do que eu. Quando eu num era direita, a sinhora precisava de vê das coisa que eu fiquei sabeno. Tinha muito homem que falava que gostava mais de mim do que das muié deles.


---Quer dizer que a senhora já foi?...


---Eu tive uma vida muito difícil, Mais dei sorte de arranjá um véio que me acampô. Daí, agora, eu sou uma muié arespeitada. Casei na igreja e sô até irmã do Coração de Jesus.


---Bão, eu num sei nada do Bié, não... Até hoje, tem sido bão... Nisso, abre a porta do quarto e sai lá de dentro o dono da casa. O Gabriel estivera dormindo acordara e estivera a escutar aquela prosa. Parecia o demônio cuspindo fogo. E já veio com tudo para cima de Dona Ester:


---Sai da minha casa sua cachorra sem dono. Sua égua véia. Isso aqui não é cabaré não. Aqui tem gente de bem. E ninguém pricisa de conseio de puta não, sua mula.


Eu levei um grande susto e já fui colocando asas nas minhas perninhas. Entretanto, Dona Ester começou a tremer e a tossir. No tossir, a sua dentadura saiu da boca e foi ao chão. Ao tentar apanhá-la, desequilibrou-se e caiu e ao cair, soltou um baita pum e, diante disso, o homem, ainda doido de raiva, gritou:


--Vixe Maria! Essa vaca véia nem prega tem mais!...


Eu suponho que ele estava com umas pingas na cabeça. Após o episódio, quase morri de dó de Dona Ester. “Tadinha ela era tão boa pra mim!”


"Os lábios do insensato provocam brigas e sua boca pede uma surra”. (Provérbios 18.6)


Armando Melo de Castro
Candeias Casos e Acasos

    segunda-feira, 17 de setembro de 2012

    O FISCAL DA PREFEITURA.

                                                                  Foto para ilustração do texto.

    Um dos trabalhos mais difíceis de ser executado por um servidor de prefeitura de interior é o de fiscal. --- Aquele que se dispuser a ser um fiscal de prefeitura e estiver disposto a cumprir o cargo com lealdade ser-lhe-á necessário um preparo psicológico vigoroso para estar preparado de forma mental e comportamental. Terá que estar preparado para ouvir os discursos da ignorância e da intolerância; da impaciência e da incoerência. Desaforos não vão lhe faltar.

     --- O fiscal é sinônimo de cobrança e quando se trata de pagar algo para o Estado já existem as resistências, agora o que vem a ser cobrado por um fiscal chega a ser recebido como um castigo injusto. E esse angu de imposto e política é cheio de caroços. Afinal, ninguém concorda com Jesus Cristo quando disse: “Dai a César o que é de César”.

    Evidentemente o fiscal ao atuar o infrator ele o faz baseado nas leis. No entanto o fiscalizado quer sempre que o fiscal faça vista grossa. Se o prefeito foi eleito com o seu voto, ele se acha injustiçado em ser multado; se é oposição ai então o blábláblá é bem mais agressivo. O infrator, normalmente quer ser o juiz da sentença para ser absorvido. ---Ser fiscal de prefeitura, em pequenas cidades, é, sem dúvida, nadar contra a correnteza, é fazer chover num veranico, é lamber os próprios cotovelos, é beliscar azulejo ou, ainda reciclar papel higiênico. --

     O fiscal tem que enfrentar vereadores, secretários do prefeito, o prefeito e o pior: toda a população da cidade. Isso porque cada um está olhando somente para o seu lado e o fiscal terá que olhar o lado de todos. Quanto menor for a cidade, maior será o número de eleitores exclusivistas.

      
    E por falar em fiscais de prefeitura, busco bem no fundo do lago da minha memória um caso que houve entre o meu Tio João Delminda e o fiscal da Prefeitura de Candeias na década de 50: JOÃO ALVARENGA.

    Cumpre-me, comentar que as pessoas da linhagem Alvarenga, de nossa cidade de Candeias, são pessoas educadas, doutrinadas, lecionadas e gentis. E João Alvarenga era um legítimo Alvarenga: respeitoso, prestativo, atencioso, explicado e obsequioso. Parece até que teria sido escolhido a dedo para a função de fiscal.

    Magro, alto, pouca barba, chapéu de lebre e paletó de brim; sempre tragando um cigarro de palha e visto rodando a cidade buscando os infratores como chiqueiros de porcos e galinheiros fétidos. Nesse tempo não era proibido criar um porco na cidade, mas se o cheiro do chiqueiro fosse denunciado por um vizinho, lhe seria devida uma multa. Construções fora do alinhamento da rua e emplacamento de carroças de tração animal e bicicletas. Tudo isso eram as principais causas das infrações a cargo do fiscal da prefeitura.

    Os proprietários de bicicletas desse tempo pagavam o imposto de emplacamento. As bicicletas eram emplacadas pela prefeitura e lembro-me que o preço era Cr$ 30,00 (trinta cruzeiros) por ano, incluindo a placa que era afixada entre os raios de uma das rodas ou na ponta do para lama traseiro. A placa tinha o tamanho de uma tampa de apagador e continha o ano, as iniciais da P.M.C (Prefeitura Municipal de Candeias) e o número.

    Meu tio tinha uma bicicleta, marca Phillips pela qual ele tinha um luxo danado. Entretanto, sempre fugia do João Alvarenga para não pagar o imposto. Achava que pelo fato de usar a bicicleta apenas para andar pelas roças não precisava pagar o emplacamento. Quando o fiscal descobriu que ele fugia da raia da sua fiscalização, passou a frequentar a sua selaria que existia na Rua Coronel João Afonso. Meu tio era seleiro fazia e consertava selas. Num tempo que grande parte das do pessoal da zona rural andava à cavalo.

    João Alvarenga chegava e, na maior educação, cumprimentava o meu tio chamando-o educadamente de Xará e ficava por ali um pouco aguardando o meu tio falar alguma coisa, mas como ele não falava nada, João Alvarenga aguardava o momento de dar o bote:

    ---Vamos emplacar a bichinha, hoje, Xará?
    ---Hoje, eu tô meio quebrado, João...
    ---Não tem importância não Xará, eu passo aqui outra hora, então...

    Assim, ia embora e meu tio comentava:

    ---Eu nunca vi um cabôco mais preguento nesse mundo. Parece que é só eu que tem bicicleta aqui nas Candeia, uai!...

    Passaram-se dois ou três dias, vinha lá o João Alvarenga de novo!

    ---Oi, Xará, como é que vai? Tem trabalhado muito?
    ---Que nada, João, tem pouco serviço. É por isso que ainda não puis placa na bicicreta.
    --- Não, Xará! Não se preocupa, não! Uma hora vai dá certo. Depois, eu passo aqui de novo.

    Assim que ele saía o comentário era sucinto:

    ----Eu num guento esse João Alvarenga! Ele é macio dimais! Manso dimais. Se ele ficasse brabo, ficava mais fácil... A bicicreta é pra eu ir pescá, pra quê que eu vô impracá isso?

    Passaram-se mais alguns dias e lá vem o fiscal de novo e, assim, foi um punhado de vezes até que um dia:

    ---Olá, Xará! Bom dia! Como andam as coisas? E, hoje, nós podemos emplacar a bichinha?

    ---Óia, aqui, João! Vou falá uma coisa procê. Eu resorvi vendê a bicicreta e, quando eu vendê, quem comprá paga o imposto. Eu tô ficando com vergonha docê, tendo essa trabaiêra de vim aqui quais que todo dia. E, dipois, não tem me sobrado cobre pra eu te pagá. E eu quase não ando nessa bicicreta. E ocê sabe né, trinta conto, nessa pindaíba que eu tenho andado, me faz farta.Eu vindi treis arreio nummeis e num ricibi nem um até agora.

    ---Xará isso não vai acontecer de jeito algum. Você não vai vender a bicicleta não! Onde já se viu isso: um amigo meu precisar vender a bicicleta para pagar o imposto. ----- Olha, eu vou fazer uma coisa para você que eu nunca fiz para ninguém. Eu tenho visto que os seus serviços aumentaram. Então, vou emplacar a sua bicicleta e você me paga de três vezes, ou seja, Cr$ 10,00 (dez cruzeiros) por mês. Contudo, tem um probleminha, Xará! Eu vou ter que lhe dar uma placa que ninguém está querendo por causa do número.
    --- E qualé o número, João?
    --- É o 24, Xará...

    Diante disso, meu tio enfiou a mão no bolso, pegou três notas de 10 e falou bem alto:

    ---Impraca logo essa diaba dessa bicicreta, João! Pode impracá sem praca sem, sem número e sem nada!. Só fartava agora me impracá com um número desse.

    E João Alvarenga, todo vitorioso, tirou do bolso do paletó uma plaquinha e disse:

    --- Veja, Xará! Eu tenho uma aqui que estava até encomendada,  mas ela  vai ficar para você , é o número 33, “Olha só que numerozinho, chique” um palpitão para a cobra.

    E meu Tio que era viciado no jogo de bicho, inclusive fazia progressão no touro disse com uma voz pastosa:

    ---- Eu num jogo em bicho não João!

    E João saiu vitorioso e  dizendo:

    Muito obrigado Xará, fica com Deus! agora, é só o ano que vem, Xará...

    E meu tio João, com a boca totalmente fora de sintonia com a mente, disse:

    ---Vá ocê tamém com Deus João!

    Mas a mente, com certeza, estava dizendo: --- Vá pro inferno, João! E vai correndo! Vai voando!

    Armando Melo de Castro

    Candeias MG Casos e Acasos.

    terça-feira, 11 de setembro de 2012

    NESTOR LAMOUNIER

                                                               
                                                                    Prefeito Nestor Lamounier.

    O nome de um homem público é o rastro que um povo deixa registrado no tempo. Uma cidade sem homens representativos não será, com certeza, uma árvore cujo fruto é a civilização. Os políticos de hoje não estão mais preocupados com isso. Querem o poder e com o poder o enriquecimento ilícito. O político, nos dias atuais, é vigiado pela imprensa como um carcereiro que vigia um preso.

    Quando vejo esta movimentação para as próximas eleições municipais, acorda, em minha mente, a lembrança de ilustres candeenses que exerceram o poder sem quaisquer interesses próprios. Os vereadores, por exemplo, em outros tempos, não eram remunerados e o salário de prefeito e as verbas de representatividade, eram mínimas em comparação as de hoje.

     Os prefeitos usavam os seus próprios veículos. Os visitantes políticos, como os deputados, por exemplo, hospedavam-se na residência do próprio prefeito e apareciam para o povo. Hoje em dia, os prefeitos e vereadores são cabos eleitorais dos deputados. Não se ouvia um prefeito falar em crise, aliás, a crise era uma constante e o prefeito tinha que ter competência para administrar os poucos recursos que existiam.

    Prefeitos assumiam o cargo com o objetivo de deixarem o seu nome na história e a marca de uma obra estrutural, além do nome sem mácula, sem nódoa. --- Não existiam as facilidades de hoje e nem as desculpas sobre as crises. Hoje a politica virou um rio de dinheiro do qual grande parte é consumido com um ocioso custo operacional.

    Nos dias atuais, principalmente após a constituição de 1988 a política partidária veio a ser sinônimo de interesse próprio, de toma lá dá cá, de esperteza, logro, maquiavelismo, sagacidade, conchavos, assistencialismo, loteamento de cargos públicos, corrupção extrema, clientelismo.

    E no calor deste teorema no qual me envolvo, profundamente, eu quero registrar aqui o nome de um ilustre político candeense que nem com a sua morte conseguiu livrar-se da minha amizade e de toda a minha admiração e respeito.

    Nestor Lamounier!

    O cuidado com que Nestor dedicava a sua terra, no exercício da política, deve ser decifrado pelos mais velhos para que possa ser cedido aos jovens que buscam um lugar no âmago deste exercício. A popularidade lhe cercou o nome não apenas por ser uma figura robusta e vigorosa, mas sim, por saber respeitar as diferenças de cada conterrâneo.

    Lembro-me do que representou Nestor para a educação em Candeias. Como inspetor escolar, sempre se fazia presente com as suas visitas às crianças. Como prefeito abriu mão do seu minguado salário em benefício do Ginásio de Candeias que esteve com as suas portas a serem fechadas por falta de recursos. Nestor se fazia presente. Era assíduo na recreação dos jovens e, em meio aos adultos era indispensável.

    Um homem que amava sua terra com todas as forças do seu coração. Sua morte deixou um vazio tão grande que jamais será preenchido. Por mais que apareça gente honesta e dedicada o seu nome jamais será superado. Foi um prefeito zeloso e respeitado no âmbito político do Estado.

    Nestor Lamounier, portador de um esmerado espírito e um caráter eminente, era um dos mais caros amigos que encontrei no caminho da minha vida. ---- Filho do Coronel João Afonso Lamounier cujo nome na história candeense registra uma tradição de lealdade. Observa-se, assim, que os descendentes de João Afonso sempre foram fieis e leais com as suas origens candeenses.

    Como prefeito de Candeias, Nestor tinha o município acompanhado pelos seus olhos, e mesmo diante da falta de recursos, tinha sempre uma solução para um problema.

    A água de Candeias era um caso sério. Mal tratada, mal cuidada e escassa. Em época de chuva o que recebíamos em nossas casas eram águas de enxurrada. A falta d’água era uma constante. E não existiam essas águas de galão como hoje, que pode resolver um problema de emergência. Nas casas onde havia as chamadas cisternas, faziam-se filas. ---- A verminose era um problema sério que existia em Candeias. Nestor resolveu esse problema. Essa foi a grande marca da sua administração.

    Toda vez que visito o Cemitério São Francisco, eu não posso deixar de passar pelo túmulo do meu amigo. Nesse momento, eu cerro os olhos e o vejo de pé, a minha frente, dando o seu sorriso de amigo.

    Onde quer que esteja meu querido, Nestor, que Deus o tenha aí como o teve aqui.

    NB) Com o objetivo de discernir dúvidas, informo que Nestor Lamounier não fez parte da oligarquia Lamounier do atual prefeito, cuja história de Candeias registra outros mandatos. Nestor, pelo contrário, era opositor desta oligarquia. São famílias totalmente diferentes de filosofia politica diferentes.

    Armando Melo de Castro
    Candeias MG Casos e Acasos                

    segunda-feira, 3 de setembro de 2012

    FESTA E TRAGÉDIA CANDEENSE.








                                                                Corpo do capitão Leônidas Henrique Lannes   (Reedição)

     Candeias, na década de 50, ficou marcada pelo dinamismo do jovem prefeito, Dr. José Pinto de Resende, que era filho de outro ex-prefeito, o sr. João Pinto de Miranda. --- O Dr. José Pinto de Resende era inteligente, muito instruído e honesto, mudou completamente o perfil da nossa cidade. Abriu inúmeras ruas e fez terraplenagem em vias desconsertadas. Entre os seus grandes feitos, três coisas importantes aconteceram na sua gestão:

    1) Início das obras de calçamento da cidade;

    2) Inauguração do Horto Florestal;

    3) Inauguração do Campo de Aviação.

    A cidade, até então, não tinha ruas calçadas. Quando os carros passavam, deixavam rastros de poeira que faziam as donas de casa sonharem com a possibilidade de um dia verem suas ruas pavimentadas. Outros logradouros eram cheios de buracos onde um veículo não conseguia circular. O mato nas ruas era tão comum que facilmente eram vistas cobras soltas por ali. As casas da rua em que fui criado, ou seja, na Rua Coronel João Afonso Lamounier (saída para a cidade de Formiga) eram todas da cor da poeira. Era comum ver cavalos pastando e galinhas soltas pelas ruas.

    O Dr. José Pinto de Resende foi quem deu início ao calçamento das ruas de Candeias. Daí para frente, todos os prefeitos participaram do processo de manutenção da cidade calçada. Sabe-se que a pavimentação, em forma de paralelepípedo, deixa a cidade menos aquecida em comparação às ruas asfaltadas. Com isso, aproveitou-se a grande reserva de pedras existente no município, o que pode proporcionar, também, uma boa demanda de mão de obra.

    Outra importante realização do prefeito, José Pinto, foi trazer para Candeias um horto florestal. Uma área reservada para reproduzir espécimes vegetais e que ficava situado no espaço que se destina, atualmente, ao Estádio do Rio Branco Esporte Clube e ao matadouro municipal. Mudas de árvores variadas eram ali distribuídas gratuitamente. A instituição era administrada por um engenheiro Agrônomo e um gerente que vieram de fora, todavia, empregou-se um grande grupo de funcionários, principalmente meninos no tempo em que não era proibido menino trabalhar. O Horto Florestal de Candeias foi, durante o seu tempo, um ponto turístico que recebia a visita constante de namorados e familiares. O fim desse horto é para mim desconhecido.

    A terceira obra importante do prefeito José Pinto foi o Campo de Aviação construído no Bairro da Parmalat e que ocupava um grande espaço no qual se encontra instalada, nos dias de hoje, uma indústria de tábua de granito bem como os eventos referentes às festas do tipo exposição agropecuária.

    O campo de aviação e o horto florestal seriam inaugurados no mesmo dia. A previsão era de que seria uma festa de grande repercussão. Pode-se, portanto, acreditar ter sido esta a maior festa de todos os tempos anotada nas lembranças do povo  candeense. ---  Na parte da manhã, seria a inauguração do campo com a presença de autoridades locais, regionais, estaduais e visitantes das cidades vizinhas. Um palanque foi montado e a maior parte da população de Candeias estava presente

    Candeias é o berço de um ilustre , da Força Aérea Brasileira, hoje aposentado, o coronel aviador, Renato Paiva Lamounier, filho do Sr. Olinto Lamounier e da professora, Dona Eliza Paiva Lamounier. O Coronel Renato é neto do Coronel João Afonso Lamounier, mais um personagem ilustre da nossa história. --- Nunca esteve ausente de sua Candeias. Sempre aparece, para ver os seus parentes e hospedar-se no Hotel Fazenda Álamo. E sempre leva para o Rio de Janeiro, onde mora, as delícias de nossa terra. O coronel Renato Paiva é um candeense detentor de um currículo brilhante, por ter prestado relevantes serviços à nação brasileira, inclusive à  Presidência da República como comandante aviador do Presidente Ernesto Geisel.

    Nesse tempo, Renato Paiva, era cadete da Aeronáutica, e seria um futuro piloto da Esquadria da Fumaça. Entretanto, em uma das visitas a Candeias o prefeito, José Pinto, procurou saber dele  se existia a possibilidade de  conseguir a vinda à Candeias da Esquadrilha da Fumaça, para a inauguração do campo. Renato disse-lhe que sim. Porém ele teria que ir ao Rio de Janeiro e se encontrar com o comandante da Aeronáutica.

    O prefeito candeense bastante entusiasmado com a ideia, e acompanhado do deputado federal João Nogueira de Resende, dirigiu-se ao Rio de janeiro, então a capital do país. E na Escola da Aeronáutica, junto também ao cadete candeense, se encontraram com o comandante daquela instituição ficando assim agendada a data de inauguração do campo com a presença da Esquadria da Fumaça para o dia 18 de julho de 1958. Notícia esta que veio trazer ao povo candeense grande alegria. As emoções de ver as acrobacias dos aviões era um assunto que colocava muita gente em dúvida, o que aguçava a mente de todos.

    Tendo chegado o “Dia D”, logo de manhã o campo de aviação a ser inaugurado encontrava-se lotado para ouvir os discursos e a chegada da tão prometida Esquadrilha da Fumaça, prometida para as 9 horas daquela manhã.

    E ela não chegou. Esse atraso seria um fato anormal porque a esquadrilha teria já chegado a Campo Belo no dia anterior e lá iriam pernoitar e aguardar o momento de vir para Candeias, tempo que seria de apenas três minutos de Campo Belo a Candeias. E esse atraso causou uma grande inquietação nas autoridades candeenses e no povo em geral. O meio de comunicação em Candeias era precário; praticamente apenas pelos telegramas da estação ferroviária. E por isso a notícia desastrosa demorou muito a chegar, abalando e frustrando toda aquela expectativa do povo, não só de Candeias, como também de cidades vizinhas. Afinal, a Esquadrilha da Fumaça era uma coisa nova, com poucos anos de existência. E numa cidade de interior isso era muito raro. -

    Ocorreu, todavia, que ao levantar voo para se dirigir para Candeias, a uma velocidade de 400 quilômetros por hora, o que não levaria mais de 3 minutos, o comandante, Capitão-aviador, Leônidas Henrique Lannes, decidiu dar uma pequena apresentação para o povo de Campo Belo, e nessa demonstração, o seu avião perdeu o controle e foi bater com a ponta da asa na torre da Igreja Matriz em Construção e foi cair num terreno onde morava a família do Sr. Clóvis Rios, atual esquina da Rua Ana Jacinto Rios com a Rua Joaquim Murtinho. Morreram o piloto, comandante da Esquadrilha e  duas crianças filhos do Sr. Clovis e Dona Tereza Trindade. A notícia trouxe para Candeias uma grande comoção.

    Os outros três aviões, durante a festa de inauguração do campo, passaram timidamente pelos céus de Candeias sob os nossos olhares tristonhos. Mas enquanto aqueles aparelhos sumiam nas nuvens, com certeza, estava havendo uma reciprocidade de sentimentos quando o nosso povo sentia uma grande tristeza e frustração, enquanto  aqueles três aviadores voltavam as suas origens com os corações partidos por deixarem para trás o seu companheiro e comandante.

    O capitão Leônidas Henrique Lannes, era um homem tido como prudente e cauteloso que além de ser o comandante da Esquadria era instrutor de voo de cadetes do ar, morto quando teria vindo com o objetivo de alegrar o nosso povo. Esse acidente de repercussão nacional foi, por muitos anos, lembrado pelo povo candeense num sentimento de frustração por ter perdido uma oportunidade que nunca mais, talvez, pudesse vir tê-la de novo. Mas como tudo não estaria perdido, o nosso cadete, hoje, aposentado, coronel Renato Paiva Lamounier, nas suas vindas a Candeias, em visita a sua mãe, vinha num desses aviões e sempre nos dava uma mostra do que teria sido feito por quatro aviões num só momento. O avião pilotado por ele subia como uma flecha e depois vinha cambalhotando, o que deixava o povo da nossa cidade assustado e imaginando o que seria aquilo feito por quatro aviões, como poderia ter sido feito na inauguração do noss campo.

    Naquele momento não havia clima para a festa de inauguração do horto Mas não havia como cancela-la. Tratava-se da parte mais festejada das comemorações. Um consórcio de fazendeiros teria proposto uma churrascada para todo o povo de Candeias. Diversas rezes haviam sido abatidas para esse churrasco. Muito refrigerante estava pronto para ser servido. Assim, apesar da frustação da nossa população, a inauguração do horto, marcada para a parte da tarde, estava de pé, quando o povo já ia diretamente do campo, para o horto, do outro lado da cidade.

    Eu que já contava os meus 12 anos, não perdi um foco sequer dessa grande festa. De manhã sofremos, mas à tarde carnívoro como é o ser humano, deu-se um branco na cabeça de todo o mundo, sobre a ausência da Esquadrilha da Fumaça. Carne e refrigerante à vontade. Cerveja eu não me lembro se existia, eu não bebia nesse tempo, mas refrigerante... Meu pai! Eu jamais vira tanta fartura. --- Para o churrasco foram abertas várias valas onde grandes espetos eram expostos. O povo comia, levava para o parente de casa, e apanhava no chão para levar para o cachorro.

    A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. (Chaplin)

    NB) Neste texto eu fui auxiliado pelo meu amigo, Coronel Renato Paiva Lamounier, que me falou sobre a Esquadrilha da Fumaça. Mas a festa frustrada do campo, e a alegria no horto florestal, eu estive o tempo todo presente, e teria muito mais o que falar... Muito mais!

    Armando Melo de Castro